​Como as Selfies Robóticas do Google Quebraram a Quarta Parede do Street View

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Tecnologia

​Como as Selfies Robóticas do Google Quebraram a Quarta Parede do Street View

A sensação de estar visitando um museu acaba abruptamente quando você olha para um espelho e vê o olho mecânico de um robô te encarando.

O Google Art Project, projeto de digitalização de museus e outras instituições culturais similar ao Google Street View, tem como objetivo tornar as maravilhas do mundo mais acessíveis a todos. Ao tentar alcançar esse objetivo, o projeto nos permitiu vislumbrar o estranho espaço que separa o mundo real do mundo digital: a sensação de estar visitando um museu acaba abruptamente quando você olha para um espelho e vê o olho mecânico de um robô te encarando.

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A máquina, que parece o HAL-9000 de vestido longo, segura as câmeras que o Google utiliza para capturar as imagens que formam suas versões digitais dos museus; seus olhos que nunca piscam nos guiam pelo mundo virtual. O projeto traz à tona questões complexas ligadas à internet, como "o quê", "quem" e "onde"; justamente as questões que tornam essa tecnologia um tópico tão interessante.

Esses breves momentos tem um quê intrigante de New Aesthetic, e vários artistas têm tentado capturar essa vibe desde o início do Art Project, em 2011. Na época, Chadwick Gibson começou a juntar esses flagras acidentais das máquinas do Google para um projeto chamado Googlegeist. O artista Mario Santamaria teve a mesma ideia alguns anos depois, quando começou seu próprio projeto, The Camera in the Mirror, uma coletânea dessas imagens fantasmagóricas.

"Quando eu vi essas imagens pela primeira vez, tive uma sensação muito forte de estar por trás dos panos, uma coisa meio como a quebra da quarta parede", Gibson me contou. "Essa coisa está olhando para nós, e o espelho é o meio que conecta esses dois mundos."

Esses robôs-carrinhos – com nove câmeras HD de quarta geração do Google dispostas em arranjos em suas "cabeças" – tem personalidade, e até mesmo um pouco de sensibilidade fashion. As últimas versões das máquinas tem uma capa sci-fi chic e câmeras distribuídas em uma formação assimétrica, lembrando um Dalek. "Essas máquinas parecem um misto de HAL-9000, Johnny Five e um mago."

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As imagens captadas por Santamaria foram muito compartilhadas na internet, mas elas eram tão parecidas com as imagens do Gibson que Santamaria decidiu mudar o nome do projeto e remover algumas das imagens da série. A obra do Gibson é mais contundente e única, visto que já cruzou a linha entre o físico e o digital, com os seus "furtos" de imagens do Art Project, que são expostos como imagens estereoscópicas amassadas.

Essas máquinas têm, definitivamente, uma presença marcante. Elas se destacam em meio a obras de arte e decorações floreadas, criando um contraste metálico com esses ambientes. Em várias das imagens podemos ver espelhos emoldurados por cortinas, o que aumenta a semelhança com o Mágico de Oz; temos a sensação de que estamos presenciando a descoberta do maquinário por trás do panóptico do Google.

"Eles são meio fofos, mas também são um pouco assustadores", disse Gibson. "Todo mundo fala do Google como se ele fosse uma criatura onisciente, quase um Deus. Acho que as câmeras, os corpos e todo o restante dessas máquinas são a personificação perfeita disso."

Esses encontros com as máquinas são pequenas falhas na versão digital perfeita do nosso mundo que o Google está tentando criar. Eles se esforçam bastante para minimizá-las. Além de borrar o rosto das pessoas capturadas em suas imagens, seus algoritmos são bem eficazes em sumir com qualquer vestígio do equipamento no qual essas câmeras são acopladas (tente olhar para baixo no Street View).

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TODO MUNDO FALA DO GOOGLE COMO SE ELE FOSSE UMA CRIATURA ONISCIENTE, QUASE UM DEUS.

Os operadores dessas câmeras aparecem enventualmente no Googlegeist, apesar de receberem a instrução de evitar espelhos e sempre posicionar a câmera de forma a evitar que o resto do equipamento seja fotografado. Em museus e casas de ópera, lugares repletos de espelhos, isso nem sempre é possível.

"O objetivo deles é recriar um museu de modo mais detalhado possível, de forma que as pessoas possam visitá-lo da mesma forma que que o visitariam na vida real", disse Gibson. "Qualquer falha ou imagem acidental da máquina utilizada nessa ilusão pode estragar a experiência dos espectadores, fazendo eles começarem a questionar o que estão vendo e pensar se as imagens são fidedignas ou não."

Gibson observou o processo em primeira mão quando expôs suas imagens estranhas em uma pequena galeria de Los Angeles, no qual ele contratou o Google para digitalizar suas obras. O resultado foi uma exibição metalingúistica e de fritar os neurônios dos autorretratos acidentais do Google. Os visitantes podiam explorar a exposição pelo Street View, em um computador presente na própria galeria.

De certa forma, as imagens são bastante mundanas. É claro que você não vai se ver ao olhar para um espelho pelo Google. Essas imagens não geram uma epifania sobre uma operação secreta que o Google expôs sem querer; ao invés disso, o projeto instiga o questionamento acerca de nosso papel como usuários de tecnologia. Quando você está mexendo no Street View e alguém aponta para algum lugar e te manda "ir para lá", você sabe o que fazer, mesmo não sabendo o que "ir" ou "lá" significam nesse contexto.

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Ainda assim, o Google parece genuinamente interessado em criar uma representação do mundo real sem nenhuma falha ou fronteira conceitual.

"Queremos registrar o mundo", disse o diretor do Google Maps, Luc Vincent, para o New York Times.

O Street já é compatível com alguns headsets de realidade virtual, tecnologia que o Google quer disponibilizar para a maior quantidade de olhos possíveis. Essas falhas representam buracos na obra-prima que o Google quer pintar; aposto que até as menores delas serão consertadas em prol dessa experiência.

Imagens como essa representam um momento no qual explorar o nosso mundo está se tornando uma atividade cada vez mais mediada. Isso não é muito preocupante, apesar de ser uma afirmação meio assustadora. Estamos em uma fase de transição tecnológica, na qual a realidade está sendo aumentada e simulada para nos trazer experiências que não poderíamos ter, em lugares que não poderíamos visitar. Olhando por esse lado, podemos considerar esses Grandes Inquisidores como nossos amigos… ou até mesmo uma versão de nós mesmos. De qualquer forma, deveríamos prestar mais atenção nessas mudanças.

"Espero que as pessoas olhem para essas obras e aprendam sobre como essas tecnologias insidiosas funcionam, e que deixem de lado a paranóia que as impede de participar nisso tudo", disse Gibson. "Eu prefiro ter pessoas bem informadas mexendo com essas tecnologias, porque aí podemos direcioná-las para algo bom. Acho que esse ponto de vista é mais produtivo e subversivo do que refutar e ter medo do que é novo."

Tradução: Ananda Pieratti