Wu-Tang Clan
Foto por Kyle Christy/Showtime.
Entretenimento

A história real dos 25 anos de carreira do Wu-Tang Clan finalmente está sendo contada

Na série documental do Showtime 'Wu-Tang Clan: Of Mics and Men' descobrimos como um dos grupos mais importantes do rap se formou.
Alex Zaragoza
Brooklyn, US
MS
Traduzido por Marina Schnoor

O Wu-Tang Clan estava lá na infância do hip hop.

Quando o rap estava surgindo no mundo, crianças colocavam a cabeça pra fora das janelas de seus quartos e corriam pelos conjuntos habitacionais do Brooklyn e Staten Island para ouvir os primeiros beatbox e freestyles bem ali nas ruas. O asfalto era o palco, a multidão ao redor ficava embasbacada – incluindo nove garotos que eventualmente formariam um dos maiores grupos de rap da história.

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A ascensão do Wu para o status de ícone é documentada pela série de quatro partes do Showtime Wu-Tang Clan: Of Mics and Men. A série, que estreou nos EUA em 10 de maio, explora os 25 anos de carreira do grupo, a marca indelével que eles deixaram na paisagem cultural global, e a trajetória individual de cada membro. Através de seu imenso talento, a visão de RZA e seu corre coletivo, o Wu superou a epidemia de crack, pobreza, violência sem fim, racismo extremo e um sistema opressivo e segregado que tripudiava sobre homens negros, e saíram do outro lado para ver milhões de pessoas do mundo todo gritando “Wu-Tang Clan ain't nuthing ta fuck wit”.

Depois de sucessos recentes de filmes de músicos como Straight Outta Compton e Bohemian Rhapsody (e voltando um pouco mais, Notorious, 8 Miles and Get Rich or Die Trying), parece que esta é mesmo a hora certa de contar a história do Wu-Tang Clan. Uma série roteirizada sobre o grupo também está em produção para o Hulu.

“Estávamos esperando por isso. Era hora”, Cappadonna me disse enquanto comia um café da manhã de ovos, waffle e linguiça; “Foi o timing perfeito, contar nossa história depois de 25 anos. Isso nos deu material suficiente. Energia motivacional suficiente”.

Juntos numa suíte de hotel acima dos turistas caminhando por Central Park South – a uma pequena distância mas em outro mundo do bairro de onde eles vieram – RZA, GZA, Cappadonna, U-God, Ghostface Killah, Raekwon, Inspectah Deck e Masta Killa falaram com a VICE sobre o documentário e a ascensão aparentemente impossível deles ao sucesso. Com eles estavam Young Dirty Bastard (filho do falecido Ol'Dirty Bastard, que se apresenta com o grupo no lugar do pai) e o diretor Sacha Jenkins, a quem Cappadonna dá o crédito por “celebrar nosso legado sendo transmitido para todo o mundo”.

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“Muita gente sabe muito sobre o Wu-Tang através da música, mas esse é outro nível de educação”, disse Masta Killa. “Mesmo pra gente, sabe? Porque através do filme, estou descobrindo coisas sobre meus irmãos que eu nunca soube.”

“O Wu-Tang era muito reservado sobre parte de suas vidas. Acho que nos sentimos evoluídos e maduros o suficiente nesta idade para deixar nossa história ser conhecida. Ela não pode ser segredo”, disse RZA. “Vai ser tipo: 'Olha, gente, se você nos admira e admira nossa música, e acha que fizemos algo para mudar o mundo criativamente, bom, veja nossa trajetória. Veja a coisa real'. E estamos fazendo isso. Of Mics and Men faz isso.”

No primeiro episódio, os membros vivos do Wu-Tang estão nos assentos de veludo vermelho do belíssimo St. George Theather em Staten Island, onde Raekwon lembra de ter assistido O Mágico de Oz quando criança. Eles olham para a tela onde imagens granuladas de vídeos caseiros de seus primeiros dias passam, os levando de volta para quartos bagunçados e salas onde eles fumavam maconha e ensaiavam as rimas que desde então se tornaram canônicas. Como irmãos, eles riem e tentam lembrar quem apresentou todo mundo aos filmes de kung fu antigos que inspiraram a identidade do grupo.

“É muito louco ver esses filmes caseiros na tela do cinema. Aquela foto ali” – diz U-God, apontando para uma foto na colagem do cartaz da série – “eu estava procurando aquela imagem. É o prédio Oooh [se referindo ao conjunto habitacional Park Hill onde ele morava]. Provavelmente sangrei e ralei os joelhos no pátio daquele maldito prédio. [A série] definitivamente vai contar a história real por trás de nós. Viemos das ruas de verdade, cara. Viemos do gueto. Representamos os homens negros dos guetos de toda a América, e fizemos eles saberem que você podia sair. Vivemos a mesma vida que vocês e você ainda pode ter sucesso… Nossa história é a história de todo mundo. Espero que eles a abracem, porque é uma história real muito louca. Ela tinha que ser contada depois de todos esses anos”.

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Como nove homens negros que cresceram em ruas barra pesada de Nova York, a história deles é improvável logo do começo. A série conta anedotas sobre o lago atrás dos prédios onde eles brincavam, nunca cruzar para o “lado dos garotos brancos”, e como eles foram de vender jornais numa ponte para vender drogas numa esquina, até trabalhar em empregos estranhos (incluindo faxineiro da Estátua da Liberdade, o que Method Man chama de “o melhor trampo que já tive”) – tudo isso enquanto escreviam rimas, se apresentavam à noite e faziam tudo que fosse preciso para trazer o Shaolin para as massas.

