reportagem

O pão, o circo e a carne dos católicos corrompidos no interior de SP

Sacerdotes do interior paulista acumulam acusações de acobertamento de pedofilia, extorsão, apropriação indébita e lavagem de dinheiro.
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Dom Vilson à esquerda e Padre Leandro à direita. Ilustração Cassio Tisseo

Matéria atualizada 21/05/19 `as 11:56h.

Denunciado numa matéria da VICE em março, Dom Vilson de Oliveira renunciou nesta sexta-feira dia 17, enquanto duas novas denúncias atingem a Igreja Católica do interior paulista. O Bispo era o responsável por 103 paróquias de 16 cidades da região, e é um dos sacerdotes processados por crimes de acobertamento de pedofilia, extorsão, apropriação indébita e lavagem de dinheiro. Ele sofria forte pressão dos fiéis, e o Papa já aprovou seu afastamento.

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Uma moradora de Americana (que prefere não ser identificada) próxima à igreja de Nossa Senhora do Carmo, o acusa de receber verba de uso pessoal para dar a benção aos cowboys da Festa do Peão de Americana na abertura do festejo. Este é o segundo rodeio mais importante do Brasil, realizado em junho (33 a edição, entre os dias 14 e 23), perdendo em importância apenas para o rodeio de Barretos.
A denúncia foi citada pelo jornalista e ativista Giulio Ferrari em 27/02, numa live do canal Chega de Abuso no YouTube. No dia seguinte, a moradora de Americana alega ter sido ameaçada por Rita Maglio, ministra paroquial e influente no meio eclesiástico: “Disse que minha família ia sofrer retaliações se eu continuasse falando”, descreve. A autora da denúncia também relata que vem recebendo várias ameaças anônimas via Facebook: “Está difícil até de ir à feira, parece que a comunidade está se fechando para mim”.

A segunda denúncia envolve acusações de pedofilia do padre Pedro Leandro Ricardo, no rodeio. O ex-reitor da Basílica de Americana, a mais rica paróquia da Diocese de Limeira, é investigado em nove casos de pedofilia. Ele foi fotografado no rodeio, no ano de 2014, ao lado de Yan Pelozo, ex-seminarista e hoje secretário da Basílica, quando o rapaz tinha 17 anos, o que gerou suspeita. O inquérito policial aponta que os dois têm um caso antigo, desde o ano de 2013. É uma estratégia do padre escolher candidatos a futuros amantes para coroinhas, acólitos, seminaristas, segundo o documento.

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Ainda segundo o inquérito, vários dos rapazes que se dizem suas vítimas sofrem de transtornos psiquiátricos e psicológicos até hoje, em decorrência do abuso sexual sofrido ainda quando eram menores de idade. Um teria tentado o suicídio. As investigações sobre crimes sexuais correm do Dinter9, em Piracicaba, em sigilo de justiça, com o delegado Kleber Altale.

Outro rapaz, Diego Rodrigo, hoje padre em Limeira, foi flagrado na companhia de Leandro em eventos festivos ou no dia-a-dia, desde quando o garoto tinha 13 anos de idade. “Esta acusação não procede, Padre Leandro nunca levou companhia para a festa, sempre foi sozinho ou acompanhando Bispo Vilson”, comenta José Luiz Meneghel , empresário e vice presidente do Clube dos Cavaleiros de Americana, instituição que organiza o rodeio.

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Gil Latarola, Padre Leandro, Dom Vilson e Yan Pelozo, após a abertura da Festa do Peão de Americana em 2014. Foto via Facebook da Festa do Peão de Americana.

José Luiz e sua esposa, Maria Fernanda Meneghel, são amigos próximos de Padre Leandro. Doaram uma estátua do Cristo Redentor para o jardim da Basílica de Americana. No dia da inauguração, esteve presente o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta, envolvido nos casos de corrupção da delação do ex-governador do RJ Sérgio Cabral. “Doei a estátua e doaria de novo”, completa.

Maria Cristina Lahr, ex-funcionária do CCA, e irmã de Beto Lahr, presidente do referido clube , confirma que camarotes com direito a bebida são cedidos gratuitamente a padres, após a benção da abertura. Este ano, o preço cobrado por pessoa, nos camarotes, é de R$ 390,00 ao dia (segundo lote). “Os padres nunca tiveram convites, sempre vêm dar a benção de abertura e vão embora”, diz Beto Lahr.

