Arthur Verocai fala sobre seu clássico disco de 1972, pérola redescoberta pelo rap

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Arthur Verocai fala sobre seu clássico disco de 1972, pérola redescoberta pelo rap

O maestro, músico e arranjador carioca lançou um disco tão à frente de seu tempo que demorou mais de 20 anos para sacarem o quanto era bom.

Sabe aquele disco foda que pouca gente conhece? O Noisey decidiu fazer um garimpo e mostrar a história de uma dessas raridades. Nesta edição destrinchamos o clássico de Arthur Verocai. Lançado em 1972, o disco foi redescoberto pelo rap mais de duas décadas depois.

Se você entrar no whosampled.com e digitar A-R-T-H-U-R V-E-R-O-C-A-I vai encontrar 28 sons que sampleiam o músico, maestro e arranjador carioca. Ludacris, SchoolBoy Q, Little Brother, entre muitos nomes do rap gringo usaram os arranjos do álbum auto-intitulado de 1972 em seus beats. O disco se tornou uma importante referência e, em 2009, Verocai lotou o Luckman Theater, em Los Angeles, com uma apresentação para 1.200 pessoas, um dia histórico para sua carreira e gerador de bons momentos como esse:

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Apesar de ter seu nome associado com figurões da música brasileira como Gal Costa, Marcos Valle, Eramos Carlos e ter feito direção musical para programas de TV, sua história nem sempre foi tão gloriosa assim. Quando saiu, o álbum caiu num limbo incomensurável. Foi contestado pela gravadora, não chegou às rádios e quase fundiu os parafusos do músico. "Vendagem? Ele não vendeu. Sei lá, minha tia comprou, meu vizinho comprou, foi só uma meia dúzia lá", afirma Verocai.

Aos 71 anos, pai de três filhos e neto de um menino, Arthur Côrtes Verocai fala confortavelmente na sala de um apartamento no Humaitá, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro. Ao lado de um inseparável violão, ele conta tudo sobre o disco, as parcerias, os bastidores, a foto de capa e sua infância na conexão Urca-Copacabana, onde viu pescador tirar coração de tartaruga e o coração bater por cinco minutos e o colégio interno. "Eu enjoava toda vez que andava naquele ônibus. Só de ir pro colégio interno já era um drama, ainda mais indo naquela porra daquele ônibus", recorda.

Relembra também o início na música, o caderninho de violão da irmã, a herança bossanovística e a paixão pela música. "Ouvia um som do violão e parecia que eu tava hipnotizado, se eu ouvisse um violão na TV saía correndo pra ver quem era, o que tava fazendo. Se me falasse: 'Ah, tem um cara lá na esquina tocando', eu ia lá ver quem era o cara. Era fanatismo total".

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Dá o play no disco aí pra embalar:

Noisey: De onde vem esse sobrenome?
Arthur Verocai: Verocai é do norte da Itália. Meu bisavô veio pro Brasil em 1891, ou 89. Foi antes da imigração agrícola, do pessoal pra trabalhar no campo, esse negócio que fizeram até novela dos italianos que vieram trabalhar na terra. Mas meu bisavô veio pro Rio de Janeiro, ele não era desse negócio da terra não.

E musicalmente quais são suas primeiras lembranças?
O papai adorava música. Ele era assim. Comprava flauta no camelô, tocava de ouvido, tinha cavaquinho. Ele tinha muito discos e com cinco, quatro anos, eu botava na vitrola " Ol' Man River….tã tã tã rã rã " (Paul Robeson). Bonito pra caramba. Papai tinha bom gosto pra música e deixava o rádio rolando direto, porque naquela época não era TV, era rádio. Rolava direto a Rádio Nacional, que tinha as melhores orquestras e os cantores de mais sucesso. Cresci ouvindo de tudo, porque na Rádio Nacional tinha baião, dobrado. Lembro que quando São Paulo fez 400 anos, eles fizeram uma música chamada "São Paulo Quatrocentão", era um dobrado. Eu me lembro direitinho que ela ficou em primeiro lugar no programa do César de Alencar umas duas ou três semanas.

