FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Por que tem tanta gente comendo giz no Instagram

O ASMR foi longe demais dessa vez?
Imagens reproduzidas do Instagram com pessoas comendo giz
Pessoas comendo giz. Imagem: reprodução/Instagram

Quem curte gastar um tempo no Instagram provavelmente já viu um vídeo de ASMR. Mesmo sem saber.

Por exemplo, você provavelmente está familiarizado com vídeos de ASMR em que as pessoas cortam sabonetes, batem com os dedos em cima de superfícies ou falam baixinho com a boca quase grudada no microfone. Mais amplamente, postagens de ASMR geralmente visam desencadear uma resposta sensorial autônoma do meridiano – tipo uma sensação de cócegas provocada por certos barulhos ou estímulos sensoriais. A comunidade é enorme: atualmente são mais de 5,3 milhões de postagens no Instagram marcadas como #ASMR (o gênero também é imensamente popular no YouTube).

Publicidade

Mas tem um tipo de vídeo de ASMR que você provavelmente nunca ouviu falar: pessoas comendo giz. Isso mesmo. Gente se filmando mastigando, mordendo e às vezes engolindo giz. Às vezes são aqueles gizes de lousa mesmo, às vezes são pedaços grandes e assimétricos de giz industrial.

Esse conteúdo é quase que exclusivamente produzido por mulheres, e enquanto grande parte delas escreve as legendas em russo, há mulheres do mundo todo postando vídeos mastigando e engolindo giz. E não é um gênero pequeno. A hashtag #chalkeating ("comendo giz", em português) no Instagram tem mais de 71 mil postagens no momento, e de maneira similar, a hashtag #chalkasmr tem mais de 34 mil posts.

Um usuário do Instagram que tem uma conta de compartilhamento, o que quer dizer que ele não cria pessoalmente nenhum vídeo de degustação de giz, disse ao Motherboard por mensagem direta que acredita que a maioria das pessoas fazendo vídeos “comendo giz” não comem realmente o giz (o usuário pediu para não divulgar o nome de sua conta porque certos membros da comunidade já sofreram bullying).

“Quase todo mundo que mastiga giz ou argila NÃO engole, já que isso pode causar problemas digestivos”, falou. “Alguns tipos de argila você pode até engolir, mas não é uma coisa comum na comunidade.”

Mesmo assim, é só fazer algumas visualizações aleatórias para ver pessoas claramente comendo giz mesmo.

Vamos esclarecer uma coisa de cara: do ponto de vista médico, não é recomendado comer giz. Segundo a Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA, engolir grandes quantidades de giz pode causar dor abdominal, prisão de ventre, diarreia, náusea e vômito, além de falta de ar e tosse. Comer giz não vai te matar, porque o material não é tóxico, mas não é seguro.

Publicidade

No entanto, seria simplificar demais dizer que os vídeos de comer giz são simplesmente um exemplo do gênero ASMR indo longe demais e fazendo mal para as pessoas: há uma condição médica que explica parcialmente o que pode estar acontecendo aqui.

A Síndrome de Pica, segundo a Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA, é quando um indivíduo sente desejo de comer materiais que não são considerados “comida” por um período mais longo que um mês. Isso pode incluir giz, mas também argila, areia, terra, cola, papel e praticamente qualquer material que você pode imaginar. É uma condição comum em crianças, mas também ocorre em adolescentes e adultos em número desconhecido.

Como a condição pode ser desencadeada ou exacerbada por condições mentais como stress, transtorno obsessivo-compulsivo ou autismo, pica é classificado como um transtorno alimentar. Mas pica também pode ser causado por deficiência de ferro ou zinco, ou por gravidez.

Numa mensagem direta no Instagram, o usuário @lovepicaasmr disse ao Motherboard que ele tem pica, mas que não engole o giz. “Comecei quando tinha uns três anos e parei logo depois disso”, disse @lovepicaasmr. “Os desejos voltaram quando eu tinha uns 12, e venho mastigando giz desde então.”

Mas nem todo mundo na comunidade tem pica. Na verdade, o usuário que comanda a conta de compartilhamento de ASMR de comer giz diz que mesmo que o ASMR tenha uma qualidade “viciante” no geral, e apesar de que ver alguém comendo giz induza ASMR para ele, ele odeia comer giz.

