Como o Estado Islâmico dribla os censores do YouTube
Image: blackboard1965/Shutterstock

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Tecnologia

Como o Estado Islâmico dribla os censores do YouTube

Propagandas jihadistas na plataforma de compartilhamento de vídeos são poderosas e traiçoeiras. ​

Tem uma passagem no especial do Netflix do comediante Dave Chapelle em que ele fala sobre clicar no botão "Não gostei" em um vídeo de decapitação do Estado Islâmico. "Como é possível que tenha um cara cortando cabeças no YouTube?", pergunta, chamando a atenção para o absurdo da situação.

Não curta. Clique nele.

Na realidade, relatos de conteúdo extremista espalhado pelo YouTube não são nenhuma novidade. Mas, quando centenas de grandes anunciantes começaram a suspender contratos com o YouTube e o Google nos últimos meses, as coisas ficaram pouco mais sérias.

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Os serviços do Google – a saber, o YouTube – são os links mais importantes e utilizados pelas organizações terroristas para disseminar propaganda. E apesar de todos os esforços do YouTube para mantê-los longe, esses grupos ainda conseguem colocar seu conteúdo furtivamente nos servidores.

A quantidade de links do YouTube e do Google criados para disseminar conteúdo terrorista é difícil de estimar. Tome como exemplo um vídeo de recrutamento do Estado Islâmico intitulado "E Você Será Superior", um dos muitos lançados em meio ao boicote.

O vídeo de 35 minutos, lançado 18 de março, incita pessoas de todas as idades a se juntarem ao EI apresentando homens-bomba de diferentes estilos de vida – um médico, um lutador inválido e uma criança – descrevendo suas vidas antes das gravações de suas respectivas operações suicidas.

Crédito: SITE.

Quando o EI publica um vídeo como esse, um conjunto de grupos a favor da mídia – tradutores, promotores, responsáveis por mídias sociais, criadores de links – imediatamente se põem a trabalhar para disseminá-lo pela internet. Um grupo de mídia muito importante, mas não tão conhecido, o "Fursan Al-Rafa" ("The Upload Knights", ou "Os Cavaleiros do Upload"), cumprem um papel importante na disseminação dessas publicações ao criar centenas de links para elas em vários sites de streaming e compartilhamento de arquivos diariamente.

A importância do YouTube para os "Cavaleiros do Upload" e outros grupos de mídia terrorista é evidente. No período de dois dias após o lançamento do "E Você Será Superior", o vídeo e seu banner promocional foram distribuídos com 136 links individuais de serviços do Google: 69 do YouTube, 54 do Google Drive e 13 do Google Photos.

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Perceba que se trata de um único vídeo e um grupo de mídia. Nos 10 dias entre 8 e 18 de março – período de tempo imediatamente anterior ao lançamento do vídeo – o canal do Cavaleiros do Upload postou 515 links para serviços do Google: 328 do YouTube, 148 do Google Drive e 39 do Google Photos.

O YouTube é igualmente importante para a Al Qaeda (AQ) e suas afiliadas. Note a maneira como o canal midiático principal "Al Qaeda na Península Árabe" (em inglês, AQAP) prioriza o YouTube acima de todas as outras formas de disseminação de vídeos. Ao publicar em 3 de maio um vídeo sobre conflitos com as forças do cinturão de segurança no Iêmen, o canal compartilhou o vídeo por meio de três links: dois dos quais com compilações de quase 130 links para dois serviços de compartilhamento de informações, e um link do YouTube.

Outros vídeos jihadistas no YouTube podem ser menos chamativos visualmente, mas são igualmente traiçoeiros. O YouTube têm uma biblioteca para discursos de clérigos extremistas como Anwar AL-Awlaki, um cidadão norte-americano já falecido louvado por muitos terroristas como pilar para sua radicalização. É como uma recruta adolescente do EI no Colorado respondeu uma vez em uma plataforma de perguntas e respostas, quando questionada sobre o que fazia quando não conseguia dormir: "Assisto às aulas no YouTube e fico no Twitter".

E não há somente de conteúdo jihadista infestando os servidores do YouTube. Vídeos violentos racistas e fanáticos, apresentados pelo "Moonman", um meme de supremacistas brancos criado a partir de uma propaganda antiga do McDonald's, mostra judeus e outras minorias sendo executadas enquanto fala em "campos de concentração para negros" e "o fascismo voltou". (Para ver como é fácil encontrá-los, basta digitar a palavra "Moonman" na barra de pesquisa do YouTube.)

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Em resumo, a preocupação dos anunciantes não é infundada.

Os métodos dos terroristas para explorar o YouTube

Seria injusto afirmar que o YouTube não fez nada para impedir que a mídia terrorista chegue aos servidores. De acordo com sua política a respeito de conteúdo relacionado a terrorismo:

O YouTube proíbe estritamente o conteúdo intencionado a recrutar pessoas para organizações terroristas, incitar a violência, celebrar ataques terroristas ou promover atos terroristas. Também não permitimos que organizações terroristas estrangeiras utilizem o YouTube. Conteúdo com a intenção de documentar acontecimentos conectados a atos terroristas ou notícias reportando atividades terroristas somente poderão ser permitidos no site mediante contexto e intenções suficientes. Entretanto, imagens explícitas ou controversas poderão ser sujeitas a restrições ou a uma tela de aviso.

Até o momento, o YouTube facilitou para que os usuários sinalizem conteúdo que viole sua política e trabalha no sentido de implementar soluções automatizadas para detectar conteúdo terrorista. Entretanto, como mencionado em outra ocasião, a propaganda terrorista inclui muito mais do que vídeos de execuções que podem passar despercebidos pela tecnologia de detecção. E, para piorar, os grupos terroristas descobriram inúmeras vezes maneiras de chamar atenção para usuários e administradores que não são apoiadores da causa.

