VICE entrevista: Cleo
Todas as polaroids feitas por Felipe Larozza/VICE.

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VICE entrevista: Cleo

Com 23 anos de carreira, a atriz vai se lançar como cantora e falou sobre medos, signo, nudes e liberdade.

Num café caro na Oscar Freire, em São Paulo, eu e o fotógrafo Felipe Larozza esperávamos Cleo Pires, que agora é só Cleo. Ela surge, como você pode imaginar, atraindo todos os olhares.

A diva — que alguns fãs dizem ser acessível — falou à VICE que não quer ser exemplo pra ninguém. Ela parece mais interessada em viver a vida nos seus próprios termos. Tanto que na conversa que tivemos, ela lembrou da fala de Anitta ao receber o Prêmio de Mulher do Ano pela Revista GQ, em que a cantora contou como ser mulher, gostar de rebolar, usar roupa curta e curtir nudez ainda parece ser um problemão pra muita gente em 2017. Cleo se pergunta: “Por que que isso é digno de preconceito?”.

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Em cerca de duas horas de conversa, a atriz e cantora — que está em estúdio sem dar pistas do que vem por aí — falou não só sobre sexo, boys e drogas, mas também sobre medos, signos e ser uma rockstar. Saque mais do papo abaixo:

*A entrevista foi editada para melhor compreensão.

Foto: Felipe Larozza/VICE.

VICE: Na redação rolou o questionamento: prefere ir pro espaço ou para o submarino?
Cleo: Acho que o espaço.

Teria menos medo?
Tenho tanto medo quanto.

Você tem medo de altura, né?
Tenho. E engraçado porque eu não tenho medo de voar, não tenho medo de helicóptero, nada disso. Mas tenho medo de estar num lugar muito alto. É estranha a sensação. É agoniante. Eu descobri isso porque eu não tinha [medo de altura], porque eu saltava de bungee jump, fazia tudo, de repente, depois de velha, fiquei com medo. Descobri isso escalando com treinador, fomos escalar uma parede ridícula, uma “paredíca” de três metros, mano… Eu chorava igual uma criança desesperada, foi ridículo.

Qual é o seu lado libriana?
Sou um pouco obcecada por justiça. E é foda porque a vida não é justa, né. Mas eu acho que as pessoas tinham que ser [justas], porque a vida já não é e isso me irrita muito. Tenho pavor de injustiça, tenho vontade de bater nas pessoas. Acho que uma busca por equilíbrio, que é só uma busca mesmo, que eu vou para todos os extremos, menos por equilíbrio.

“Acho muito legal ter voz para falar sobre ser mulher, gostar de rebolar, usar roupa curta, gostar de nudez.”

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Qual o pior lado de um libriano?
Indecisão. Com certeza. É o que mais me frustra, porque é mais forte do que eu. Eu mesmo proativamente tomo qualquer decisão, só pra tomar, só pra falar 'tomei uma decisão, meu signo não manda em mim'. Mas na maioria das vezes estou em cima do muro e nada acontece, sabe. Foi um pouco do que aconteceu durante muito tempo da minha vida, tipo, não tomar decisão. Que é legal também, é um outro tipo de aventura, mas eu acho que estou numa fase em que tomar decisões, fazer escolhas, é o que te define na vida, mais do que você sente ou pensa. E se você não faz escolhas, se você simplesmente é escolhida, vai com o fluxo das coisas, qual o mérito que você tem?

Foi numa dessas que você trocou o Rio por São Paulo?
São paulo é muito melhor. Eu acho o Rio uma cidade linda geograficamente. Mas, sei lá, achava chata. Como cidade, achava que não funcionava. Não me identificava com a cidade. Essa coisa de praia, sol… Eu já queria há um tempo [mudar para São Paulo], mas estava meio acomodada.

“Eu sou uma mulher experiente. Que incrível.”

Rolou isso com seus projetos também?
Com certeza. Chegou uma hora que falei: 'cara, tenho um monte de coisa que quero fazer, por que eu não fiz mesmo?'. Logo eu, que acha que você tem que ser o dono da sua vida, e fazer as coisas que você acredita e ir atrás do que você quer.

Você cantou com seu pai.
Cantei. Mas era diferente. Era o meu pai. Eu e o meu pai.

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Você queria ser rockstar…
Eu acho que sou meio rockstar. Mas ser rockstar não tem a ver com gênero [musical], tem a ver com a atitude. O funk é muito rock 'n' roll. Muito. Talvez a forma de expressão artística musical mais rock 'n' roll do Brasil. Porque vem do gueto mesmo, é uma batida própria, é um jeito de fazer melodia com umas palavras muito estranhas, muito próprias, muito foda, que soa muito bem. Uma batida que você não consegue ficar parado. É totalmente genuíno, é foda.

Além do eixo Rio-SP, você tem outras referências de som?
De som, sim. Mas de funk, conheço mais funk Rio-São Paulo.

