PewDiePie, num cartaz de um manifestante do Anonymous (por Anonymous9000) e screenshots de telejornais.
Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .A mídia mainstream não vai bem nesta década. Frequentemente condenada por razões legítimas (escândalos de escutas telefônicas, o veredito de Hillsborough, tabloides fazendo o possível para incitar crimes de ódio), além de outros mais ridículos (toda aquela bobagem do complexo de notícias falsas na Macedônia), a confiança do público em jornalistas e âncoras de TV está mais baixa que nunca.Por quase uma década, uma geração vem decidindo sozinha quem quer ouvir, e as redes sociais já ultrapassaram a TV como o lugar onde pessoas de 18 a 24 anos buscam notícias. O que não é uma grande surpresa: é infinitamente mais fácil se identificar com as pessoas no Facebook, YouTube e Twitter — caras e minas como você e eu, não membros da mídia mainstream, que aparentemente vêm mentindo para gente nos últimos dez anos — ou mais. Ainda assim, recentemente, a velha mídia começou a contra-atacar, ameaçando a autonomia e a renda de personalidades estabelecidas da internet.PewDiePie ascendeu à fama graças a um dos aspectos mais fascinantes da cultura do YouTube: a vontade dos espectadores de assistir outras pessoas jogando e reagindo a videogames. Valentina Palladino, da Ars Technica, propõe que isso se deve aos chamados "neurônios-espelho" — basicamente uma parte do cérebro que acende quando assistimos alguém fazendo algo de que nós gostamos de fazer. E pode ser também a conexão empática entre espectador e apresentador. Essas pessoas são como nós. Elas jogam videogames, peidam, gostam de memes. Não são o Michael Palin se pavoneando em Calcutá. Os espectadores se identificam com essas pessoas não como com celebridades, mas como amigos, como colegas de sala de bate-papo do UOL que fizemos nos primórdios da internet.O problema é o seguinte: a mídia tradicional julga a si mesmo e aos outros por padrões e métricas totalmente diferentes, o que criou uma dicotomia interessante. É por isso que, quando alguém como PewDiePie — herói de milhões de garotos — contrata dois indianos via Fiverr para dançar segurando um cartaz escrito "MORTE A TODOS OS JUDEUS" e posta em seu canal, a reação dos meios de comunicação estabelecidos e do exército de fãs de Pew é consideravelmente diferente.PewDiePie fazendo piadinhas sobre o Holocausto não significa nada para seus fãs, a não ser só outra pegadinha. Mas em meios como o Wall Street Journal isso foi recebido com uma desaprovação chocante — primeiro por ele pensar em fazer algo assim, segundo por receber um apoio tão grande dos assinantes de seu canal.E isso, claro, não é a resposta errada; você não precisa ser Tipper Gore para achar errado fazer brincadeiras antissemitas. Mas não é surpresa que o WSJ tenha ficado confuso com a reação dos fãs, já que estrelas como PDP têm uma relação com seus seguidores muito diferente da relação que o WSJ tem com seus leitores. Quando uma figura pública é seu amigo, pelo menos na sua cabeça, você dá a ela o benefício da dúvida, como faria com um amigo na vida real. Mesmo que a pessoa tenha feito algo muito escroto, você vai usar toda a ginástica mental disponível para aliviar a responsabilidade dos seus favoritos.A principal ferramenta utilizada aqui é a palavra "contexto", o cartão de "saída livre da prisão" para astros do YouTube que fazem piadas que nunca seriam aceitas na mídia mainstream (ou na sociedade educada). De certa maneira você sente que não é só do contexto das palavras que eles estão falando, mas do contexto do YouTube em si, como fenômeno. De qualquer maneira, na maioria das vezes a máxima do contexto não funciona; só expõe a ignorância proposital dessas pessoas, que muitas vezes se recusam a aceitar a responsabilidade por suas ações. E por que deveriam? O que a mídia mainstream tem a dizer sobre elas é praticamente irrelevante; seus fãs continuam assinantes do canal, a publicidade dele ainda gera milhões em renda, então seu trabalho e dinheiro não são afetados. Só que agora a maré está começando a mudar.Depois da gafe de Pew, seu contrato com o Maker Studios — criado para YouTubers — foi cancelado. Desde que a Disney adquiriu o Maker em 2015, a empresa vem sendo atormentada por demissões de funcionários e críticas de YouTubers, e excomungar PewDiePie só jogou mais lenha nessa fogueira. Muita gente no YouTube, e na internet em geral, começou a se voltar contra