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Beto Lahr, com o chapéu na mão, Dom Vilson, Yan Pelozo e Padre Leandro, da esquerda para a direita, na abertura da Festa do Peão de Americana, em 2014. Foto via Facebook da Festa do Peão de Americana.

“Há 8 anos, o ex-prefeito que teve o mandato cassado, Diego de Nadai (PSDB), deu uma moto de presente ao Bispo Vilson, em troca do meu afastamento da Paroquia de Nossa Senhora de Aparecida, próxima ao local onde a festa acontece”, conta o vereador Padre Sérgio Fioravante (PT). No Detran/SP consta apenas um automóvel no nome do bispo. Padre Sérgio alega, por meio de documentação, que a festa não paga uma série de impostos à prefeitura de Americana, como ISSQN, IPTU, Água e Esgoto, desde 2010, e que em 2015 o lucro do CCA foi de R$ 7,1 milhões apenas com venda de ingressos e camarotes. “Certamente Vilson leva alguma coisa no rodeio, pois não faz nenhuma celebração se não levar, no mínimo, mil reais”, comenta. As isenções de impostos do CCA ultrapassam o valor de R$ 500 mil, mesma quantia que teria recebido Dom Vilson segundo relato da denunciante de Americana. José Luiz Meneghel rebate, argumentando que a documentação é falsa. Beto Lahr também nega as acusações: “Nós nunca tivemos nenhuma ligação com a igreja nem concessão de impostos da prefeitura. A festa, ano passado, deu prejuízo de R$ 1,2 milhão”.

“De fato, Padre Leandro tem acesso aos camarotes”, continua Padre Sérgio. Outra moradora ligada à paróquia Nossa Senhora do Carmo afirma ter visto Leandro nos camarotes no ano de 2016.
Lahr argumenta que os custos para a realização, como cachês para músicos nos sete dias da festa são muito altos. O prejuízo, segundo ele, é repassado ao patrocinador do evento, uma empresa do grupo Ambev. “Padre Leandro é um sujeito meio nariz empinado, já deu as bênçãos duas vezes na festa, costumava abençoar os desfiles de abertura, todos os anos, no centro de Americana, de cima de um viaduto”, descreve o presidente do CCA.

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A reportagem questionou o tesoureiro da festa, Arildo Santa Rosa, sobre os balancetes e as isenções. “Quem você pensa que é para pedir o balancete? E se tiver isenção de impostos, qual é o problema?”, responde, enfatizando que iria processar quem publicasse algo a respeito.

Festa de Santo Antônio

A Festa de Santo Antônio de Pádua, padroeiro da Basílica de Americana, é a segunda maior da cidade e acontece entre os meses de maio e junho. No Inquérito Policial constam três casos de corrupção relativos a essa festa. Em 2013, a arrecadação total, costumeiramente guardada na Casa Paroquial, em frente à igreja, foi de cerca de 300 mil reais. Membros da igreja se ofereceram para acompanhar Padre Leandro no percurso de dez metros até o local, apenas como garantia da segurança dele e do dinheiro. Ele rejeitou, insistiu que iria sozinho. Voltou dizendo que tinha sido assaltado e os ladrões teriam levado toda a quantia. Na parte de baixo da Basílica há uma delegacia de polícia. Além disso, a Guarda Civil faz a ronda da igreja e há um posto policial na praça, ao lado da Casa Paroquial.

Em 2014, o mesmo padre teria falsificado o balancete do evento. O lucro real foi de R$ 600 mil, segundo Roberto Rodrigues, contador do ano. Leandro publicou a quantia de R$ 300 mil. Não se sabe aonde foi a outra metade. O padre é indiciado por roubo nos dois casos.

No terceiro caso, em 2017, Leandro teria prometido doar ao Hospital Boldrini, em Campinas, instituição especializada no tratamento de câncer infantil, 2% da arrecadação da Festa de Santo Antônio. Uma voluntária do hospital e membra da igreja, Del Ferreira, disse que ficou indignada com o Padre, pois ele deu uma “esmola de R$ 1,4 mil”, cerca de 10 vezes menor do que o valor prometido. Leandro apareceu nas fotos ao lado das crianças em tratamento e da socialite Maria Fernanda Meneghel, esposa do vice presidente do CCA Pé Meneghel. Essa doação fez parte da campanha beneficente promovida por Maria Fernanda intitulada “Rosa do Bem”.

