Ilustração reforma da previdência
Ilustração: Felipe Pessanha/VICE

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Politică

Mil tretas na previdência de Bolsonaro, parte 3: a reforma de Guedes

Equipe do superministro da economia apresentou o texto mais importante do governo. Sobram dúvidas, mas, no geral, vamos morrer trabalhando.

Jair Bolsonaro teve um momento de respiro no meio das crises do governo nesta quarta (20). Em um evento quase de gala, o presidente apresentou ao Congresso e ao país a nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência. Com um banho de loja que evitou o termo "reforma" do anúncio e lançou um slogan meio brega (“Nova Previdência. É para todos. É melhor para o Brasil”), o governo mostrou qual o futuro da aposentadoria dos brasileiros.

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A reforma é o supertrunfo de Bolsonaro para equilibrar as contas públicas e agradar o mercado financeiro, com perspectiva de melhora de confiança na economia do país e aumento de investimento. Segundo cálculos do governo, a PEC traria uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos. Analistas, no entanto, consideram o cálculo elevado. Leia o projeto completo aqui.



A mudança que mais chama atenção é a idade mínima para aposentadoria. São 62 anos para mulheres e 65 homens, acrescidos de pelo menos 20 anos de contribuição à previdência para o setor privado, inseridos no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), e 25 para o público, no Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), conforme havia sido adiantado no final da semana passada.

Quem atingir esses patamares pode se aposentar com 60% da média salarial. A isso, soma-se 2% para cada ano de contribuição além dos 20 anos. Assim, seria precisa trabalhar por 40 anos e para curtir a vida com o salário integral. Tanto no funcionalismo público quanto na iniciativa privada o teto é R$ 5.839 e o piso um salário mínimo.

Em contrapartida, as regras de aposentadoria no RGPS e RPPS hoje são menos rigorosas — há possibilidade de fazer isso por idade ou por somatório de idade e contribuição. Além disso, o cálculo é mais generoso: a pensão é equivalente a 100% da média salarial calculada a partir de 80% dos salários mais altos. Há o fator previdenciário, um cálculo complexo que tende a diminuir em até 40% o valor final caso o aposentado seja muito jovem, mas ainda assim há perspectivas de ganhos maiores do que nas novas regras.

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“Com a PEC, podemos ver as pessoas começarem a receber aposentadorias mais baixas”, diz o advogado Diego Cherulli, diretor de atuação parlamentar do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

A proposta de Bolsonaro também é mais rigorosa no tempo de transição, de 12 anos — para efeito de comparação, o projeto de Michel Temer era de 20 anos. Nesse período, quem está mais próximo de se aposentar tem a chance de fazer isso com regras intermediárias.

Economistas que defendem a urgência de reforma afirmam que a demora em aprová-la reduziu o margem possível de transição. Para quem já está no sistema contribuindo, no entanto, o sabor pode ser amargo e os planos de curtir a vida na beira da praia, mais longe.



Professores, agricultores, policiais e benefícios sociais

A reforma da PEC prevê que vereadores, deputados estaduais e federais, e senadores passem a se aposentar com regras e teto semelhante a da iniciativa privada. Para carreiras com requerimentos específicos, também houve mudanças.

Policiais civis, policiais federais, agentes socioeducativos e agentes penitenciários ganham direito a aposentadoria aos 55 anos de idade, com mínimo de contribuição de 30 anos para homens, com 20 deles na função, e 25 para mulheres, 15 deles na função.

Hoje, a exigência de tempo de contribuição é idêntica, mas não há idade mínima. Além disso, agentes socioeducativos e agentes penitenciários não tem regime especial.

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No caso de professores, a idade mínima passa a ser 60 anos, com pelo menos 30 de contribuição, tanto no setor público quanto na iniciativa rural. A aposentadoria rural, por sua vez, é mais afetada. A nova regra unifica a idade mínima em 60 anos (antes era 55 para mulheres) e sobe o tempo de contribuição de 15 para 20 anos.

Nesse caso, a principal crítica é a definição de uma quantidade mínima de contribuição anual. Como trabalhadores rurais estão sujeitos a imprevisibilidade da colheita, hoje eles pagam uma taxa sobre a produção. A PEC do Bolsonaro, por sua vez, estabelece que o valor pago tem que ser no mínimo de R$ 600.

O arrocho nas camadas mais pobres continua nas mudanças em diversos benefícios sociais. A pensão por exemplo, fica reduzida e pode inclusive ser menor que um salário mínimo. A aposentadoria por invalidez, por sua vez, só será equivalente ao salário total do contribuinte caso a doença dele tenha ocorrido em função do trabalho. Caso contrário, tome 60% mais 2% a cada ano além dos 20 obrigatórios.

O caso mais grave diz respeito ao benefício oferecido a deficientes e idosos pobres, hoje equivalente a um salário mínimo e disponível a partir dos 65 anos. Na proposta, o valor do salário mínimo só é ofertado aos 70 anos. Aos 60, as pessoas que se enquadram nos pré-requisitos receberiam R$ 400.

Esses dois cenários causaram reação negativa entre governadores. “É preciso que tudo que modifique para pior a realidade de quem ganha menos seja retirado da reforma”, disse ao UOL Renato Casagrande, governador do Espírito Santo. Como tem sido praxe no governo, o ministro da economia Paulo Guedes sinalizou que pode ceder.

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Por outro lado, a PEC também apertou de leve o torniquete no funcionalismo público das faixas salariais mais altas. Estão previstos aumentos nas alíquotas que podem chegar a 22% no caso de salários superiores a R$ 39 mil.



E a capitalização?

Mudanças mudanças, negócios à parte: uma das grandes promessas da reforma foi apenas pincelada no texto apresentado na quarta. É um novo regime de capitalização na previdência. No sistema atual, de repartição, os trabalhadores na ativa financiam a pensão dos aposentados. Na capitalização, o que o trabalhador contribui ao longo da carreira é aplicado em fundos de investimento e se transforma na sua aposentadoria.

Como a mudança se dará de fato ficou para uma lei complementar futura, mas o governo explicou que quem optar pela capitalização poderá optar por fundos públicos ou privados e terá direito a um salário mínimo quando se aposentar. Acima disso, vai depender de quanto contribuiu.

“É confuso. Só se fala da capitalização em um artigo da PEC e uma hora diz que o sistema é facultativo, em outro momento, que é obrigatório”, afirma Diego, do IBDP. Para ele, além de deixar muitas questões em aberto, o projeto traz insegurança jurídica ao desconstitucionalizar diversos pontos ligados à previdência, como mudanças futuras na idade mínima para aposentadoria.

De qualquer forma, o desafio de verdade da "Nova Previdência" vem agora. Na terça, um dia antes da apresentação da PEC, Jair Bolsonaro sofreu sua grande primeira derrota na Câmara com a derrubada de um decreto que diminui a transparência pública.

Na reunião da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social horas depois do anúncio da PEC, o clima era de oposição. “O Bolsonaro tem uma arrogância por ter uma maioria na Câmara, mas a base dele foi eleita em outra vibe”, afirma Diego. “Eles falam de justiça, das pautas sociais, mas não aprovar qualquer projeto que sequer nem é do Bolsonaro, mas do Paulo Guedes.”

Esse desencontro entre aliados está claro em uma capítulo que ficou de fora da PEC: a reforma da previdência de policiais militares e militares. A promessa do governo é entregar um projeto de lei específico sobre o tema em até 30 dias. Segundo Diego, não há espaço para faltar com a palavra: “Vai ter que vir se não nem vai ter discussão sobre previdência.”

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