E qual foi o primeiro instrumento que você teve?
No colégio interno o papai me deu uma gaitinha e eu ficava curtindo lá de ouvido uma gaitinha. Tinha até meio tom. Eu tinha uns 11 anos.

E hoje quantos instrumentos você toca?
Eu toco um pianinho, toco um violão…

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Pianinho é brincadeira, né?
Não, não sou pianista não. Nunca toco piano. Meu instrumento mesmo é o violão, a guitarra. No piano eu toco também, harmonizo, mas não tenho aquela intimidade de pianista mesmo, sabe? Esse negócio de sair com uma mão pra cá outra pra lá. Nunca me aprofundei em técnica de piano. Tocar dá muito trabalho, cara. Você tem que estudar muito.

Como foi o seu início na música?
A gente morava em Copacabana e tava rolando aquele papo da bossa nova e de vez eu quando eu ia numa festinha dos mais velhos. Em 59 eu tinha 14 anos e a gente ia peruar festa do pessoal. Uma vez vi um cara tocando violão e fiquei amarradão no cara. Minha irmã aprendia violão, mas não tocava porra nenhuma, ela aprendeu com o Carlos Lyra.

E foi no caderninho de violão da sua irmã que você começou?
Isso, comecei a filar o caderno dela e comecei a tocar as músicas. Daí a pouco eu já tava tocando de tudo. Pegava os discos do [Luiz] Bonfá lá em casa, tinha disco do Paulinho Nogueira, tinha disco do Baden [Powell]. Aí eu saía tirando as músicas de ouvido e tal. Foi nessa que quando tive a minha primeira aula eu até tocava já, harmonizava legal. Aprendi meio sozinho no caderno dela.

Depois você teve aulas mesmo?
É, tive algumas aulas com o [Roberto] Menescal, 12 aulas ao todo. Depois tive aula de erudito. Com o Menescal foi bom, porque ele me botou a par dos cantores que estavam na época pintando, os caras de bossa nova, as músicas e tal. Ele me inteirou desse universo bossanovístico. Foi bom por causa disso.

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Você teve alguma profissão que não fosse ligada à música?
Tive, me formei em engenharia. Trabalhei no início da ponte Rio-Niterói, em 1969. Tava começando a instalação dos canteiros de obra pra começar a fazer a ponte, mas trabalhei dois meses só nesse consórcio construtor Rio-Niterói. Trabalhei mais até quando eu tava na faculdade, tava na PUC. Tinha um estágio na Cooperativa Habitacional da Guanabara, lá eu era fiscal de obras, quer dizer, era estagiário e tinha um engenheiro acima de mim que assinava as faturas. Eu ia nos conjuntos habitacionais pra verificar se tava tudo direitinho. E era aquele lance de engenharia mesmo.

E como você largou a engenharia?
Trabalhei janeiro e fevereiro. No verão a galera toda se divertindo e eu trabalhando até sábado. Então sexta eu não podia ir a lugar nenhum, quer dizer, só podia ir no sábado a noite. Fiquei meio assim, achando que não era a minha esse negócio de engenharia. E realmente não era a minha. Era sim uma coisa mais estável, aquele troço. Aí eu falei "não, vou ser arranjador". Até conversei com o Erlon Chaves, que era meu amigo. "Erlon, me ensina aí, cara. Eu quero ser arranjador também e tal". Mas ele falou que não ia me ensinar, porque era autodidata e não tinha didática pra ensinar esse negócio. Aí falei: "Ah é, então vou ser autodidata também". Corri atrás de partitura de Ravel, Debussy, Villa-Lobos, comecei a ver como eles escreviam, como a orquestra soava e por aí comecei a tirar outras orquestrações.

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Mas aí você já tinha um conhecimento teórico grande.
Sim, fiz um curso de harmonia. Quando parei com engenharia já sentiram aquele drama na família. Minha mãe era filha de fazendeira então era um pouco radical pra caralho. A velha foi difícil de assimilar o choque, mas aí quando começou o nome a aparecer na mídia ela já relaxou. Era intensivo. O curso, que leva dois anos em conservatório, eu fiz em seis meses.

