Chimpanzés que Ajudaram em Vacina Contra Hepatite Estão Abandonados em Ilha
Crédito: Agnes Souchal

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Chimpanzés que Ajudaram em Vacina Contra Hepatite Estão Abandonados em Ilha

Depois de utilizar 66 símios em pesquisas médicas, o New York Blood Centre largou os animais na Libéria sem comida e água.

Em um arquipélago de pequenas ilhas no meio de um rio na Libéria, dezenas de chimpanzés vislumbram um futuro sombrio. As ilhotas de selva pantanosa não lhes oferecem alimentos nem água; maus nadadores, eles também não podem fugir.

Os símios não são nativos. Eles moram no local desde 2005, quando o Banco de Sangue de Nova York (NYBC) que os utilizava para pesquisas os transportou para as ilhas com a promessa de cuidados para toda a vida. Em março, porém, a organização cortou o financiamento.

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Os 66 chimpanzés hoje sobrevivem com programação reduzida de alimentação, financiada por fundos emergenciais da Humane Society e por doações pessoais de um punhado de ambientalistas. Mas o dinheiro, dizem as instituições, só servirá para cuidar dos chimpanzés por poucas semanas.

Nos últimos dias, um coletivo de ambientalistas e pesquisadores — incluindo o Jane Goodall Institute, Born Free e a Humane Society — lançou uma campanha online para buscar uma solução de longo prazo e pressionar o NYBC para restabelecer o suporte. Eles lançaram uma página no GoFundMe a fim de angariar dinheiro e uma petição no Change.org que exigia da ONG a retomada na assistência aos chimpanzés.

"Se nada acontecer, os chimpanzés vão morrer", Betsy Brotman, ex-diretora da instalação de pesquisa do NYBC, me contou. "Todos eles."

Os cuidadores alimentam os chimpanzés dia sim, dia não. Crédito: Agnes Souchal

Brotman administrou por 35 anos o laboratório do NYBC na Libéria, o Vilab II, onde ela e uma equipe de pesquisadores fizeram experimentos com mais de 100 chimpanzés para testar vacinas contra a hepatite. Ela batalhou para proteger o laboratório, seus funcionários e os chimpanzés entre duas guerras civis terríveis nos anos 1990. Em dez anos, durante sua estadia na Libéria, enquanto rebeldes lutavam pelo controle da nação da África Ocidental, ela precisou reconstruir o laboratório três vezes, testemunhou o marido levar um tiro fatal dentro de casa e ajudou a negociar a evacuação de centenas de mulheres e crianças.

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Hoje com 72 anos, aposentada, morando em Nova Jersey, nos Estados Unidos, Brotman manifesta preocupação com os chimpanzés que deixou para trás. Ela me contou que ficou horrorizada, mas não surpresa, com a decisão do NYBC de parar de pagar para alimentarem os chimpanzés.

"A gestão do banco de sangue era diferente quando comecei a trabalhar lá", Brotman me contou ao telefone. "Agora parece que eles não têm senso de responsabilidade pelos animais. A saber: o Vilab levou os chimpanzés ao instituto e permitimos e encorajamos a reprodução. Isso não tinha nada a ver com o governo liberiano. Não havia chimpanzés na região até colocarmos os pés lá."

O NYBC transportou os chimpanzés (um misto de indivíduos selvagens capturados e antigos animais de estimação) ao Instituto Liberiano de Pesquisa Biomédica (LIBR) em 1975, depois de fechar um acordo com o governo liberiano para construir o laboratório. Chimpanzés são os únicos primatas não humanos suscetíveis ao contágio de hepatite B e C, mas seus sistemas imunológicos enfrentam os vírus com mais eficácia que os humanos, o que os torna candidatos ideais para pesquisa.

Embora os testes em animais sempre levantem questões éticas, a pesquisa no Vilab (que envolvia infectar chimpanzés saudáveis com vírus da hepatite para testar a eficácia das vacinas-teste) levou ao desenvolvimento de uma vacina contra a hepatite B e um método de esterilização usado ao redor do mundo para garantir transfusões seguras de sangue. O trabalho realizado no Vilab sem dúvidas salvou vidas.

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Brotman e a equipe do Vilab fizeram o melhor para assegurar uma vida adequada aos chimpanzés de laboratório. Eles o abrigaram em grupos que ficavam em grandes jaulas externas. Ao longo da história do laboratório, as pequenas ilhas próximas à instalação serviram de lar para os chimpanzés que não eram mais utilizados na pesquisa. Quando o trabalho terminou, em 2005, os símios restantes foram fixados nas ilhas, e um punhado de liberianos que trabalhava no laboratório passou a receber uma comissão do NYBC para supri-los com alimentos e água.

"Não é uma solução de longo prazo"

Os chimpanzés foram esterelizados para previnir com que a população continuasse a crescer, mas parte da esterilização não foi eficiente e, como resultado, chimpanzés jovens e filhotes atualmente habitam as ilhas.

Ano passado, a Motherboard viajou para a Libéria para conhecer a "Ilha dos Macacos", como foi batizada pelos locais. Na época o NYBC ainda estava pagando pelo cuidado dos chimpanzés, e os símios pareciam saudáveis na vida de aposentados. Mas, em janeiro, o NYBC, que recebe milhões de dólares em lucro todo ano e oferece salários de seis dígitos a seus funcionários executivos, decidiu cortar os 380 mil dólares anuais necessários para cuidar dos chimpanzés. Os dados estão em seus registros fiscais.

Captura de tela dos registros fiscais do NYBC em 2013

De acordo com o NYBC, quando o contrato do Vilab expirou, em 2007, o santuário dos chimpanzés virou propriedade do governo liberiano e do LIBR.

