“Antigamente Ninguém Ligava para o DJ, Era Mais sobre Música”, Diz DãM-Funk

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Música

“Antigamente Ninguém Ligava para o DJ, Era Mais sobre Música”, Diz DãM-Funk

O produtor norte-americano que elevou a funk music a outro patamar com o lançamento de seu novo álbum ‘Invite The Light’ fala sobre sua infância musical e como o consumo de música mudou nos últimos 20 anos.

Quando chego para me encontrar com o DãM-FunK, ele está me esperando no lobby de um hotel totalmente apropriado, no lado ligeiramente mais insalubre da Hackney Road. Nos encontramos durante uma breve parada dele em Londres — assim que terminarmos a entrevista, Funk vai imediatamente para Dalston para falar durante duas horas na rádio NTS e, mais tarde, tocar para uma plateia lotada na Koko. Extretamamente afável, ele me cumprimenta calorosamente e diz que precisa de "30 segundos" para fumar um cigarro. "Só 30 segundos, Josh. Prometo."

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45 segundos depois, o homem conhecido pela família como Damon Garrett Riddick se joga no sofá à minha frente. Há anos, o nativo de Pasadena vem criando as faixas de boogie e funk suculentas, trepidantes e atemporais que embalaram todos os churrascos em que já estivemos — reais e imaginários — desde que, há tantos anos, escutamos "Hood Pass Intact" pela primeira vez. Neste mês aconteceu o lançamento do contagiante, extraordinário e absolutamente brilhante Invite The Light, um disco que amplifica e leva a sua concepção de funk moderno a outro patamar.

Falamos ostensivamente sobre as suas primeiras experiências em clubes. Funk é bom de papo, caloroso, acessível, simpático, expansivo, feliz em se abrir sobre qualquer assunto, do seu amor pelo Rush até os "filhos da puta" que, atualmente, vêm arruinando a cultura de clubes, passando pela sua visão da importância da fantasia em uma época de desesperança quase total. "Os Estados Unidos estão obcecados com a realidade agora", me disse ele. "É por isso que quero dar um pontapé no traseiro das pessoas, porque ninguém mais sabe como produzir fantasia. Fantasia é bom. Ela permite que você sonhe e crie coisas novas, diferentemente dos reality shows e qualquer outro produto relacionado à realidade, "sou a CNN das ruas", essa merda toda. Não quero colocar um disco para tocar e ouvir a CNN das ruas. Quero ir para outro lugar. Foi isso que o Rush fez por mim."

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THUMP: Você cresceu em um lar musical?
DāM-FunK: Cresci. Meu pai tocava teclado e bateria. Meu avô era envolvido com música também, então isso me foi passado pelo lado do meu pai da família. Comecei a tocar bateria quando tinha uns seis anos. Foi o meu primeiro instrumento. Comecei a tocar órgão e teclado um pouco mais tarde.

Você tocava junto com os seus discos ou improvisava sozinho?
A primeira música que aprendi com meu pai foi "In-A-Gadda-Da-Vida", do Iron Butterfly. Tocava todos os 17 minutos dela! Meu pai se formou em Berlim, foi exposto a muitas culturas diferentes e insistiu que o mesmo acontecesse comigo. Então eu não ouvia só soul o dia inteiro, tipo Al Green ou Isaac Hayes, fui exposto a muitos outros estilos também. Agradeço a ele por ter me apresentado muita coisa. Mas eventualmente você começa a se rebelar. Quando comecei a curtir outras coisas, que descobri e comecei a curtir sozinho, o Rush era a minha banda favorita. Adorava o estilo de tocar bateria do Neil Peart. Toquei Moving Pictures na bateria do começo ao fim muitas vezes. Juro por Deus, eu imitava tudo… Não tento tocar como ele agora, mas quando você é moleque e ingênuo, nem pensa no que está fazendo. Está aberto a aprender. Eu aprendi esse disco.

