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Tecnologia

Faz de Conta que Pousamos na Lua: A História dos Primeiros Simuladores da NASA

Como se preparar para pousar na superfície da Lua quando ninguém esteve lá antes?
Imagem via NASA

Como se preparar para pousar na superfície da Lua quando ninguém esteve lá antes?

Usando um simulador de voo, claro. Mas estamos em 1961, e computadores de simulação de voo ainda não existem, então você faz o que os engenheiros da NASA fizeram: constrói um simulador de vôo analógico chamado Projeto LOLA, ou Lunar Orbit and Landing Approach (Órbita Lunar e Aproximação de Pouso), no Centro Espacial Langley.

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O LOLA era um sistema de murais gigantes, iluminados, e maquetes de globos entrecortadas com fitas para demarcar pistas. Em total escuridão, pilotos dirigiam karts sobre as pistas, posicionadas em ângulos relevantes em relação às réplicas lunares, para praticar aproximação translunar e o estabelecimento de órbitas. Um campo de estrelas era projetado em primeiro plano sobre uma “bola estelar”, uma máquina de quatro eixos em cima da cabine, complementando o efeito imersivo.

O cockpit era uma cadeira encaixada em um pórtico, equipado com um circuito fechado de televisão que servia de monitor; sob a cabine, o futuro piloto da Apollo avistava a superfície lunar, que surgia por meio de uma esteira rolante, era repleta de crateras e tinha um acabamento cuidadoso de tinta acrílica. O simulador LOLA foi um projeto grande – custou à NASA US$2 milhões na época –, um indicador claro do esforço e dos recursos aplicados à corrida espacial do começo dos anos 1960.

Mas não durou muito. A máquina toda foi desmontada pouco tempo após a missão Apollo 11 passar das luas substitutas à experiência real, quando a NASA descobriu que as verdadeiras dificuldades para os pilotos lunares – isto é, o rendezvous com o Módulo de Excursão Lunar – não poderiam ser representadas no simulador.

Descobri esse fragmento de história espacial por acidente. Fotos de arquivo, de engenheiros aeroespaciais com camisas abotoadas até o pescoço, com suas silhuetas refletidas em luas de mentira, me pegaram de surpresa durante uma busca rotineira de imagens nos arquivos da NASA.

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É lindo, edificante. Um simulador de vôo é uma ferramenta criada para transformar surpresas espaciais impactantes em questões administráveis. O piloto executa os simuladores muitas e muitas vezes para se preparar, para marcar na memória muscular as obrigações que ele pode esquecer sob pressão, mas é impossível se preparar de verdade para o espaço. É possível imaginar, como todos fazemos, e até aprender a antecipar as restrições, mas a condição de ser humano está diretamente ligada à condição de estar no planeta. Sair do planeta em disparo é um estranhamento imenso. Como alguém pode estar totalmente pronto para isso?

Passando por testes nos controles do LOLA. Imagem via NASA Commons.

A maioria dos simuladores de voo, mesmo os modelos sofisticados de hoje, com sua capacidade incrível de girar e rodar, recriam a experiência dentro de um cockpit contido. São caixas de ilusões, fechadas. Já que astronautas e pilotos sempre têm uma tarefa em mãos, o simulador costuma ser uma máquina para praticar tarefas: decolar, dirigir contingências, operar maquinaria pesada.

O LOLA, no entanto, parece ter servido outros propósitos além do puramente prático – não necessariamente por conta do design, mas por consequência de seu estranho impacto visual. Diferente de outros simuladores, o LOLA era uma experiência envolvente, uma passagem para outro mundo, emulando as mais inefáveis e imprevisíveis eventualidades de um voo espacial.

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Muitos astronautas retornam à Terra com uma experiência compartilhada que chamamos de “Overview Effect” (“Efeito Panorama”): ”um senso devastador, quase espiritual, de interconectividade terrestre, me tomou quando vi o planeta de uma ótica diferente”. Muitas dessas histórias estão compiladas no livroThe Overview Effect: Space Exploration and Human Evolution (O Efeito Panorama: Exploração Espacial e Evolução Humana), do autor Frank White. O Efeito Panorama não é algo que a NASA, ou qualquer agência espacial, treine astronautas para antecipar; surge espontaneamente, porque o espaço é poderoso.

Ao olhar para as imagens surreais do LOLA, não consigo evitar a lembrança do personagem David Bowman, do livro 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke, esbarrando no famoso monólito preto no espaço e proclamando, admirado: “é oco, e não tem fim. E, meu Deus, está cheio de estrelas!”. O famoso monólito de 2001 contém o infinito dentro de um quadro sugestivamente pequeno; o LOLA, por outro lado, continha a Lua sobre o solo de um centro mundano de pesquisas, em Hampton, Virgínia. O simulador atravessou portas mundanas com os pilotos, rumo ao grandioso.

Sozinho na escuridão, coberto de pontinhos de luz, e suspenso sobre esferas iluminadas, irregulares, um astronauta não só aprendia a pousar sua nave, como também aprendia a pousar sua mente – suavemente, como um pássaro se assentando – na Lua.

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Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Jim Lovell, todos se sentaram no pórtico do antigo simulador, para se acostumar com a superfície da lua. Imagem via NASA.

Por acaso, o LOLA não foi o único simulador lunar heterodoxo utilizado pelos astronautas da Apollo. Em Flagstaff, no Arizona, a NASA transformou campos de cinzas negras, de um vulcão extinto, em uma “lua analógica” – uma simulação da planície lunar sobre a qual astronatuas podiam trotar, testando veículos exploradores, ferramentas manuais e equipamentos científicos. Para conseguir o efeito desejado, o Serviço Geológico dos Estados Unidos e a NASA explodiram centenas de crateras no solo, criando uma cópia em escala real, de aproximadamente 45 mil metros quadrados, do futuro local de pouso da Apollo 11, no Mar da Tranquilidade.

Na superfície da falsa Lua, entre Flagstaff e o Grand Canyon, os astronautas da Apollo, vestindo réplicas de trajes espaciais, aprendiam a pilotar os veículos entre crateras, coletar amostras do solo e fazer suposições escoladas sobre características geológicas. Desde a missão Apollo, campos terrestres análogos tornaram-se um componente essencial no treino de astronautas.

Geólogos vestem réplicas de trajes espaciais e conduzem simulações no campo de crateras, no lago de cinzas. Imagem via Universidade do Norte do Arizona.

Ao olhar para a Lua no céu, ainda me parece um milagre termos conseguido – em um ambiente tecnológico primitivo demais para construir um simulador decente de voos espaciais – enviar humanos até lá e trazê-los de volta. A conquista foi possível, em partes, graças a esses ambientes incríveis, esses locais de pretensão imensurável, onde ousamos trazer o espaço à Terra.

O LOLA se foi há muito tempo, e visitantes das crateras do lago de cinzas do Arizona logo descobrirão que a lua analógica original retornou a um estado pseudo-natural, embora as crateras permaneçam lá, abrandadas pelo tempo, como obras minguantes de arte sob o sol do deserto. Como entusiastas do espaço e habitantes de um futuro passado, devemos lamentar a perda desses locais, tão especiais para a história da exploração humana, onde começamos a engatinhar rumo ao espaço.

Tradução: Stephanie Fernandes