E quando rolou o primeiro arranjo?
Em 1969. Foi pro Festival Universitário de Porto Alegre. Essa música não aconteceu nada, ninguém conheceu e eu nem sei mais como ela é. Mas em 69 fiz também o arranjo do Festival Universitário do Rio para os Golden Boys com uma música chamada "A Menina e a Fonte". Fiz arranjo pro Gonzaguinha também, pra um negócio de festival.

E num tempo curto você fez os arranjos pro Negro É Lindo, que é um disco muito bonito e muito importante do Jorge Ben. O quanto tem da sua mão nesse álbum?
Eu fiz acho que todos os arranjos.

E o quanto esse álbum influenciou o seu disco solo?
Nada. O do Jorge Ben é outra porta, outro departamento. Não tem nada a ver com a qualidade, porque ele é um cara espetacular e sou fã dele pra caramba. Chegou com uma coisa super nova, quando tava todo mundo no mar da bossa nova ele veio com uma coisa mais negroide, que nego diz que é rock. É uma música com outra concepção. Mas não era a minha praia, porque eu já navegava por vários caminhos musicais.

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O seu disco rendeu algum fruto?
É, 40 anos depois ele rendeu, 30 e tantos anos [depois].

Mas na época nem os músicos se ligaram nele? Não apareceu mais coisas pra você fazer?
Não, esse disco aí marcou a minha vida pelo seguinte. Quando acabou eu achei que tivesse feito uma coisa legal a beça, que tinha sido autêntico e feito o que eu tava vivendo mesmo naquela época, e o mercado fonográfico não entendeu. O pessoal era bem quadradinho, bem limitado na concepção de um produto comercial. Então você vê que os discos eram todos caretinhas, entendeu? Era tudo comportadinho.

As composições que você criou pra ele são daquela época ou são coisas que você veio criando e arranjando ao longo dos anos?
São daquela época mesmo. A maioria eu fiz perto do disco.

Você tinha 27 anos quando esse disco saiu. Eu tenho 29 e quando olho pra ele eu fico meio deprê, porque penso que você com 27 anos construiu uma coisa tão rica, com tanta referência, tanta informação. De onde veio tanta coisa?
Pelé foi campeão do mundo com 17 anos, eu tô atrasado. O cara com 27 anos já existe, pelo amor de Deus. Com essa idade eu já tava velho. Eu não tinha muito preconceito. Os caras têm preconceito. Os caras que tocam bossa nova têm preconceito com outros estilos, entendeu? Eu era um filho da bossa nova que não tinha preconceito. Gostava de Beatles, quer dizer, gostava de algumas coisas. Os caras eram ótimos compositores. Ao mesmo tempo que gostava deles, eu adorava o Wes Montgomery, gostava do Frank Zappa ou então do Stan Kenton. Adorava Villa-Lobos e Ravel. Eu gosto de música, cara. Não me prendo…

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Esse disco tem jazz, bossa nova, groove. Como você conseguia assimilar e arranjar tanta coisa? Era o quê? Era droga, era abstinência, era a época, era o quê?
Eu tava na casa da Paula Lavigne e ela me disse: "Como é que você se sente sendo referência para os mais jovens?" Isso aí é da cabeça dela, porque não me sinto referência nenhuma, mas o Tom Veloso (filho do Caetano) adora o meu trabalho, a galera toda jovem. Quando fiz o show em Los Angeles o pessoal lá tinha 20 anos, 20 e poucos anos. Lotado, teatro de gente jovem. Tinham uns coroas também, mas a maioria era jovem. Os caras cantando fanáticos. Ali tá editado, porque quando entrei no palco eles ficaram cinco minutos aplaudindo.

O que você fazia pra organizar as ideias?
Eu simplesmente fazia, não tinha essa papo de organizar ideia não. Você vai fazendo o que tá sentindo, não é premeditado. Tem uma música, "Sylvia", que comecei a fazer no estúdio, porque faltava uma música e não tinha música pro disco. Fiz no estúdio uma sequência, gravei a base. Aí fui pra casa, botei as cordas, botei flauta e flugelhorn.

E quem é Sylvia?
Era a minha mulher, é minha ex.

