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Politică

Este vídeo mostra por que Bolsonaro tem medo de enfrentar debates e sabatinas

Tá, ele fala mal demais em público. Mas ele quer ser presidente?
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil 

Nesta quarta-feira (6) o pré-candidato à Presidência e deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) anunciou que não participaria de uma sabatina realizada por Folha de S. Paulo, UOL e SBT que vem sendo realizada com todos os pré-candidatos. Não é a primeira: fugiu já de quatro debates com outros presidenciáveis. Por outro lado, adora organizar aparições espetaculares em aeroportos.

A tática de fugir de debates quando se está à frente nas pesquisas não é novidade. Em 1998 foi utilizada com maestria por Fernando Henrique Cardoso, que tentava sua reeleição – FHC se esquivou tanto que foi como se não houvesse campanha, acabou se elegendo em primeiro turno e seu segundo mandato foi marcado por crises fiscais e cambiais, desemprego, recessão e um delicioso apagão.

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Bolsonaro ganhou bastante com a prisão de Lula e a recente exclusão do ex-presidente das pesquisas de opinião. A quatro meses do primeiro turno das eleições, ele aparece em primeiro lugar em todos os cenários sem Lula, e derrota todo mundo no segundo turno. Ou seja, a lógica de se ausentar faz sentido. Mas tem algo a mais nisso, e que pode ser observado em um vídeo que foi colocado recentemente no ar, filmado no dia 23 de maio durante a XXI Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, realizada pela Confederação Nacional de Municípios. Na ocasião foram convidados todos os presidenciáveis por dia para discursarem e responderem cinco perguntas, tudo com tempo marcado. E bem, a performance do Bolsonaro… Saque com seus próprios olhos, caro leitor, enquanto lê a análise abaixo:

O que salta aos olhos e ouvidos, antes de qualquer aprofundamento, é seu embananamento retórico. Se Ciro Gomes (PDT) é criticado por parecer um professor universitário que fala difícil e Marina Silva (Rede) apanha por parecer uma professora do ensino fundamental que tenta simplificar demais e que está sempre atrasada nos assuntos, Bolsonaro parece um aluno que não estudou para um seminário e enrola o máximo que pode pra ganhar tempo até o recreio. Como um recém-matriculado em curso de oratória, com um discurso cheio de pausas embaraçosas – incluindo antes da última palavra de cada frase – Bolsonaro parece pouco à vontade longe do ambiente de criar polêmicas da Câmara, das falas curtas ensaiadas para vídeos no WhatsApp ou das aspas soltas em (agora raras) entrevistas à imprensa escrita. O "mito" parece mais um reles mortal tímido com a atenção, mais constrangedor do que série do Larry David.

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O pavio cresceu

A causa do desconforto aparece rapidamente já no discurso de abertura: “meu pavio foi curto no passado, cresceu agora” (no minuto 2:40). Bolsonaro parece tentar afastar o passado autoritário e ensaiar um discurso “moderado”, que não parece convencer. Por exemplo, na recente paralisação dos caminhoneiros, reclamou dos bloqueios, passou a apoia-los (depois de seu nome ter sido tão mencionado pelos paralisados) e depois voltou atrás dizendo que haviam “passado do limite”. Do mesmo modo, oscila no discurso econômico. Já foi um nacionalista cuja resposta para tudo era “nióbio” e "grafeno", mas agora tenta conquistar o coração neoliberal dos mercados com apoio do economista Paulo Guedes.

Em duas vezes no discurso/ entrevista, Bolsonaro critica a Emenda Constitucional 81, que teria “relativizado a propriedade privada”: "é uma montagem abusiva sim por parte. De alguns. Do. Meio ambiente. ICM-Bio. Ibama melhor dizendo" (5:09). Assinada em 2014 por Dilma Rousseff, a emenda permite que sejam desapropriadas, sem indenização, propriedades rurais e urbanas onde “forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei” – não se entende se Bolsonaro está acenando por apoio dos escravagistas locais ou dos traficantes do “polígono da maconha”. O mais sintomático não está apenas nas contradições do discurso, mas no vazio dele.

A entrevista consistia em cinco perguntas, as mesmas feitas a todos os pré-candidatos (com exceção de Lula, que apenas teve uma carta lida pela presidente do PT Gleisi Hoffman). A primeira era sobre o compromisso em receber a comissão de municípios trimestralmente, caso eleito. Bolsonaro ouviu a pergunta abraçadinho com Paulo Guedes e assumiu o compromisso, afirmou que vai extinguir o Ministério das Cidades, e ficou por isso mesmo - a mão esquerda balançando sem microfone faz lembrar um MC novato na sua primeira batalha de improviso. E improviso é o que veio.

