As Surpreendentes Ilustrações de Rafael Coutinho para o Barão de Munchausen
Vários originais do livro. Crédito: Rafael Coutinho/Cosac Naify

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As Surpreendentes Ilustrações de Rafael Coutinho para o Barão de Munchausen

Conversamos com Rafael Coutinho, o ilustrador que viajou nas histórias fantásticas da primeira edição completa em português das aventuras do Barão de Munchausen.

Dos profetas bíblicos ao Forrest Gump, a história é cheia de contadores de história. E poucos são tão loroteiros quanto o Barão de Munchausen. Primeiro aventureiro alemão da estirpe de Marco Pólo, Homero e Gulliver, o nobre ficou conhecido por causos que vão de caçadas épicas a viagens à lua em um salto de algumas linhas. O livro As Surpreendentes Aventuras do Barão de Munchausen (Cosac Naify, 2014) traz todas, pela primeira vez, traduzidas para o português. De quebra, também vem o tratamento do ilustrador Rafael Coutinho.

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"A ideia era tentar um caminho mais subjetivo, mais poético", disse ele, num papo por telefone. Filho da cartunista Laerte, o Rafael chegou estourando as prateleiras dos quadrinhos em 2010 com a obra "Cachalote", em parceria com o escritor Daniel Galera. Dali em diante o lápis dele foi colecionando trabalhos até que surgiu o convite, no final de 2013, para dar forma e cor às fantásticas expedições do Barão de Munchausen. "O Barão foi um jeito de expurgar os limites de como a gente acha que tem de ser os quadrinhos", contou ele.

Um tanto de originais. Crédito: Rafael Coutinho/Cosac Naify

Em páginas duplas, com fundo branco ou texturas, em tinta aquarela, em traços realísticos ou cartunescos: os desenhos do Rafael exploram a fantasia do Barão que diz ter conhecido os rincões da Ásia, tribos africanas, as entranhas da Terra e até o espaço. Na conversa o Rafael falou pra gente como foi trabalhar com essas ideias, como se desenrolou a criação das suas ilustrações e qual a opinião dele sobre a ficção exagerada ou realidade extrapolada atribuída ao aventureiro alemão.

Motherboard: Como você entrou nessa?

Rafael Coutinho: Eu cheguei a ler uma versão do livro quando era garoto. Pelo meu pai ou pela minha mãe. Lembro de ver o filme As Aventuras do Barão Munchausen [de 1988, do diretor Terry Giliam] logo que saiu. Acho que ele me marcou mais que o livro. Quando a Cosac entrou em contato eu me ofereci prontamente pra fazer o livro. Queria muito fazer. Eles me contaram que meu pai tinha feito uma versão do livro. Conversei com ele, vi a versão dele, mas antes de ver a versão dele eu ja tinha me oferecido. Fazia muito sentido para o que eu estava buscando na época. Eu estava atrás de novos ares, estava um pouco cansado do meu traço. Queria abrir um pouco isso e o Barão parecia uma excelente plataforma.

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Aquarela e ecoline. Crédito: Rafael Coutinho/Cosac Naify

Por quê?

É tudo muito insólito. O livro vai por caminhos muito absurdos. Me pareceu ter um potencial muito infinito dentro das mentiras que o Barão conta. Eu queria testar diferentes linguagens em um só livro. Cada camada de fantasia que o livro apresentava me parecia ser uma desculpa perfeita para tentar um novo caminho gráfico.

Quais caminhos foram esses? Pra onde você foi?

Ficamos quase cinco meses testando coisas. Fiz diferentes interpretações do livro. Acho que eu até perdi o controle de tanto que eu testei. Depois ficou claro que os caminhos mais maduros eram o uso de lápis grafite, lápis de cor aqualerado, o ecoline e o nanquim preto. Do ponto de vista poético era algo mais próximo do realismo, um eixo entre o realismo e o cartunesco, vamos dizer assim.

Dá pra ver que existe uma díade, mesmo. Um dos navios que ilustram o livro lembram até o traço do seu pai, enquanto outros tem mais sua linha caraterística.

Cada capítulo que aparecia era uma nova oportunidade. O desafio maior era tentar controlar isso. Toda vez que eu achava que tinha encontrado o caminho e concordava com os editores sobre isso, um novo caminho aparecia. No final a gente não aguentava mais tentar nada novo.

Mais originais do livro. Crédito: Rafael Coutinho/Cosac Naify

Quanto tempo durou o trabalho todo?

Me coloquei como possibilidade em dezembro e lembro claramente que eles me ligaram em janeiro. Era uma coleção que eles faziam com artistas plásticos e eu quase não me encaixava. Era mais artística, vamos dizer assim, e menos ilustrativa, se é que dá pra fazer essa distinção. Acabei sendo aprovado talvez por ter sido um pouco artista plástico em algum momento da vida.

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Como você buscou referência pra criar as imagens?