Como você fez pra juntar tanta gente boa nesse disco?
Peguei o caderninho de telefone. "Alô, vamo nessa? O cachê é bom".

Tinha o Oberdan Magalhães da Black Rio .
O Oberdan vivia lá em casa, cara. Ele era muito meu chapa, gravava comigo os discos do Ivan [Lins], participava da Abolição do Dom Salvador, era uma suingueira muito boa.

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Tem o Pedro Santos na lista também, né?
A vida dele era a percussão, ele era "o" percussionista, porque vivia inventando instrumentos. Ele espalhava duas malas no estúdio. Você vê que aparece cada som diferentão no disco. Teve um dia que eu gravei um negócio da Célia (na música "A Hora É Essa") e ele fez até um "uhhh uhhhh" (imitando cuíca com a voz). Ele fazia percussão até com a boca. Ele era um anjinho, falava baixinho.

"Caboclo" me traz uma paz. É dessas músicas que você ouve quando acha que o dia vai ser bom. Como surgiu a ideia pra letra e pra composição? O que veio primeiro?
É uma influência country que eu tinha também. Gostava de Crosby, Stills & Nash, gostava do Elton John, gostava daquele, aquele que era o melhor de todos, como que é o nome do cara? [Pega o violão e toca "You've Got A Friend"] James Taylor, eu adorava ele que era super country. Fui ouvindo essas coisas e um dia eu fiz. Tem essas coisas de acordes maiores, mas já envenenados [começa a tocar a canção].

"Pelas Sombras" tem uma angústia na voz do Luiz Carlos Batera muito foda. Foi um pedido seu para que ela fosse interpretada desse jeito ou o arranjo levou pra esse lado?
Ele cantava daquele jeito mesmo, soltava a voz. " Quem viaja na sombra".

Em "Presente Grego" tem uma guitarra que é muito soul e os arranjos também vão nessa onda. Quem você ouvia na época que pode ter influenciado?
Sei lá o que eu ouvia. Ouvia o que tocava por aí. De brasileiro conhecia Tim [Maia], conhecia Abolição, todo mundo. Mas não é parecido com nada disso. Essa guitarra eu botei na mixagem. Como só tinha quatro canais, aproveitava a mixagem e botava mais um negócio na hora. Por exemplo, piano elétrico, todos eles foram gravados na mixagem e as guitarras com wah também foram na mixagem.

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Como era a gravação?
Você gravava a base com os sopros em dois canas para gravar estéreo. O baixo no meio, batera e os sopros do lado geralmente. Aí depois você botava cordas no terceiro canal e voz no quarto canal. Cabou. Quando não tinha voz você podia colocar as cordas e os metais depois também.

"Dedicado a Ela" é a única música com Paulinho Tapajós , como surgiu a parceria?
O Paulinho foi meu colega de colégio, a gente estudou junto no 1º Científico. A gente ficou amigo, ensinei ele a tocar violão, eu que dei aula pra ele. A primeira letra que ele fez foi numa música minha, que foi "Madrugada".

E quem era ela?
Não sei se eu devo publicar.

No lado B começa com "Seriado", que tem a Célia com uma interpretação muito bonita. Você fez o arranjo já pensando na voz dela?
Foi, foi tudo premeditado. Essa foi. A Célia que arranjou pra eu fazer o disco, ela era estrela da Continental na época e eu tinha feito os arranjos pro primeiro disco e produzido o segundo disco, feitos os arranjos também. Então ela falou pro pessoal da gravadora fazer um disco comigo e não sei o quê. Os caras toparam na mesma hora e eu falei. 'Olha, eu só faço o disco se fizer o que eu quero senão não faço disco nenhum'. Aí eles abriram tudo.

Essa é outra canção que traz uma certa angústia, "Feito um animal que quer fugir, a ronda caça".
O Vitor [Martins] que fez essa letra.

Ela foi feita durante a ditadura. Ela tem algum discurso político?
É, o Vitor era esquerdista

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E você sofreu em algumas dessas músicas com a censura?
Não, porque aí tá tudo emblemático, não tem nada dito diretamente. O disco é feito com metáforas o tempo todo. Essa aí que o Luiz Carlos cantou ["Pelas Sombras"]. Ninguém entende a letra, mas ela tem um cunho político. "Presente Grego" também tem cunho político, mas é difícil de entender pra caramba. O "Presente Grego" era a ditadura, o presente que os militares estavam dando ao Brasil, mas ninguém entende isso quando vê a letra.