Por exemplo: de modo a prevenir que usuários sinalizem vídeos explícitos ou provocativos, grupos de mídia terrorista e disseminadores, como os "Cavaleiros do Upload" e a "Fundação As-Sahab Media", da AQ, com frequência marcam os vídeos do YouTube como "não listado", o que significa que esses vídeos não podem ser pesquisados – somente acessados com quem dispuser do link. Essa ferramenta funciona bem para manter um vídeo moderado para apoiadores e interessados. Eles também podem ser encontrados com facilidade no serviço de mensagens Telegram e, posteriormente, disseminados pelas mídias sociais.

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Vídeo do EI(à esquerda) e da AQAP (à direita) postados no YouTube e marcados como "não listados". Crédito: SITE.

Grupos terroristas também fazem upload de vídeos que não estão nas imagens propriamente ditas. Em vez disso, há um áudio por cima de uma imagem congelada com uma mensagem na parte inferior direcionando os usuários para links alternativos indicados na descrição. Por exemplo, um vídeo de 26 de abril na província do ISIS de Ninawa:

A imagem no video diz, "O link está na descrição do vídeo", onde há outro link do YouTube. Crédito: SITE.

Na seção de comentários desse vídeo do YouTube, a qual foi posteriormente removida, há diversos outros links, transformando a página do YouTube em um fórum jihadista protegido por senhas ou um grupo de fechado de Telegram.

Em busca de soluções melhores

Os grupos terroristas, por sua natureza, são focados em marcas específicas. Assim, as publicações dessas organizações quase sempre mostram elementos recorrentes, incluindo hashtags, frases e marcas d'água. Os vídeos da agência de notícia 'Amaq, do EI, costumam ter a mesma abertura, como mostrado nas capturas de telas a seguir, no YouTube:

Crédito: SITE.

A mídia da AQ e suas afiliadas também têm os mesmos tipos de marcas d'água. Por exemplo, a captura de tela a seguir apresenta aberturas recorrentes e fechamentos de vídeos da AQAP:

Crédito: SITE.

O Youtube já usa um tipo de tecnologia possível de reconhecer muitos desses elementos em seus servidores. Mas se a empresa pode reconhecer material que infringe direitos de uso e outros conteúdos que violem a política, então, por que não conseguem fazer o mesmo com propaganda de grupos como EI e AQ?

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É importante notar que, quando o YouTube retira um vídeo de uma mídia terrorista como os Cavaleiros do Upload, ele nem sempre remove o canal que o publicou, permitindo que o grupo e outros como ele façam o upload de vídeos mais adiante com facilidade.

Um vídeo feito em 15 de abril na província de Furat do EI deixa isso claro. As capturas de tela combinadas mostram o status do vídeo como paradas no YouTube, com aproximadamente 220 visualizações antes de ser removido, e uma miniatura de visualização retirada do Telegram, onde fora disseminado.

Crédito: SITE.

Apesar de removido, o canal que postou o vídeo seguia ativo em 22 de maio, conforme mostrado na captura de tela a seguir.

Crédito: SITE.

Remover esses canais poderia, por fim, ser mais uma forma de dissuadir os grupos terroristas. Porém, ao deixá-los ali, o YouTube dá a eles meio caminho para o upload do próximo vídeo terrorista. Logo após o ataque na Arena do Manchester, segunda-feira, por exemplo, o canal dos Cavaleiros do Upload começou a postar vídeos do EI ameaçando o Ocidente. Cada vídeo foi postado com cinco links apenas, sendo os primeiros do Youtube e do Google Drive.

Crédito: SITE.

Há muitos desses canais ao longo plataforma. Uma pesquisa por Cavaleiros do Upload em árabe mostra uma série de canais com o nome e o logotipo.

Crédito: SITE.

Muitos grupos de mídia terrorista também usam scripts de upload, como o Rapidleech, que os permite postar conteúdo simultaneamente em diversos serviços, incluindo o YouTube e replicar o processo facilmente para cada conteúdo novo. Quase tudo que pareça postado por esses dispositivos deveria ao menos conter uma bandeira vermelha aos que monitoram a plataforma em busca de conteúdo ofensivo, incluindo propaganda extremista.

Os terroristas ainda sentem que têm força na plataforma. Ao responder sobre as preocupações dos anunciantes em março, Ronan Harris, diretor de gerenciamento do Google do Reino Unido, declarou que a empresa tem consciência de que "precisa fazer mais", e prometeu "fornecer maneiras mais simples e robustas para impedir que os anúncios [dos anunciantes] apareçam em conteúdos controversos".

O problema do YouTube com conteúdos terroristas não diz respeito somente à receita dos anunciantes; tem a ver com segurança. Devemos todos desejar que a empresa de compartilhamento de vídeos e todas as demais plataformas de tecnologia da comunicação e informação façam o melhor possível para conter conteúdo extremista em seus servidores e desejar que essas empresas adotem soluções adaptativas e parcerias. Talvez uma piada sobre o absurdo de clicar em "Não gostei" quando confrontado com um vídeo de um terrorista "cortando cabeças no YouTube" perca a relevância com o tempo.

Por enquanto, a frase de Chapelle permanece poderosa. Como já foi dito tantas vezes sobre comédia, se tem humor negro e desconcertante, é porque no fundo é verdade.

Rita Katz, diretora executiva do SITE Intelligente Group, se infiltrou em fontes terroristas, testemunhou no Congresso e em julgamentos de terrorismo, e informou pessoalmente oficiais da Casa Branca, bem como investigadores dos Departamentos da Justiça, do Tesouro e da Segurança Interna.