a imprensa por destacar as indiscrições de Pew, e contra o Maker por cortar laços com o vlogueiro.H3H3, o casal real do YouTube, de quem falamos no começo do ano, se envolveu numa treta com o Wall Street Journal e seu jornalista Jack Nicas. No final de março, Nicas escreveu uma matéria dizendo que o YouTube estava monetizando vídeos racistas e ofensivos, mostrando comerciais de marcas como Coca Cola antes de conteúdo escandaloso. Como resultado, Ethan Klein do H3 — além de muitos outros YouTubers populares — disse que seus vídeos estavam sendo desmonetizados sem aviso, o fazendo perder uma quantidade considerável de renda. Ele então fez um vídeo dizendo que Nicas tinha falsificado provas em sua matéria e editado screenshots de propagandas antes de vídeos ofensivos, mas depois tirou o vídeo do ar e se desculpou pela conclusão apressada a que tinha chegado (apesar da desculpa ser voltada principalmente aos fãs, não a Nicas). A teoria da conspiração foi criada, e derrubada, em questão de horas.Mas não são apenas aqueles diretamente afetados que estão comprando essa teoria da conspiração. Vídeos como o citado acima tiram suas próprias conclusões sobre por que a mídia mainstream ia querer prejudicar a renda dos youtubers. Por inveja, malícia, subterfúgio. Para essas pessoas, é impensável que a cobertura do mainstream do drama do YouTube seja apenas uma notícia como qualquer outra. Tem que ser algo maior. E isso vai direito ao topo, como sempre.Esse tipo de discurso — e as reações quase imediatas e os desvios subsequentes — só poderia acontecer na internet. Quando Ethan Klein diz o que está pensando, suas hordas de fãs vão defendê-lo até o fim, estando ele certo ou errado, e pessoas como Jack Nicas vão ter que lidar com o peso bruto dessa reação. Nicas estava atacando o amigo deles, e o que você faz quando alguém ataca seu amigo? Você acaba com a pessoa.Para algo tão vastamente influente como o YouTube, é bizarro que a mídia mainstream tenha mantido distância por tanto tempo. Talvez ela achasse que sua hegemonia era intocável, que podia mudar e se adaptar; escrever blogs ao vivo e colocar paywalls. Ou talvez a mídia mainstream não quisesse olhar o YouTube de frente, porque a velocidade das mudanças é assustadora — miniculturas e tendências são incubadas, disseminadas e mortas em questão de dias.As duas coisas teriam existido felizes separadas para sempre, mas agora estão começando a cheirar a bunda uma da outra. A polêmica está sendo cortejada, e isso cria problemas em potencial para os dois lados. Se antes os youtubers não davam a mínima para o que o Wall Street Journal dizia, agora que sua renda está sendo afetada eles serão obrigados a prestar atenção, e a batalha só vai ficar mais feia.As celebridades estão mudando, mas isso é diferente da Zoella filmando sua vida e vendendo maquiagem, estrelas do Instagram ou qualquer coisa do tipo. Essa é uma questão de pessoas com milhões de fãs se tornando politizadas, chamando jornalistas de falsificadores e colocando para ferver uma guerra entre o velho e o novo. No final das contas, o vencedor vai ser decidido por quem as pessoas levam mais em consideração: amizade ou escândalo.@joe_bishTradução: Marina SchnoorSiga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.
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Essas pessoas são como nós. Elas jogam videogames, peidam, gostam de memes.
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Além do acordo com o Maker, PewDiePie não foi realmente muito afetado pela polêmica; ele é grande demais para que uma piada com o Holocausto o derrube. Mas o mesmo não pode ser dito de canais cuja influência não é tão enorme.Muitos canais têm reclamado que seus vídeos estão sendo desmonetizados. Isso, segundo eles, se deve ao YouTube intensificando as regras do que é considerado polêmico: se um vídeo não é apropriado, uma marca não vai colocar sua propaganda nele. Mas as definições do site do que é polêmico parecem ter mudado. Qualquer alusão à religião, violência, linguagem imprópria e sexo são indesejáveis agora. O modelo estabelecido de meritocracia — se consegue visualizações, você consegue a grana — parece estar mudando, e alguns youtubers já pensam em abandonar o barco.Muitos canais têm reclamado que seus vídeos estão sendo desmonetizados. Isso, segundo eles, se deve ao YouTube intensificando as regras do que é considerado polêmico.
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