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Música

O Argentino Barem Vê na Cena Eletrônica Sulamericana uma Família

De passagem pelo Brasil, o produtor fala como tomou as rédeas da sua carreira ao criar um selo, sair em turnê pela América do Sul e reforça a ideia de que a cena local bate de frente com o homogêneo EDM global.
Divulgação

Faz dez anos desde que Mauricio Barembuem estreou com seu primeiro EP, Campo Madness. Nessa década, o DJ e produtor portenho acumulou experiência, rodou o mundo, viveu em Berlim, fez e refez a cartilha do artista de eletrônica. De volta à Argentina, o produtor entendeu que era hora de tomar as rédeas da carreira com as duas mãos: criou um selo, saiu em turnê pela América do Sul e reforça a ideia de que a cena local bate de frente com o homogêneo EDM global.

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Em sua primeira passagem pelo país depois de tocar no Tomorrowland Brasil, Barem fala do selo Fun Records, que fundou ao lado de Alexis Cabrera. Em 2005 Barem tinha assinado com o selo Minus — do britânico Richie Hawtin. Desde então, ele toca em clubes e festivais de vários países, como Tomorrowland e o TimeWarp. "Eu não poderia ter vivido isso se não tivesse me dado bem com a música", diz.

Leia: "Ouça um Som do '001', Debut do Selo Fun Criado pelos Argentinos Barem e Alexis Cabrera"

Pelo mundo, Barem cultivou a ideia de um eixo cosmopolita de cena eletrônica entre os principais centros urbanos da América do Sul. O seu bolivarismo musical, no entanto, acontece mais na Europa. "O interessante é que, ao estar longe de casa, surge um sentimento de comunidade maior do que se estivéssemos em nossos próprios países", diz ele.

Durante esse período ele também presenciou a virada mundial da música pop para a música eletrônica. O argentino entende que a representatividade dos DJs hoje em dia é uma benção e uma maldição para a música eletrônica."Hoje, prefiro que um adolescente escute Calvin Harris que Miley Cyrus", diz. "Talvez em pouco tempo ele fique de saco cheio disso e busque outros sons."

Barem acredita que menos é mais. Em seu último álbum, o EP Circles, o argentino escapou para camas de percussão mais cheias, mas os ruídos breves e repetidos que ele traz da última década marcam presença e ritmo. Se não acredita em uma ditadura do EDM por aqui, tampouco acredita que artistas possam ditar uma moda. "Se algo é tendência ou não depende mais do público e dos meios de comunicação que de nós mesmos", diz.

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Com seu novo selo na pista, Barem pretende retomar a Argentina que lhe alavancou para o mundo. O produtor toca em clubes na região de Buenos Aires ao menos até fevereiro. Dali em diante, ele não sabe o que virá, mas sabe que estará na corrida para descobrir os novos mundos. "Como artista, quero continuar a produzir para o meu selo e para outros e, como fundador, vou em busca do que virá a seguir."

Barem conversou com o THUMP antes de embarcar pra São Paulo, onde tocou na última quinta (10). O produtor argentino está em uma minitour pelo Brasil, onde ainda toca na Cave, no Rio, nesta sexta (11) e no sábado (12) ele estará no lineup da Levels Day Party em Porto Alegre e ainda encontra fôlego pra colar na Beehive, em Passo Fundo, também no Rio Grande do Sul. Acompanhe a conversa.

THUMP: Você acredita que seja possível criar uma cena de música eletrônica na América do Sul, como um intercâmbio entre Buenos Aires e São Paulo?
Barem: Acredito que já exista essa cena. E faz tempo. O que acontece é que ela acontece muito mais na Europa. Por exemplo: em todos os anos que vivi em Berlim, conheci muito mais artistas sul-americanos que vivendo na América do Sul. O interessante é que, ao estar longe de casa, surge um sentimento de comunidade maior do que se estivéssemos em nossos próprios países. Mas a conexão existe, seja onde for, porque viemos daqui e nunca seremos europeus. E quanto ao intercâmbio, ele acontece a todo o tempo. Agora mesmo fiz um remix para Albuquerque que sairá no selo Warung que, para mim, é uma família muito querida com quem compartilho experiências e amizades há muito tempo. Da mesma maneira, tenho coisas parecidas no Uruguai, no Chile, no Peru, etc. E acredito que a maiora dos meus colegas também, com os quais vejo que esse intercâmbio existe há muito tempo e não vejo razões para desacreditar nisso.