"Na Boca do Sol" é uma das músicas que eu ouço quando acho que o dia vai ser bom, saca? Ela dá uma aliviada. Não sou de uma cidade do interior, mas ela me traz algo muito bom.
O Vitor é de Ituverava, no interior de São Paulo. Conhece?

Conheço sim, já até visitei Ituverava por causa da família de uma ex-namorada.
Todo mundo teve uma namorada do interior.

Ela não era do interior, mas a família era.
Eu já tive várias namoradas no interior. O Vitor fez a música, porque toda a cidade do interior é meio parecida. Minha família é de Além Paraíba, no interior de Minas perto do Rio. Um cara botou essa música lá no site da família Cortês, acho que ele achou que fiz a música para a cidade.

Aí chegamos em "Velho Parente" e ela é a que tem mais cara de Bossa Nova…
Ela é meio toada, não é Bossa Nova, aquela batida assim (começa a dedilhar a a canção). Bossa Nova é "O Mapa". Eu sou filho da Bossa.

Você já tinha pensado nas vozes que iam gravar "Velho Parente" ou você olhou ali no estúdio e colocou quem tava disponível?
Ali eu tive a sorte que tava o Toninho Horta cantando. Ele é musical pra caramba e me ajudou um pouquinho. Tava a irmã dele, Gilda Horta e o outro não sei se era o Toninho Café…

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Isso, era o Toninho Café.
Acho que era o Toninho mesmo.

Aí o disco acaba com uma das músicas mais intensa. Por que "Karina (Domingo no Grajaú)" ficou por último?
Porque era a música mais difícil de ser assimilada e era a música a maior expressão do músico. Ali é mais um recreio musical.

Tem uma guitarra do Hélio Delmiro que é impressionante.
Tem. E tem o Nivaldo (Ornellas) de sax e o Maciel Maluco (Edson Maciel) de trombone. O Maciel era um trombonista da Orquestra da TV Globo. Ele sempre foi um cara doido mesmo. Ele era muito considerado, mas não tinha oportunidade nenhuma de fazer nada em lugar nenhum. Aí eu marquei num sábado de manhã, 9 da manhã que a gente gravou isso. Aí quando ele chegou no estúdio (imitando um cara de ressaca). Eu virei pra ele e falei. "Maciel é o seguinte. Hoje você vai fazer um solo no meu disco, um solo pra trombone que eu fiz pra você". Ele acendeu. Aí bicho, demos uma passada e quando ele sentiu como era a música ele foi no barzinho que tinha embaixo do estúdio, tomou uns conhaques e voltou. Aí passamos mais uma vez, ele foi lá de novo. Ele fez isso umas três vezes tomando cachaça ou conhaque, não lembro. Aí quando chegou a hora dele foram dois minutos de solo de trombone e ele arrebentou.

Deram a grana que você queria e do jeito que você queria?
Cara, eu sou tão idiota que nem pensei em grana na época. Agora não, agora eu só penso em dinheiro, mas na época eu tava só com ideias musicais na cabeça e queria fazer alguma coisa que brotasse naturalmente, sem ter que ficar restrito a opiniões dos outros.

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E talvez seja isso que faça com que mais de 40 anos depois ainda tenha gente batendo na sua porta pra falar do disco.
Exatamente. Eu acho que a música quando é boa, quando ela tem consistência, tem elementos, ela responde. Pode passar uns anos que ela responde. Um dia ela volta.

Foto por Wilmore Oliveira

Qual foi a vendagem dele na época?
Vendagem? Ele não vendeu. Sei lá, minha tia comprou, meu vizinho comprou, foi só uma meia dúzia lá.

Você sofreu muito com isso?
Você faz uma coisa que acredita que seja boa e não dá resultado nenhum. Eu fiquei até achando que tava errado, E agora o que eu faço? Aí fui saindo. Peguei o disco, escondi e comecei a trabalhar com publicidade. Foram nascendo os meus filhos e eu fui fazer jingle, trilha sonora.

