O Ademar Luquinhas quer melhorar o mundo andando de skate
(Globo Filmes/Divulgação)

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O Ademar Luquinhas quer melhorar o mundo andando de skate

Trajetória de criador do canal e coletivo Ademafia vira filme.

Ademar Luquinhas, proeminente figura da cena urbana carioca, é, sem dúvidas, o maior agitador cultural da cidade no que diz respeito ao skate. Sua popularidade não tem muito segredo: a parada é câmera na mão, carisma, senso de humor e o pensamento a mil. Criador do canal e coletivo de skate, música e arte Ademafia, ele nasceu e cresceu na comunidade de Santo Amaro, Zona Sul do Rio de Janeiro. Correndo campeonatos, conheceu o mundo e quis trazer o que descobriu além do horizonte pra mais perto de sua comunidade.

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Foi por isso que o Ademar abandonou o circuito competitivo – influenciado, é claro, por uma lesão no joelho e um processo de reabilitação doloroso –, para se dedicar com mais afinco à ideia do skate como agente de transformação social. Assim como ele teve a própria vida transformada, acredita que o carrinho possa melhorar a vida de muito mais gente, a começar pela comunidade onde cresceu.

Depois de criar um canal de vídeos que se estabeleceu como referência entre a nova geração, além de uma festa itinerante altamente bem falada, o Baile do Ademar, agora ele quer construir, dentro da comunidade de Santo Amaro, um espaço que servirá de pista de skate e centro de cultura e lazer. Santo Amaro Era Skatista, estreia na direção e roteiro do também skatista Felipe Martins, é um filme, recém-lançado na programação da Globo News e já disponível no Globo Play, que conta esta história.

Em viagem de Uber na correria diária, Ademar trocou uma ideia por fone com a VICE.

VICE Sports: Como o skate, de fato, transformou a sua vida?
Ademar Luquinhas: Eu fui perceber isso depois de bastante tempo andando de skate. Comecei brincando, pra me divertir. Comecei aos 10 anos de idade. Segui andando de skate, viajando, conhecendo novos lugares, pessoas, uma parada muito natural. Depois é que fui crescendo e começando a perceber as coisas ao redor, a diferença de como funcionavam as coisas. Eu via que tinha muito privilégio naquilo que fazia. Viajava muito, conhecia vários lugares, passava por muitas experiências em pouco tempo. Com a idade, percebi isso cada vez mais. Como cresci em comunidade, o fato de eu ter conhecido a gringa, ter visto de perto como funcionam as coisas lá, e olhar de novo pra realidade daqui me fez dar conta que realmente o skate me abriu um monte de oportunidades.

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Essas oportunidades, que você diz, foi correndo campeonato?
A maioria das primeiras viagens foi pra competição, mas depois comecei a ir pra fazer vídeo, pra conhecer os picos. Eu não conheço nenhum skatista que não pensa em andar de skate em outros lugares. O skatista não pensa em jogar numa quadra melhor, ele pensa em ir andar no IAPI, no Anhamgabaú, inclusive os gringos. Essa coisa de querer fazer o corre pra estar nos lugares, fazer acontecer.

Você virou tipo a ponte da molecada de Santo Amaro com esse novo horizonte…
Voltava e os caras estavam sempre falando das mesmas paradas que rolavam no morro, nunca mudou, e os meus assuntos conseguiam ganhar mais ênfase, mais destaque lá. Com 16 anos eu fiz uma viagem com o D2, ele me convidou pro Aparelhagem MTV, e a gente foi do Rio até Floripa de carro com uma galera mó foda, tipo assim o Samelo como fotógrafo, Felipe Motta como grafiteiro, Fernandinho Beatbox, Marcelo como MC, eu como skatista e o Will, amigo nosso. Voltei pra escola participando de um programa da MTV numa trip louca, aí os moleques da escola queriam saber das histórias, como era ficar num hotel, colar num show. Naquela época eu já conseguia arrastar um monte de moleque comigo, apresentar pro skate. Teve gente que começou a andar de skate na escola por conta disso, estimulava maior galera. Infelizmente, ao meu redor, nem tudo evoluía na mesma velocidade.

A criação do canal Ademáfila foi justamente pra trazer o foco praquela realidade que estava mais próxima de você?
O canal foi bem depois de tudo, o mais recente, mas é o que me traz mais oportunidades.

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O que é o Ademafia hoje?
O Ademafia é um canal, mas também uma crew, um coletivo de skatistas, grafiteiros, DJs, videomakers, beatmakers, editores, todo mundo se ajudando, dando suporte um pro outro. Quase todo mundo do coletivo vem de uma realidade bem parecida com a minha, de comunidade ou de perrengue mesmo. Nós temos um baile também, uma festa que nasceu numa comemoração do meu aniversário, e nos possibilita estar em vários lugares, quando nos contratam em outras cidades. Aí já cola, filma, gera conteúdo, se comunica com mais gente. É muita gente que colabora em vários estados, praticamente do Brasil todo.