Você escuta o Tribo da Periferia, de Brasília.
Eu adoro. É Brasília? Hungria é Brasília também.

Quem do funk você está ouvindo muito?
Eu gosto muito dos produtores. Gosto de muitos cantores. Acho o Livinho foda, ele canta para caramba, tem uma puta noção musical e a voz dele é foda. Mas, eu gosto muito dos produtores, do R7, do Yuri Martins, DJ Pereira, gosto muito. Acho foda.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Você estava comentando do medo de matarem o seu espírito artístico, até por ser filha de pais famosos. Com 23 anos de carreira…
Caralho, 23.

Desculpa, rs.
Não, foda. Do tipo, eu sou uma mulher experiente. Que incrível.

“Ser rockstar não tem a ver com gênero [musical], tem a ver com a atitude. O funk é muito rock 'n' roll.”

Foi fácil pra você?
Acho que nunca é fácil para ninguém, todo mundo tem suas pedras no meio do caminho. Eu tenho muitas contradições em mim, muitos paradoxos. Então, isso já é muito difícil, existir é bem complicado. E quando junta com essa coisa de você ser uma figura pública, sempre existe uma opinião sobre você, gente julgando, achando que sabe por que você fez tal coisa, ou [por que] você falou tal coisa, ou você não fez, fica muito confuso. É um pouco sufocante — aquilo me deixava tão mexida, que mexia muito com o meu lugar de criatividade. De paz de espírito, de autoconfiança. Acho que isso foi o mais difícil para mim, na verdade.

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Aos 21, você fez sua primeira ninfeta, a Lurdinha na novela América. Hoje a personagem seria um problema?
Na era digital, da internet, está tudo muito em aberto. Acho que as pessoas perdem um pouco a mão, no desejo de ter poder sobre algum assunto e fica um pouco chato. A arte já não é mais arte, é uma afronta. Você começa a entrar em limites entre as coisas que são muito blur. Então, são muitos limites que as pessoas se sentem no poder de dizer o que é certo ou errado. Isso eu acho muito vacilo, mas é muito legal também levantar discussões mais a fundo, [como as] que têm sido levantadas e que são esclarecedoras como o racismo, como o feminismo ou o preconceito em todas as áreas, o empoderamento feminino.

E o que você nos diz sobre feminismo?
Achei muito legal o que a Anitta falou no Prêmio GQ — que a gente sofre preconceito por ser mulher, por gostar de rebolar, por usar roupa curta, por gostar de nudez. Por que isso é digno de preconceito, sabe? Tudo isso está em voga de uma forma que nunca esteve antes, pelo menos não que me lembre. Na minha era não teve e acho isso muito saudável. Acho muito legal ter voz para falar sobre isso, ter gente para escutar isso, ter gente para gerar uma discussão sobre isso.

“A arte já não é mais arte, é uma afronta.”

Mas sua personagem ninfeta hoje seria um problema?
Voltando à sua pergunta, não tenho como prever, mas acho que seria mais difícil, as pessoas teriam muito, muito preconceito. Porque querendo ou não existe o fetiche. Os fetiches existem, graças a Deus. O que não pode acontecer é a falta de consentimento. Eu acho que as pessoas confundem um pouco. Se sou fetichista e gosto de ser sub, e gosto de apanhar, como mulher ou homem, isso é um problema meu — eu estou dando o consentimento. Se são problemas psicológicos ou não, ou é uma coisa estética, é um problema meu. Se eu sou mulher e gosto de ser domme, é um problema meu. Não cabe a ninguém fazer disso uma questão para ser julgada e analisada a fundo.

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Você quer ser um exemplo?
Cara, não. Perco grande parte do caminho do processo do aprendizado da verdade que eu vou construir aqui, o meu desejo mais genuíno é só trocar mais com meu entorno, de todas as formas, não só com as pessoas de forma verdadeira, mas com as coisas que me absorvem, que me tocam, e como eu ponho elas pra fora e o que eu faço com elas.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Você já passou por algum relacionamento abusivo? Como encarou?
Já. Sem saber. Hoje em dia entendo um monte de coisas, até por causa dessas discussões — tenho um grupo feminista no WhatsApp. A partir de todas as coisas que tenho aprendido, vejo que, sim, eu tive alguns relacionamentos abusivos, onde eu também abusei. Não abuso sexual, nada disso, mas um abuso psicológico, abuso emocional. É difícil a gente ver quando está entrando nesse lugar, quando a gente está nesse lugar, eu estou vendo isso anos depois.

Já rolou um date ruim? Como foi?
Claro, quem nunca? Perae, deixa eu pensar. Teve um que pensei que, na verdade, teve tudo para ser ruim mas foi incrível — sabe quando dá tudo errado? Mas foi incrível porque houve química com uma pessoa incrível?

Mas aí é o inverso do date ruim.
Foi, exato. Estou querendo lembrar…

“Não saio mandando um full nude, sacou. Primeiro um half nudes, depois um full nudes. Tem um passo a passo.”