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Porte de arma para ajudar o turismo

Na segunda pergunta, sobre a distorção entre a arrecadação dos municípios em relação à carga total tributária brasileira, tudo desandou, talvez porque a pergunta pedia as “medidas concretas” que o presidenciável realizaria. “Não entender de economia é uma declaração de humildade” (9:17), começou. Sem citar nenhuma medida concreta, fala em aumentar a arrecadação sem aumentar impostos, citando o governo norte-americano que “deu uma guinada para o centro, que estava antes à esquerda sim” (11:00). E então engata num raciocínio "lógico": “Temos que buscar fazer alguma coisa que obviamente não seja uma aventura […]. Sem segurança não tem economia […] dificilmente teremos recursos para a segurança, mas temos que mudar a legislação de modo que podemos ter paz em casa, nas ruas. […] A modificação seria a salvaguarda jurídica para nossos policiais trabalharem. Dar o direito a quem porventura queira a posse da arma de fogo o tenha […] Se investirmos assim na segurança teremos recursos vindos do turismo.” (a partir do 11:45)

A terceira pergunta, sobre os problemas na área da saúde gerados pelo teto dos gastos públicos, congelados durante 20 anos na Emenda Constitucional 95, veio com um gosto amargo para o deputado, que votou a favor da PEC. “Não tem pergunta fácil de responder. Quem achar que tem a solução tá agindo como uma pessoa que não tem responsabilidade com o que acontece no Brasil” (14:20), abriu a resposta, com visível cara de bunda. Após uma confusa fala sobre gestão, promete “diminuir o tamanho do Estado” (15:22), afinal, “ele fica menos vulnerável à corrupção. E poderemos. Ter recursos. Para aplicar nessas áreas. […] Sem dar uma daquela presidente do passado, mas a vida é uma só e juntos a essas entidades, hospitais, Ministério da Saúde, para que se tenha a sensação, a certeza, de que o recurso está sendo muito bem aplicado” (15:40). Após ser confrontado pela referência à Dilma Rousseff, Bolsonaro dá um passo atrás: “se alguém tiver uma boa ideia, que venha me apresentar. Não estou aqui para dizer que sou melhor que os outros, longe disso” (16:40). Sobe o tom, diz que as pessoas querem ser ministros para “se locupletarem” e quando parece que vai explodir, volta atrás e, sorrindo amarelo, encerra: “obrigado pela compreensão” (18:16).

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Creches Militares?

A quarta pergunta, sobre os custos das pré-escolas e creches, de responsabilidade dos municípios, gerou uma resposta bizarra até pros padrões do político do PSL. Depois de afirmar que fará uma “reforma curricular”, sem entrar nos detalhes, fala que “as escolas que têm dado certo no Amazonas, Goiás e Roraima são aquelas militarizadas pela Polícia Militar” (21:45), como se estivesse sugerindo aos municípios que a solução fosse militarizar… as creches? Sem se aprofundar, muda de assunto e diz que “não podemos continuar apenas exportando commodities. A questão do turismo. Tem que fazer comércio com o mundo todo, e não continuar fazendo comércio com viés ideológico” (22:34) – o que é bem estranho, uma vez que, depois da China, os principais parceiros comerciais do Brasil são países completamente comunistas como EUA, Argentina, Holanda e Alemanha. Na sequência, tira da reta: “não quero assumir compromisso e depois fugir dos senhores. Não tem dinheiro, se tiver, me diga onde está”.

'Não votem em mim!'

Na pergunta derradeira, sobre saneamento básico e o fim dos lixões, ele desistiu de responder e descambou para o freestyle. Disse que quer jogar as responsabilidades para os prefeitos, defendeu um programa de “planejamento familiar” (25:04) para reduzir os gastos com programas sociais (é difícil esperar um programa eficiente de planejamento familiar num país que criminaliza o aborto, por sinal), afirmou que saneamento está interligado com saúde, segurança e carga tributária. “Comigo [votando em mim] pode errar, os outros já erraram” (26:08), berra. “Não vim aqui para prometer […] A questão de lixões, em havendo recurso, em havendo parcerias público-privadas, vamos implementar! Que venha ideias!” (26:26). Elogia a política econômica do Paraguai, pergunta por que alguém gostaria de ser ministro dos Transportes quando não se tem dinheiro para comprar asfalto, pergunta quais prefeitos sentem medo de responderem por improbidade, critica a demarcação de terras indígenas. Em tom apocalíptico, grita, “o Brasil está arrebentado”. É como se ele estivesse se ligando do tamanho da piroca que é administrar um país da imensidão do Brasil e já começasse a pedir pra sair. “Me falam, ‘[sem acordos com outros partidos] você não terá governabilidade’. Então não votem em mim!” (29:18) O recado está cristalino.

Confesso que, quando recebi a missão de dichavar esse vídeo, pensei que terminaria o dia bastante irritado, como os colegas do “masoquismo musical”. Mera ilusão: acabei na verdade rindo bastante com o despreparo do pré-candidato – para quem o compara com Trump, que tem um tino especial para falar em público desenvolvido em anos de trabalho na TV, deve ser uma decepção. Bolsonaro acaba transparecendo o que é, um deputado que criou sua própria dinastia familiar para se manter indefinidamente no poder, uma das mais antigas tradições da política brasileira e uma contradição em si para quem o defende como “renovação”. Talvez a tática de dar perdido seja para manter a saúde em dia do político, visto que debates em público já causaram quedas de pressão e desmaios em outros membros do clã Bolsonaro. O azar é nosso.

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