O que você procurou retratar no documentário?
O documentário mostra quem eu sou, o lugar onde vivo, as pessoas que estão ao meu redor, um pouco da minha trajetória e por que quero fazer essa pista. Aconteceu natural também. Falei pro meu amigo que queria fazer a parada e ele: “Mano, vou filmar aí.” O Felipe Martins. Ele é do skate, pô. Ele trabalhava na Globo, na parte de jornalismo, na área de edição na época. Esse é o primeiro filme dirigido e roteirizado por ele. O cara se aventurou, largou até o emprego pra fazer essa parada acontecer.

O filme estreou recentemente na programação da Globo News. Como tem sido a repercussão? A mensagem está sendo recebida como você imaginou?
Desde que saiu o filme estou viajando, só consegui ver as coisas pela internet. Mas, assim, acho importante esse filme porque eu tenho um propósito, que está ligado a todo esse negócio que faço hoje de gerar conteúdo pra internet. É comunicar minha forma de pensar, faço bem direcionado pro público jovem. Aquela coisa de “olha de onde eu vim, graças ao skate estou aqui.” Nem tudo está perdido, tá ligado? Vamos pensar positivo, agir em coletividade pras paradas acontecerem. Meio que mostro minha vida como um exemplo. Aí eu uso isso com humor, o skate atrai uma galera, sempre com um papo consciente, dando uma ideia por trás de tudo. O filme é um resumo disso tudo. Além da minha forma de pensar, mostra de onde vim, minhas influências, porque vim parar aqui, quem me ajudou… tá tudo ali, bem mastigado.

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O que falta pra se concretizar o projeto da pista de skate no Santo Amaro?
A gente tem o espaço, com certeza o que falta é grana. Começou a ser exibido agora o filme, vamos ver um pouco da repercussão. Em paralelo a isso, tenho minha correria, minha vida, porque também não tenho como ajudar ninguém se estiver precisando de ajuda. Mas o projeto, já tem, o desenho da pista. O projeto, na verdade, começa com a pista. Depois, a minha ideia é levar a arte, a cultura, pra dentro do morro. Quero começar umas escolinhas, ter uma programação não só com skate. A própria planta é um espaço adaptado que dá pra ter apresentação de teatro, banda, aula de graffiti, exposição, meio que uma área recreativa. Tem muito moleque lá e nunca fizeram uma área de lazer na minha comunidade. Lá rola um projeto muito legal, o Morro dos Campeões, a gente tem vários lutadores de carreira que nasceram e moram lá no Santo Amaro, e já está tendo um reflexo muito grande. Meu sobrinho, de 13 anos, por exemplo, não anda de skate, não fazia nada, e tá fazendo jiu jitsu lá com a galera, saca?

Mesmo fora das competições, você encontrou um jeito de viver suave do skate, né?
Hoje eu vivo do skate. Embora não participe de competição, estou relacionado a várias marcas não só de skate, devido ao trabalho que faço de mídia. Conseguir ir até um pouco além do que se fosse só andando de skate.

Como pintou a ideia de começar a investir em vídeos e comunicação?
Foi muito do nada que comecei a fazer esse trabalho de mídia, na verdade eu não tinha ideia do que estava fazendo. Só sabia que tinha a necessidade de movimentar. As mídias daqui não eram tão acessíveis por serem de outros estados, aí vi alguns amigos já metendo a mão na câmera, botando no tripé, resolvi não deixar de fazer as coisas porque os caras estavam longe. Fu lá, comprei minha câmera e computador, e meti a mão pra filmar. Chamei meu sobrinho pra me ajudar, um outro camarada já fazia uns trampos de faculdade e me filmava também. Eu já tinha uma visibilidade por conta da minha carreira, então achei que era muito importante ter mais gente do meu lado com força também, pra gente conseguir avançar. Aí comecei a mostrar as coisas que estavam ao meu redor, tudo que achava importante, as pessoas, que às vezes nem era o melhor skatista ou músico.

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Todo o resto da galera que começou no Ademafia já manjava de filmar, editar, produzir?
Muitas das pessoas que no começo fizeram coisa pro Ademafia começaram ali. O DJ não tocava, o editor não editava, o produtor não produzia, descobrimos as possibilidades juntos. Sempre escolhi mostrar as coisas próximas, porque sempre senti falta de algo que falasse do skate life. Não necessariamente o que rolava na pista, mas a zoeira do almoço, tá ligado? Aquela parte que é a mais foda do dia. Às vezes o rolê é indo e voltando, então eu pensava “Caraca, brother, isso é muito style pra galera.” Uma parada cultural mesmo, um estilo de vida. Conseguimos retratar a cena de uma forma bem genuína e espontânea, e compartilhar com a galera. Aí conseguimos atrair um público que nem é do skate, que curte o lifestyle. A parte mais rica do skate é justamente essa, é uma troca diária.

Santo Amaro Era Skatista poderá ser visto nos cinemas?
Por enquanto está disponível do Globo Play. Está rolando na programação da Globo News, no programa Globo News Documentários, e o Felipe, eu e outras pessoas estamos tentando organizar algumas exibições, mas mais direcionadas pra lugares onde a história é legal de ser contada: ONGs, pico onde tem molecada carente… E em breve estará na nossa plataforma, mas ainda não sabemos quando. Tem que ver quando teremos autorização pra botar isso na internet. É só o pessoal ficar ligado nas nossas redes sociais.

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Clique no link abaixo para assistir ao documentário.

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