Você falou sobre se rebelar. Como você se rebelou? Foi através do rádio? Lojas de discos? Amigos?
Meu pai me levou a uma loja de Pasadena chamada Poobah Records. Era uma loja de discos tradicional. Jay Greene, o dono, tinha de tudo. Ele era um coroa judeu e tinha de tudo, de Miles Davis a Aretha Franklin, do Prince ao Egyptian Lover, tudo ao mesmo tempo. Soft Cell. Tudo. As rádios de Los Angeles na época, no início dos anos 80, eram tipo… Tinha a KROQ, que tocava new wave e new romantic, a KLOS e a KMET, que tocavam heavy metal, então tinha a KLGH e a KGFJ, que tocavam soul e funk, a Kiss, que tocava pop, e você ouvia tudo isso só mexendo no dial.

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De uma maneira estranha, agora que todo mundo anda por aí com seus fones de ouvido e iPods, é meio como uma queda livre de novo. Você não sabe o que as pessoas estão escutando. Alguém pode pensar: "Ah, aquela parada de funk moderno não está estourando", mas você nunca sabe o que as pessoas estão escutando. Sei lá, o dubstep pode ganhar espaço nas revistas descoladas, e então, só porque esses nerds escutam isso, e não funk ou boogie, ele é mais comentado, porque os jornalistas podem fazer parecer que todo mundo está escutando esse tipo de música. Juro por Deus, ninguém escuta essas coisas sobre as quais eles escrevem. As pessoas ouvem funk moderno nos seus carros. É isso que elas estão escutando de onde eu venho.

Com a história de se rebelar, você precisa ser você mesmo. A razão por que me rebelei foi porque costumava existir uma revista chamada TV Guide, e eles tinham um serviço chamado Colombia House, e você podia encomendar discos deles por um centavo. Eu encomendava discos do Kiss, do Devo, do Rush. Escolhia tudo pela capa. Isso e o rádio, então, são a minha resposta para a sua pergunta.

Está mais difícil do que nunca descobrir coisas novas e realmente se aprofundar nelas? A nova geração que está crescendo agora não sabe como é construir uma relação direta com discos e artistas?
Com certeza. Eu matava aula se saía um novo disco do Prince na terça-feira. Ia para casa, abria a embalagem, ficava olhando para a capa, lia as letras, conferia quem tinha produzido o disco, onde ele tinha sido gravado, quem havia tocado nele, e então pegava a bolacha, colocava no meu toca-discos, abria as janelas, sentava em uma cadeira especial que tinha no meu quarto e assistia ao pôr do sol ouvindo o disco. Era uma experiência incrível.

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Você dá valor a tudo que dá trabalho. Não quero soar como um cara antiquado, porque não sou assim, sou atemporal, mas sinto mesmo pena deles. O iTunes, o Spotify ou qualquer um desses serviços de streaming não te dá informações como quem produziu as coisas, você não sabe em que estúdio a música foi gravada, não sabe quem compôs. Só te dão uma capa na qual você pode clicar. Não sei por que isso está acontecendo. Sei que você pode receber um PDF junto com o disco, mas não é a mesma coisa. Com sorte, mesmo com tudo isso sendo tirado de nós, ainda vamos ter gente jovem fazendo música incrível.

Vamos falar sobre quando você começou a sair para a balada. Você se lembra da primeira vez em que pisou em um clube?
Lembro. Foi em um lugar chamado Marylin's Back Street em Pasadena. Era um clube para adolescentes. Na época, a música que tocava era tipo Eric B. & Rakim, Big Daddy Kane e coisa do tipo, mas em Los Angeles, eles ainda mixavam Egyptian Lover e Prince, ou George Clinton, coisas assim, porque os DJs eram mais velhos do que nós. Eles faziam o funk continuar na moda. Essa era a vibe. Tínhamos uma dança naquela época chamada Freak, e tudo girava em torno disso. No fim da noite, você ganhava um número de telefone e esperava poder falar com aquela garota no telefone durante horas no dia seguinte. Era divertido.

Costumava ir até lá com a minha turma da escola. Nós marcávamos por telefone, pegávamos o ônibus e nos encontrávamos em um determinado ponto. Não havia celulares, bipes, nada naquela época — só confiávamos uns nos outros. Você esperava sozinho todo mundo chegar. Nossos pais nos buscavam. A certa altura, um de nós arranjou um carro, então todo mundo corria para pegar o banco da frente e saía se batendo. Era divertido. Tenho memórias muito boas dessa época. Depois da aula, no ensino médio, costumávamos dirigir de Pasadena até Los Angeles para conhecer outros clubes.