“Crescendo em Nova York, tivemos babás [em vez de professores]”, disse Jenkins, que frequentou a mesma escola fundamental no Queens que Nas. Disseram aos dois que eles deveriam procurar uma escola técnica.

“Não tem nada de errado com escolas técnicas”, continuou Jenkins. “A gente precisava de emprego. Mas o jeito como o sistema escolar de Nova York era, como jovem negro, aquele era o único jeito possível de consertar as coisas… Nas é um dos poetas mais prolíficos da nossa geração. E se ele tivesse ido trabalhar consertando geladeiras?”

Mas assistir memórias de seus primórdios na telona também trouxe nostalgia aos membros do Wu. “Quando eu e Dirty tínhamos… não sei, 18 anos, participamos de um concurso de rap”, lembra RZA. “E eles disseram 'OK, não pode falar palavrão…' E a gente xingava toda hora! Assistindo [na tela do cinema] e lembrando disso… esse tipo de memória, é emocionante, inspirador, reflexivo, mas muito saudável.”

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A conclusão esmagadora para a maioria dos membros, relembrando sua complicada história, é gratidão. Num lugar onde, como diz RZA, você tinha que defender um tênis novo ou uma corrente de ouro geralmente por meios violentos, sobrevivência era uma luta diária. Essa realidade tem sido uma parte intrínseca da narrativa em sua música, e um lembrete para eles que agora estão sentados numa suíte de hotel contando a história de suas vidas.

“Sou grato a Deus por ter me dado algo mais, e descobrir algo em mim que pude utilizar para ter sucesso num ambiente que era totalmente contra nós e tudo que fazíamos”, disse Cappadonna. “Venci o sistema, entende o que eu digo? Não me formei no colegial, mas hoje vendo palavras como meio de vida.”

Através do Wu-Tang Clan, esses homens encontraram um veículo para espalhar sua verdade, iluminação e discutir sua filosofia de vida e propósito. RZA, basicamente o arquiteto, tinha um plano para cada membro, para si mesmo, e para o grupo como um todo. E eles seguiram com esse plano, quase sem rede de proteção, porque o Wu deu esperança a eles. Essa jogada de dados mudou o jogo. É isso torna o Wu-Tang Clan digno de estudo, diz RZA. “Você precisa estudar os grandes guerreiros para ser um grande guerreiro. Nossas palavras são como as de um grande guerreiro”, ele diz. “Provavelmente você pode pegar todas as letras da dinastia Wu-Tang e vai acabar com um volume tão grosso quanto a Bíblia.”

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Ajudando a moldar na cultura hip hop como ela é, o que, por sua vez, ajudou a moldar a América, a influência do Wu-Tang Clan pode ser atordoante de se processar. Na Coreia do Sul, México, Itália, em qualquer lugar você encontra o impacto da influência do Wu-Tang Clan na moda, música e linguagem.

A distinção cada vez mas tênue entre “cultura negra” e “cultura norte-americana” – e o que constitui apropriação cultural ou mesmo roubo de ideias – é um tema discutido acaloradamente com cada look de trança corrida da Kylie Jenner no Instagram. E há limites que não podem ser cruzados; Jenkins fala com fervor contra o uso do termo “N****” por pessoas não-negras, mesmo se elas sentem uma conexão com a cultura hip hop.

“Somos chamados de 'niggers' todo dia. Ainda é uma palavra que vai te polarizar, que vai te impedir de conseguir um emprego”, ele disse. “E no final, voltando ao que eu disse no filme, quando esse cara conta sobre ver 'KKK vai matar todos os niggers' [pichado nos muros do bairro] quando jovem… Quando ele diz isso, ele diz rindo… Tudo de traumático com que nós como pessoas negras lidamos sempre vai ser mencionado com uma risada, e portanto 'nigger' deveria ser irônico. Mas não é irônico porra nenhuma, certo? E o Wu-Tang faz música que não é irônica. É assim que falamos entre nós. Essa música inicialmente era para nós. E aconteceu de muitas pessoas se identificarem com essa música. Mas no final das contas, na minha opinião: Foda-se essa merda.”

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Enquanto a política racial do hip hop pode ser debatida incansavelmente por dias, para os membros desse grupo, o que importa no final é o amor e apreciação pelo trabalho que eles criaram.

“Em certo ponto eu sentia, tipo, 'Sou dono do hip hop. Ele é meu'”, disse RZA. “Mas quando o Wu-Tang começou a fazer turnês e vimos como inspiramos pessoas do mundo todo, percebemos tipo 'Yo, isso é algo mundial'. Porque esse é o som e o espírito da juventude, e eles cresceram para se tornar homens.”

Contar a história do Wu-Tang Clan é contar a história do hip hop – dos homens e mulheres que tiraram o gênero das ruas e levaram para os maiores palcos do mundo. Jenkins chama o hip hop de “a forma mais pura de comunicação”, e Wu-Tang Clan: Os Mics and Men é uma artéria para as lutas e realidades dos negros nos EUA como contadas por nove de suas mentes mais brilhantes e enigmáticas.

“Algo que sei com certeza é que alguém no mundo, em algum lugar, se identifica com um de nós”, disse Masta Killa.

“Nas lutas que esses caras documentaram em sua música há temas universais”, disse Jenkins. “O fato deles se chamarem de clã… no final das contas, a série é um filme sobre família, e às vezes essa família é disfuncional. Mas que família você conhece que não é?”

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