Publicidade

“Te digo em primeira mão, comi giz, um dos tipos mais naturais que todo mundo 'adora', e IMEDIATAMENTE soube que não era minha praia”, contou ao Motherboard. “E sempre digo pras pessoas, quase sempre mulheres jovens, que me perguntam se mastigo giz ou argila, as razões por que não faço isso: 1) Foi uma experiência nojenta tanto do ponto de vista de sabor como de textura; 2) Consultar um dentista é caro, e não quero arriscar meus dentes com algo que não gosto.”

Numa série de DMs no Instagram, a mulher que comanda uma conta descrita como “ASMR-PICA” chamada @tasteetastetastik nos falou que apesar de não achar que tem pica, ela se envolveu com a comunidade depois de vários meses usando o Instagram para voyeurismo e fazendo vídeos de ASMR focados em espuma. “Bom, só comecei a comer giz quando passei por um período de stress”, disse. “Tive alguns problemas de família recorrentes, e meio que foi isso que me impulsionou.”

A usuária @tasteetastetastik disse saber que há riscos de saúde associados a comer grandes quantidades de giz, e que só se envolve na atividade para aliviar o stress.

“Como comecei a fazer isso no verão passado, posso dizer que algumas pessoas sentem paz enquanto estou mastigando o giz, já que não 'como' realmente, ninguém de nós come. Apesar de tecnicamente giz ser comestível, muito giz vai irritar seu estômago e atrapalhar a digestão.”

Postagens e comentários na comunidade de comer giz no Instagram ocasionalmente apontam que a prática é algo que vem de antes da internet. Comer giz é um fenômeno cultural na Geórgia, Leste Europeu, mas alguns estudiosos postularam que isso na verdade é um sintoma de um transtorno de pica espalhado na região.

Publicidade

Outras pessoas que comem giz acreditam que a atividade tenha um efeito “detox” no corpo. Na verdade, certos vendedores do Etsy capitalizam sobre essa narrativa vendendo giz como “comestível” sob a hashtag “detox”. Mas o “detox” já foi chamado de um termo médico “sem noção”, e já foi provado que comer giz não tem benefícios para a saúde.

Mesmo assim, atualmente há 491 anúncios de “giz comestível” no Etsy. Um deles, visto pelo Motherboard, tinha um selo de “Mais Vendidos” do Etsy, com o produto supostamente no carrinho de compras de 20 pessoas.

1544220090916-Screen-Shot-2018-12-07-at-25800-PM

Vale apontar também que como há centenas de pessoas postando vídeos de si mesmas comendo giz, uma subcultura emergiu organicamente disso. A usuária @tasteetastetastik disse que a comunidade de ASMR de comer giz é muito próxima, com as pessoas cuidando umas das outras sem julgamento.

“Somos pessoas comuns que sei lá por qual razão, deficiência de vitamina, stress, etc., comem giz, e deveríamos ser respeitadas e não julgadas”, pontuou. “Sabemos as precauções de saúde, e a maioria aqui não consome giz com tanta frequência assim. ASMR é uma coisa visual, e de todos os outros aspectos sensoriais. Principalmente o som.”

De maneira similar, a usuária @lovepicaasmr disse que encontrou conforto na comunidade do Instagram. “Me interessei por ASMR porque vi vídeos de pessoas comendo materiais que não eram comida, e me senti bem em saber que havia outras pessoas como eu.”

Como muitos cantos da internet, também tem um senso de camaradagem em estar fora da norma. Segundo o usuário do Instagram da conta de compartilhamento de ASMR de comer giz, isso ajudou a construir uma confiança dentro da comunidade. “Sabemos que estamos meio fora da média no que achamos estimulante nas nossas experiências de ASMR, então há solidariedade e afinidade”, disse o usuário.

Novamente, não é saudável comer giz, mas é importante lembrar que há uma razão para as pessoas postarem conteúdo online que pode parecer incomum ou estranho. E se você precisa de ajuda, ela está disponível.

Se você ou alguém que você conhece sofre com um transtorno alimentar, você pode conseguir ajuda no site do Programa de Transtornos Alimentares – AMBULIM do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo pelo site (http://www.ambulim.org.br), pelo telefone (11 - 2661-6975) ou por e-mail (ambulim.ipq@hc.fm.usp.br)

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.