Pra alguém famosa como você, é muito mais complicado arrumar uma transa casual?
É um pouco, eu acho. Fico um pouco ressabiada. Não posso mentir, fico.

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Você curte mandar nudes?
Alguém não curte? Eu tenho uma parada assim, não saio mandando um full nude, sacou. Calma aí, vamos sentir a situação, claro. Primeiro um half nudes, depois um full nudes, pode ser. Tem um passo a passo, eu acho.

E os caras que já mandam sem você pedir?
Eu faço a louca, nem respondo. A não ser que eu esteja muito a fim do cara, mas eu falo um: “oi, calma querido, respira”.

Como superou o vício em vídeos pornô?
Sei lá, começou a ficar chato na época. Tive fases que eu era bem viciada e fases que aquilo, sei lá, me dava um vazio, sabe? Quando começava a chegar nesse lugar, parava de ter vontade, não brincava mais.

Foto: Felipe Larozza/VICE

A imagem que a mídia constrói de você te incomoda?
Eu não sei. São tantos os papéis que fazem de mim, que eu não sei. Tem ótimos papéis. Tem papéis mais pobres [também]. O que me incomoda mais é um “estou te aplaudindo, mas torcendo para você cair porque na hora que você cair, amor, vou te odiar com tanta força”. Uma inveja da pessoa dar certo, e a qualquer custo tentar derrubar por qualquer coisa. O tempo inteiro é uma guerra. Vcê tem que criar um couro — não é nem pele — para sobreviver como uma artista que tenha voz própria, tenha seus desejos, sempre coragem. Pra você inovar e para aprender realmente com a vida, e com a arte, você tem que arriscar, você vai errar, vai cair, vai acertar. Não tenho vontade de ficar numa fórmula perfeita. Eu acho isso um cu. Eu não tenho o menor desejo de ser essa pessoa, sacou.

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O que você acha de usar drogas recreativamente?
Ah, lá vamos nós…

Acho que a droga está aí, desde que o mundo é mundo. O sexo está aí desde que o mundo é mundo. Ninguém está levantando uma bandeira. Ficar proibindo um monte de coisas só piora, vamos pensar numa forma inteligente de deixar as pessoas fazerem o que elas querem fazer — e ao mesmo tempo dar orientação, apoio, recurso, ferramentas, não reprimir ou fingir que não está acontecendo, ou não falar sobre o assunto.

Espera que liberem o consumo da maconha no Brasil, por exemplo?
Eu acho que seria muito melhor. Tem um puta poder paralelo a isso que é alimentado por esse tipo de repressão, de moralismo. Não é bom para ninguém. Quer dizer, é bom para meia dúzia de pessoas que ganha rios de dinheiro com isso e fica controlando a gente. Fora isso, a maconha e várias outras drogas são usadas em doses medicinais que tratam depressão, dores crônicas e uma caralhada de coisas. Não dá para entender certas decisões políticas, eu diria. Eu acho que seria melhor para todo mundo — economicamente seria melhor, democraticamente seria melhor.

Qual foi a sua reação depois do vídeo vazado em que você aparece na balada segurando um vidrinho.
O meu whisky.

Era whisky mesmo?
Era whisky, era o meu whiskynho. Agora eu parei de beber, estou numa fase on. Eu tenho essas fases, elas são bem boas. Mas quando curto, eu curto também. Todo mundo é assim. E eu tampei [a garrafa] na verdade, porque não lembro quem me falou que se você deixa a garrafa de whisky aberta, ele evapora. Nem sei se isso é verdade, sacou. E eu tampei, foi isso.

Entendi.
Mas é isso que eu falo, é uma pré-disposição a fazer um alarde das coisas, só porque eu estava na balada, dançando com cara de safada. Se eu estivesse em casa, jogando Imagem & Ação, tomando a minha garrafinha, ninguém ia falar nada disso. Tem esse preconceito assim, que é muito chato, porque você é mulher, você está sexy, porque você gosta de dançar, está saindo e curtindo mesmo.

Mas você ficou puta?
Primeiro, eu achei muito engraçado, eu falei: “gente, lança?” Eu nem sabia que se cheirava lança assim, eu achava que se cheirava lança no pano. Você cheira num negócio assim?

Pois é. Mas e aí, a repercussão nas redes extrapolou?
Eu comecei a ficar um pouco puta porque algumas contas de Twitter com muito seguidores começaram a usar isso para se fazer em cima. E não era uma brincadeirinha, era uma calúnia, com o meu nome, me acusando de uma coisa séria. De estar usando uma droga ilegal no Brasil, no meio de uma balada. Fiquei um pouco chateada com a falta de humanidade das pessoas, com a vontade de te sacanear sem você ter feito nada. Falei: 'nossa, como as pessoas são infelizes'. Fiquei triste mais do que puta. Bem triste, com o nível de infelicidade e pobreza espiritual das pessoas.

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