Saúde mental no Brasil
Ilustração por Flora Próspero / VICE Brasil

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Semana da Saúde Mental

O SUS ficou pra trás quando o assunto é saúde mental

Por que o modelo psiquiátrico instalado no Brasil tem dificuldade em diagnosticar transtornos mentais e ainda remete aos manicômios?
Flora Próspero
ilustração por Flora Próspero

Algumas situações da vida te colocam à beira de um colapso e, talvez, é chegada a hora de pensar em consultar um especialista em saúde mental. Você tenta sacar as indicações de amigos, calcula o quanto vai gastar e já vai se preparando para encontrar um profissional que melhor se adeque a você. Num país onde 70% da população não tem nenhum convênio de saúde, a saída é procurar atendimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde, o SUS. Acontece que o SUS atende através do Centro de Atenção Psicossocial, o CAPS, que trata os casos mais graves de transtornos mentais.

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É fácil encontrar pessoas que foram atendidas pelo SUS, mas trocaram pelo atendimento particular. É o caso da redatora Angélia Yassue, de 28 anos. Em 2013, Angélica passou em consultas no posto de saúde na Vila Romana, em São Paulo. Ela conta que o atendimento foi feito por uma enfermeira, durante 15 minutos, depois de esperar mais de uma hora na fila. Lá, ela identificou que o sistema parecia estar abandonado e quando pode, partiu para um psicólogo pago.

Luiza Soares, 26, chegou no SUS em 2013 também, após fazer terapia via Skype. Sua psicóloga na época indicou um psiquiatra e como ela não tinha grana, procurou pelo CAPS. Por lá, passou por um grupo de acolhimento, antes de ser atendida por um psiquiatra. Luiza aponta que não houve triagem, e percebeu que o grupo de acolhimento a prejudicaria – visto que assumiu usar drogas – e que isso iria acabar mais com a sua cabeça. Ela encontrou um psiquiatra num plano privado e hoje retira a medicação nos postos de saúde.

E surge a questão, por que a principal rede de saúde (e gratuita) do país não é referência quando o assunto é saúde mental?

Para falar sobre o SUS, acionei a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), órgão federal que regulamenta a administração do sistema de saúde pública no Brasil. O professor do laboratório de Saúde Mental da FIOCRUZ, Paulo Amarante, também é autor de mais de 40 livros e pesquisador na área de saúde mental.

Ele explica que, no Brasil, a saúde mental vem sofrendo uma inversão muito grande. Nos anos 1970 e início dos anos 1980, 97% de tudo o que existia na área experimental era hospício, internação e não existia nenhuma outra opção de tratamento a não ser os hospitais. "[Sendo assim] o modelo se mostrou ineficaz, improdutivo. As pessoas ficavam anos nessas internações e instituições, sem melhoria, fora de tratamento e muitas vezes vítima de muita violência", conta o professor.

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"Não houve investimento efetivo no SUS"

A decorrência desse modelo voltado ao manicômio manteve o sistema público com poucos ambulatórios, que não trabalham a ideia de diagnóstico de transtorno mental. "Esses conceitos, apesar da psiquiatria oficial, são ligados ao mercado, ao modelo norte-americano de psiquiatria e não são eficientes no sentido terapêutico", explica Paulo, que ressalta que as consequências dessa concepção, por exemplo, é tratar pessoas com depressão com antidepressivos e antipsicóticos a vida inteira e que só isso não é tratamento.

Ele frisa também que, no atendimento para saúde mental, o SUS estacionou no CAPS e em atendimentos nos Hospitais Gerais para casos mais graves – e nenhuma outra política se tornou efetiva. "Não houve investimento efetivo no SUS, seja por causa da corrupção, do descaso do interesse de muitos gestores, sejam federais, estaduais, municipais. Não houve um investimento em modelo de CAPS que trataria as pessoas de situações mais graves", relata Paulo, que considera que a rede de atendimento psicossocial deveria ser muito mais forte e eficaz.

"Não é [só] para tratar o transtorno. É cuidar da pessoa, acolher no sofrimento, elaborar com ela um projeto de vida, de reorganização de um horizonte, não um tratamento só psiquiátrico"

"Não é [só] para tratar o transtorno. É cuidar da pessoa, acolher no sofrimento, elaborar com ela um projeto de vida, de reorganização de um horizonte, não um tratamento só psiquiátrico", explica o pesquisador. Para Paulo, "as pessoas acabam indo para o setor privado porque o plano vem de algo que ele não pode dar", ou seja, os planos de saúde oferecem atendimento, mas atendem mais os interesses da indústria farmacêutica (pois aumentam a prescrição de medicamentos), aos donos das clinicas e aos médicos subempregados desses planos.

Paulo enfatiza que o SUS é admirado e citado, e, apesar de ter sido referência para muitos países – não só da América Latina, mas do mundo –, infelizmente, não foi implantado com dedicação. Para isso, é necessário uma política universal e democrática, gratuita, administrada pela cidadania, pelos gestores municipais e pela sociedade civil.

Sobre a perspectiva de como será a manutenção da saúde pública em relação a saúde mental no governo sob o comando de Jair Bolsonaro (PSL), o mestre em Medicina Social conclui que o Brasil está "perdendo o espírito de solidariedade, de diversidade cultural, de tolerância, por um país que cada vez mais cultiva o ódio, a intolerância, o individualismo e a ganância" e enxerga um sinal de agravamento nos anos que virão, inclusive na psiquiatria.

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