Foi mais literária do que imagética. Li e reli seis ou sete vezes o livro. Era uma versão do livro publicada pela editora Iluminuras. Foi nosso ponto de partida. A Cosac foi ousada em traduzir a versão final do Raspe. Não foi essa versão que se popularizou. A versão que se popularizou tinha uma série de aventuras que acabaram caindo. Na versão do autor ele anexou uma série de histórias na África e na América do Norte. Isso orientou o livro: estudar os textos do Raspe e encontrar uma forma gráfica de reproduzir isso. Me baseei muito nas coisas que o Gustave Doré fazia. De forma alguma eu não queria fazer o que ele fez porque ele é um grandíssimo mestre e porque ele tinha uma visão do século 18. Tinha que haver um equilíbrio entre uma abordagem moderna e algo relativamente clássico.

Um balão que levanta um castelo parece ficção mesmo. Crédito: Rafael Coutinho/Cosac Naify

Isso aparece também nas cores? Você cuidou disso também, né?

Sim, fiz todo o conceito. A editora também deu total abertura para eu tentar o que quisesse, até quando eu estava equivocado.

Você produziu as imagens num fluxo único ou foi em outro ritmo?

Foi tortuoso porque o processo teve de acompanhar o ritmo do tradutor. Eu não sabia qual seria a segunda parte, sabia dos textos em inglês. O livro foi feito em duas partes. A primeira parte tem as histórias mais conhecidas pelo público, então eu fiz num fluxo mais contínuo. A segunda parte teve de se diferenciar da primeira, então eu não sabia exatamente como. Ela seria um grande encaixe de uma ilustração única, a aventura contínua do Barão na África e na América do Norte. Foi nos 49 minutos do segundo tempo que a gente mudou isso porque eu tinha feito desenhos enormes. Eles ficariam muito reduzidos se ficassem todos de uma vez, então as meninas da diagramação encontraram uma solução. Foi como cineastas descobrindo o filme na edição. É um caminho do tesouro. Foi um processo de descoberta por mais que o conceito tivesse sido decidido desde o começo.

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Qual era o conceito?

A ideia era apresentar pranchas que fossem um resumo não literal do capítulo. Pranchas que evocassem uma mágica que estava envolvida no capítulo, mas que não fossem ilustrações. A ideia era tentar um caminho mais subjetivo, mais poético. A gente pensou nessa coisa da composição da página.

Quantas ilustrações ao todo?

Confesso que me perdi depois do número 40. Cada ilustração eu fazia por pedaços, eu testei diferentes formas de montagem de sobreposição e encaixe. A quantidade de ilustrações que eu fiz era muito maior.

Me parece que algumas não tem começo nem fim…

Isso é algo que tenho tentado. Isso me ajudou muito a entender como fazer quadrinhos a partir daqui porque tenho tido uma grande vontade de sair dos quadrinhos. O grid é muito opressor. O Barão foi um jeito de expurgar os limites de como a gente acha que tem de ser os quadrinhos.

E a última leva de originais. Crédito: Rafael Coutinho/Cosac Naify

Agora, com a obra pronta, como você enquadra o resgate desse trabalho de literatura fantástica? Qual a importância do livro?

A primeira coisa que fica muito evidente no Barão é que ele não respeita a moralidade da nossa época. Existe uma coragem editorial muito forte em se publicar a versão que respeita o original do autor. Em 1700 e pouco, o que eles entendiam como violência ou algo para crianças ou educativo era de outros valores. Ele caça animais, às vezes é bem violento. Assim como nos contos dos irmãos Grimm aparece uma senhora que come crianças e temos de vencer nossos pudores. A gente vive uma época muito controlada, vigiada, em que a fantasia e a criatividade precisam enfrentar códigos morais. É uma época de pudores. Esse é um livro muito livre, muito solto mesmo. A delícia dele está em ser esse livro onde tudo pode. As mentiras do Barão eram realmente um artifício para que a fantasia perca o controle e posso ir para os mais variados lados possíveis.

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Também não deixa de ser uma aula de uma época. Encontrar novos mundos. A tônica de aventura da época era outra, você começa a entender a tônica de política daquela época. O próprio Raspe era alemão e se posicionava frente ao que era a Inglaterra na época. Pra adultos também é um prato cheio de geopoítica.

Você acha que não tem nada de real nessas histórias do Barão?

A história reza que o Barão existiu e que o Raspe ouvia as histórias que o Barão contava na porta de casa, mas a minha teoria é outra. Eu prefiro não contar porque ela é polêmica demais.

Mas pode causar polêmica!

O livro tem várias camadas. Se você permitir, ele não é só uma história de aventura, não são apenas causos. As mentiras começam pequenas e vão crescendo a medida que o livro vai andando. É difícil dizer se o Barão existiu ou não, se o Raspe ouvia ou não essas histórias. Dá sensação de que o Raspe tenha inventado tudo isso. Ou se até ele é um personagem porque em dado momento ele vira um personagem, também. Fica aberto.