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Segundo dois ministros episcopais responsáveis pelo fechamento da festa [Santo Antônio], Elaine Pelozo, mãe de Yan e funcionária do financeiro, era encarregada de levar os malotes de dinheiro da festa para Padre Leandro, na casa paroquial. As investigações sobre crimes financeiros da igreja estão em Limeira, em segredo de justiça.

Farra com o dízimo

Segundo estimativa da Diocese de Limeira, atualmente a região é constituída por 500 mil católicos praticantes, dos quais cerca de 250 mil pagam dízimo. “Nossa igreja, de 12 anos para cá, foi saqueada por esse Bispo, que acoberta casos escandalosos de pedofilia e homossexualidade entre os padres”, explica Padre Sérgio, e diz que Vilson usa deste acobertamento para depois chantagear os padres e extorquir dinheiro. “O povo chama os novos padres de ‘5C’ (casa, conta bancária, computador, celular, carro)”.

De acordo com as investigações, no final do ano de 2012, Bispo Vilson tentou extorquir R$ 50 mil de Padre Ângelo Rossi. Após negar o pedido, Rossi foi afastado da reitoria da Basílica de Americana, e Padre Leandro assumiu o cargo, em 2013. No mesmo ano, outra tentativa de extorsão de R$ 15 mil foi feita a Padre Antonio Luis Fernandes. Após ter negado o pedido, Padre Antônio foi mandado para uma missão num povoado indígena no Amazonas. Em 2017, Padre Reynaldo Ferreira deu R$ 3,5 mil de sua paróquia a pedido do Bispo.

Vilson recebe um salário de R$ 12 mil e tem todas as despesas pagas pela igreja, além de 10 imóveis em seu nome: cinco em Guaíra, sua terra natal e cinco em Itanhaém, cujo valor total é incompatível com seus ganhos.

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Padre Leandro, afastado da reitoria da Basílica de Americana desde o final de janeiro, tem cinco imóveis em Americana e continua recebendo um ‘auxílio despesa’ mensal no valor de R$ 9 mil pago pela Igreja. A Diocese não quis informar se o recebimento de tal quantia é legal, dizendo que o regulamento para tais assuntos é interno. Quem cuida do financeiro da Basílica é Elaine Pelozo, mãe de Yan Pelozo, fotografado no rodeio com o padre. Os dois moram num imóvel de Leandro.

Libertinagem no Seminário

O seminário da Diocese de Limeira fica em Campinas, nas proximidades da PUC, e alimenta o bispado de Vilson com novos padres. Consta no inquérito que o Padre Diego Rodrigo, namorado antigo de Leandro, foi pego em seu quarto numa noite de orgias com outros seminaristas, no ano de 2017. Era de costume receber roupas caras, relógios, presentes caros de Leandro. Membros da igreja da região dizem que os novos padres são, em sua maioria, homossexuais, e ‘se vestem como príncipes’.

De acordo com um grupo de cinco ex-seminaristas que estiveram na instituição de Campinas entre os anos de 2003 e 2005, alguns hoje padres, outros em outras carreiras, a prática da libertinagem sexual ocorre em tempo integral dentro do seminário. Músicas de cunho pornográfico, parodiando cantos sagrados, são entoadas no dia-a-dia, geralmente depois do almoço, no tempo livre.

Eles afirmam que casos entre seminaristas ou seminaristas com padres são a regra, não a exceção. Os poucos que queriam desempenhar seriamente seu sacerdócio são motivo de chacota para a maioria. “Fica claro um teor de prostituição dos seminaristas, pois não tinham condições para bancarem suas roupas novas, notebooks, celulares, dados de presente pelos padres que eram seus amantes”, explica um deles, hoje professor, enfatizando que a situação de ‘heresia’ do seminário é anterior à assunção de Vilson, datando de meados dos anos de 1990. “A Diocese não se preocupa com a vida pessoal dos seminaristas e padres, nem com a análise da vocação deles para o sacerdócio. Vários padres têm problemas com alcoolismo ou uso abusivo de medicamentos psiquiátricos, também em função da falta de vocação”, conclui.

Bispo Vilson e Padre Leandro não atenderam à reportagem , justificando-se pelo termo ‘sigilo canônico’.

ATUALIZAÇÃO: Após a publicação dessa reportagem, Yan Pelozo e Elaine Pelozo foram demitidos de suas respectivas funções na Basílica de Americana.