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"O NYBC apoiava o santuário voluntariamente (embora não tivesse obrigação) até que o governo da Libéria pudesse assumir o controle", James Haggerty, porta-voz do NYBC, explicou por email. "Por várias vezes o NYBC deixou claro para o governo da Libéria que não poderia prover essa assistência por tempo indefinido, e o governo da Libéria nunca estabeleceu um plano de transição."

Sem um plano de transição em vigor, em plena crise de Ebola, o NYBC emitiu uma carta ao LIBR dia 5 de janeiro para dizer que cortaria os fundos para o santuário dos chimpanzés em 60 dias.

Quando foi questionado acerca das consequências do corte de fundos sem um plano de transição em vigor, Haggerty me contou que o governo liberiano interveio para pagar pelo cuidado dos chimpanzés.

"A equipe local que cuida dos chimpanzés hoje é extremamente competente e completamente capaz de assisti-los sem a supervisão do NYBC", disse Haggarty.

Mas, segundo relatórios da Humane Society e do diretor atual do LIBR, Fatorma Bolay, o governo liberiano não interveio para oferecer fundos. Hoje os chimpanzés sobrevivem apenas com doações.

"Continuamos a alimentá-los com doações dos bolsos de alguns dos nossos parceiros em pesquisa, que trabalham conosco no instituto", Bolay me contou por email. "Não é uma solução de longo prazo. Essas contribuições voluntárias diárias podem acabar. Ainda estamos em busca de uma solução sustentável a longo prazo. Nenhum grupo, até agora, apresentou tal solução."

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Grupo de chimpanzés esperando por água. Créditos: Agnes Souchal

Em março, a Humane Society dos Estados Unidos (HSUS) enviou diversas cartas ao NYBC e insistiu para que o banco reestabelecesse os fundos. Até a presente data, a HSUS não recebeu respostas, segundo Kathleen Conlee, vice-presidente de questões relacionadas à pesquisa animal na HSUS. Conlee contou que a HSUS colabora, desde março, com 25 mil dólares em fundos de emergência para manter os chimpanzés alimentados, mas a agência não pode continuar pagando para sustentá-los por conta própria.

"Não podemos arcar com tudo. Precisamos do suporte do Banco de Sangue de Nova York. Eles é que deveriam estar fazendo isso", ela me contou ao telefone. "Vivemos limpando a bagunça dos outros, e eles têm a capacidade para agir corretamente com os animais. Eles precisam agir."

Quando foi questionado acerca das motivações para cortar os fundos, Haggerty, o porta-voz do NYBC, disse que "não é um período fácil para bancos de sangue". Mas os registros fiscais do NYBC apontam para resultados saudáveis. O NYBC declarou 1,5 milhão de dólares em lucro líquido em 2013, além de bens avaliados em 459 milhões. Como um dos maiores bancos de sangue e centros de pesquisa dos Estados Unidos, também atrai doações generosas, incluindo 250 milhões de dólares da MetLife este ano e 5 milhões da Bill and Melinda Gates Foundation.

"Os chimpanzés não estão com o peso que deveriam"

Quando o santuário foi estabelecido, o NYBC parecia comprometido. Garantiu que houvesse dinheiro o bastante para cuidar dos chimpanzés até o fim de suas vidas, fosse por meio da contribuição direta do NYBC ou por meio de um fundo fiduciário ou alguma outra fundação que pudesse assumir o controle. Alfred Prince, diretor de virologia do NYBC na época, que ajudou a estabelecer o Vilab, passou anos buscando um grupo de ambientalistas capaz de supervisionar o santuário, mas não conseguiu obter ajuda de fora. Ele faleceu em 2011.

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"Muitos grupos internacionais que tratam de chimpanzés não se interessaram, creio que por princípio", Brotman contou. "Sentiram-se ofendidos, em certo nível, pelo que o Banco de Sangue de Nova York fez com os chimpanzés e não se interessaram."

O NYBC continou a pagar a fatura das antigas cobaias de pesquisa até este ano. Por ora, os chimpanzés sobrevivem, mas não prosperam. Agnes Souchal, ambientalista que administra um santuário de chimpanzés pela organização In Defense of Animals, visitou as ilhas a pedido da HSUS para observar o estado atual dos símios. Ela me contou que estavam magros, que comiam dia sim, dia não, e que não recebiam alimentos o suficiente.

Quando os cuidadores chegam com os alimentos, os chimpanzés correm para a orla para encontrá-los. Créditos: Agnes Souchal

"Foi a primeira vez que os vi, então é difícil de comparar, mas eles não apresentam o peso que deveriam apresentar", disse Souchal em uma entrevista via Skype. "Eles precisam ser alimentados pelo menos uma vez por dia, para começo de conversa, mas segundo a minha linha de trabalho, seriam alimentados quatro vezes por dia: duas refeições principais e dois lanches. No meio selvagem, eles passam oito horas por dia em busca de alimentos. Requerem muita energia, são animais grandes, com bastante músculo."

Souchal me contou que finalmente consertaram o sistema hídrico danificado que costumava abastecer os chimpanzés com água fresca, um dia antes dela ir embora. Enquanto isso, os funcionários estão trabalhando de graça desde março, na esperança de manter os chimpanzés vivos e preservar os seus empregos caso os fundos sejam retomados.

Embora todos os grupos envolvidos estejam ansiosos para encontrar uma solução, eles batem o pé na crença de que o NYBC deve assumir a responsabilidade e garantir cuidados futuros aos chimpanzés. Brotman concorda.

"Não existe outra opção. O Banco de Sangur precisa encontrar um grupo, que não seja o governo liberiano e precisa pagá-lo para que cuide dos animais", disse ela. "É terrível. Não dá para descrever o quão terrível é."

Tradução: Stephanie Fernandes