Foi o rap que trouxe a tona o disco de novo?
Foi.

E como redescobriram o disco?
Na década de 90 o pessoal começou a me dizer que todo mundo gostava do disco na Europa. O Kassin,que é amigo do meu filho, veio uma vez da Europa e também falou comigo a mesma coisa. Tá bom então, legal. Aí em 2003 eles me contactaram por e-mail para lançar nos Estados Unidos. Foi aí que começou, porque a Ubiquity tem muita penetração nesse papo da música black, da música negra, do rhythm and blues.

Algum desses caras te procurou?
Quem faz isso são as empresas, entendeu. O Ludacris, por exemplo, tem até a empresa dele, mas ela é distribuída pela Universal lá nos Estados Unidos.

E você recebe alguma coisa por esses samples?
Recebi. Eu virei parceiro da música ("Do The Right Thang"), fiquei com 40% e os outros caras (Ludacris, Common e Spike Lee) ficaram com 20. O cara vendeu um milhão de cópias.

E você sabe como esse pessoal encontrou o som? Eles encontraram a remasterização ou o interesse deles gerou a remasterização?
Quando relançou o disco lá em 2003 nos Estados Unidos, o pessoal começou a tomar conhecimento. Eles começaram a se amarrar no lance. Tem lá o 9th Wonder, que é um fazedor de base, de beat. Um DJ que prepara as bases pro pessoal falar. Esse cara fez um som pro Little Brother ("We Got Now"). Do "Caboclo" ele tirou aquele " Ah ah", aí aumentou a rotação. Ficou meio esquisito, mas se eles gostam tudo bem. Ele fez esse e depois essa do Ludacris.

Você entra no Who Sampled , que é um site que dá pra sacar de onde vem os originais, e escreve Arthur Verocai aparece um monte de gente. Tem o Ludacris, Little Brother, SchoolBoy Q e mais uma galera que sampleou. Você sabia?
Eu entrei outro dia. Eu já mandei a lista pra Paula Lavigne cobrar todo mundo.

Você tem noção da importância que esse disco ganhou pro rap?
Olha, a partir do momento que o Taylor McFerrin, filho do Bob McFerrin, falou no O Globo . Perguntaram pra ele o que ele conhecia de música brasileira. Ele falou assim. "Meu pai me dava sempre uns discos legais do soul como o Lemon Brothers e o incrível arranjador brasileiro Arthur Verocai. Quer dizer, o Bob McFerrin era meu fã, morô nessa?

Esse disco bateu legal em muita gente depois, né?
Bateu, bateu. Tanto é que fui eu fazer um show lá no teatro que eu nunca tinha estado em Los Angeles de 1200 lugares e lotou. E porque teve uma repercussão.

Foto por Wilmore Oliveira

E como você olha pra esse disco hoje?
Olha, eu fico feliz de ter feito. Acho que se eu não tivesse feito esse disco eu estaria hoje infeliz. Foi muito legal apesar de todas as tristezas que eu tive logo após.

E onde é essa foto da capa?
Essa foto é numa ruazinha que tinha aqui do lado. Ali antes de você chegar no Túnel Rebouças, quando você desce, tem uns edifícios ali. Acho que tem uma casa de macumba, sei lá. Acho que é do lado dessa casa de macumba. Tinha uma ruazinha de uns 20 metros, nem 20. Com um muro e um buraco debaixo no muro. Aí a gente entrou pelo buraco, foi o fotógrafo, o Nando (Fernando Bergamaschi ) que sacou essa casa. Quando entramos tava cheio de folhas pelo chão, tudo abandonado. Ele falou. "Porra, senta ali" e ficou a capa. Ficou até uma capa que representa mesmo, traz uma coisa fora do comum.

Recentemente você fez uns arranjos pro Elo da Corrente. Como é trabalhar com essa geração?
É ótimo. Eles são pessoas muito legais. No rap você tem mais liberdade pra fazer qualquer maluquice musical não precisa fazer um arranjinho careta que é sempre a mesma coisa.

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