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Dos clubes de Los Angeles, quais DJs foram fundamentais para você?
Na verdade, naquela época, ninguém ligava para quem era o DJ. Era mais sobre a música. Essa é a diferença. Naquela época, era sobre a música, o cara que estava tocando só estava colocando um som. Não olhávamos para o DJ. Esse é um ponto fundamental: hoje, o DJ é a estrela. Naquele tempo, o foco era ir para um lugar e ter uma experiência com as pessoas. Não era ficar pagando um pau na frente da cabine, acenando para o DJ, jogando as músicas no Shazam. Os DJs não tinham fãs. O foco era curtir a música. Dançar. Interagir com outras pessoas na pista, tentar conseguir o número de telefone de alguém para falar depois. A música era a trilha sonora disso. Tenho certeza de que o DJ era pago ao fim da noite, e de que ele fazia o seu trabalho, mas não era assim. Com o passar do tempo, talvez houvesse pessoas que prestassem atenção nos DJs, mas sei que nós não prestávamos. Não era um desrespeito, mas naquela época você não ligava para o DJ. Hoje em dia, eles são mais importantes do que as pessoas na pista. O DJ é um rockstar. Não cresci com isso.

Isso é positivo, essa mentalidade do DJ como rockstar?
Acho que há pessoas por aí que não merecem, para ser sincero. Algumas delas simplesmente não merecem e outras sim. Algumas pessoas fazem grandes shows. O Theo Parrish, por exemplo, ele é ótimo. Ele faz um show bom pra caralho. O Moodymann também. Falando modestamente, acho que faço também. Tento oferecer uma experiência diferente. Não é só um monte de faixas coladas umas nas outras por um babaca mexendo em alguns botões sem falar nada. Um monte de gente não fala a verdade. É a natureza illuminati desses jornalistas que enaltecem os DJs e os fazem parecer deuses. É todo mundo puxando o saco um do outro. Eles veem alguém que se parece com eles e dão a esse cara o status de deus. Enquanto isso, caras como o Theo Parrish e o Moodymann, entre outros, são ignorados, porque os jornalistas querem que os seus amigos ou pessoas que se parecem com eles sejam estrelas.

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Você está dizendo, então, que o jornalismo de dance music favorece DJs e produtores brancos?
Não estou dizendo exatamente isso. Mas tem uma inclinação para esse lado. Não é nem sobre a questão de ser branco. Não é uma coisa racial, tem mais a ver com uma intelligentsia. Parece que qualquer um que esteja envolvido na intelligentsia, em oposição a apenas ser real, verdadeiro, é isso que eles parecem adorar. Se eles se parecerem comigo, não vão ser respeitados, mas tem gente de onde eu venho que está falando sobre gente como eu. Mas nunca vou aparecer na capa da revista. Porque eles querem que eu seja representado. Não querem o Theo Parrish. Não querem o Juan Atkins, porque ele é antigo. Eles só querem dar as boas-vindas aos caras novos. E quando dão as boas-vindas a alguém que não se parece com eles, colocam esse cara sob um microscópio e esperam que ele dê um escorregão. Posso ver isso acontecendo como Kaytranada agora. Eu o vi brigando com as pessoas no Twitter. Quero dizer a ele para se acalmar, não mexer com os trolls. Não brigar com eles. Os outros sabem como ficar quietos. Sabem como ser chamados de Disclosure ou se manter a portas fechadas e usar uma máscara. Vê como somos? Somos um tipo de gente mais colorida. Balançamos o rabo. Porque podemos. Porque podemos.

Está dizendo então que o jornalismo de dance music é meio como uma vingança dos nerds?
Sim! Fico feliz que tenha perguntado. Não é nada contra eles, porque eles são parte deste movimento todo, apreciam música e eu aprecio isso. É uma vingança dos nerds, mas ninguém quer falar sobre isso. Sou o único que fala. Sou a única pessoa a admitir isso porque não tenho medo de perder shows ou dinheiro, e não tenho medo de algum cara chegar no Twitter e dizer "Vai se foder!". Estou falando a verdade porque não dou a mínima. Sim, é uma vingança dos nerds!

Invite the Light foi lançado pelo selo Stones Throw

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Tradução: Fernanda Botta

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