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Com a chegada de festivais importantes como Tomorrowland e EDC ao Brasil, você acredita que a América do Sul pode dar uma guinada em direção ao EDM, ao house progressivo e à música mais pop em detrimento das cenas locais?
Essa guinada ao house progressivo aconteceu antes, desde quando eu era garoto e esse gênero era bem conhecido. A virada pro EDM e pro pop é algo mais novo. Nos anos 90 e nos anos 2000 uma artista pop conhecida era a Britney Spears. Hoje, um artista pop é qualquer DJ que, bem gerenciado, faça ou toque uma faixa que funcione na pista. Não vejo muita diferença entre o que faz a Britney Spears e o Calvin Harris, para dizer apenas um em um monte. Nunca gostei nem gostarei de música desse estilo, nem o que essa música representa. Mas, por outro lado, o fato de que o pop de hoje em dia seja mais dos DJs faz com que outros DJs como eu tenhamos outro peso, ainda que a música seja completamente diferente. Pode ser também que o pop sature tanto a cena eletrônica que, no final, todos sejamos prejudicados, mas tampouco podemos lutar contra isso. Hoje, prefiro que um adolescente escute Calvin Harris que Miley Cyrus. Talvez em pouco tempo ele fique de saco cheio disso e busque outros sons. Talvez faça o que a gente faz e entenda melhor de onde vem os estilos realmente underground, como o techno, o house, o drum and bass, etc.

Agora, se isso tudo se dará em detrimento das cenas locais, sinceramente eu acho que não. Quem é parte da cena local não vai pro EDM. Essa pessoa está mais evoluída. O EDM captura gente nova, não converte quem faz parte da cena. E acredito que os clubes underground na sua maioria não se converteram para o EDM. Ficaria muito surpreso se isso acontecesse. Esse tipo de festivais geram mais gente interessada pela música eletrônica e todos podem chegar a estilos mais genuínos com o tempo, que podem estar ao alcance dentro do mesmo festival.

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Não vejo muita diferença entre o que faz a Britney Spears e o Calvin Harris.

Não são poucos os artistas que dialogam com sua música: Maya Jane Coles, Bonobo, Gui Boratto e Nicolas Jaar são alguns deles. Você acredita que sua música, assim como a música desses artistas, é uma tendência na música eletrônica? Ou se trata de um subgênero dentro de uma escala global.
Na verdade, não sei. Falar de gêneros hoje em dia me parece um pouco inútil. A exceção da divisão em grandes famílias, não se pode fazer muito mais. Quando ouço falar de algum subgênero novo eu geralmente dou risada. Todos os dias inventam uma nova etiqueta para faixas, colocam-nas em estilos determinados. Bem, tem muita gente com um som particular e próprio. Isso vai além do que seja somente o estilo. Em parte, existem estilos únicos de cada um que, somados, soam de maneira também única. Se é tendência ou não depende mais do público e dos meios de comunicação que de nós mesmos.

Quando escutei seu último trabalho, Circles, senti um destaque para os compassos repetidos, texturas mais graves, transições prolongadas, enfim, algo mais deep e obscuro e menos techno ou house per se — embora ainda soe minimal. Como você percebe seu trabalho?
Acredito que ele muda segundo o que me parece que tenho de fazer no momento. É um pouco como um DJ set. Não ponho os discos que toco à tarde, numa festa aberta, em um clube, durante a noite. Dependendo do selo para o qual estiver produzindo, oriento o som para algum ou outro lado, sem deixar de ser eu mesmo, é claro. Mas sempre gosto do techno, do house e de outras coisas entre isso. E por outro lado sempre gostei mais do minimalismo que de algo barroco. Dentro desses parâmetros eu me movo com bastante liberdade e espontaneidade, mas sempre pensando qual o objetivo das faixas e dos remixes.

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Desde 2005, ano do lançamento do seu EP, você é considerado um dos nomes mais importantes da cena eletrônica argentina. O que mudou desde sua estreia?
Meu primeiro EP foi lançado em 2005 pelo selo Unfoundsound. Meu primeiro vinil é de 2006. Isso mudou completamente a minha vida. Até ali eu não sabia se queria ou se poderia viver de música. Hoje isso é uma realidade pra mim há dez anos. Todo meu mundo de hoje é diferente do que vivia em 2005. A exceção de família e amigos, tudo o mais eu não poderia ter experimentado ou vivido se não tivesse me dado bem com a música. O que eu mais curto disso tudo é ter conhecido tantos países em tão pouco tempo e manter contato com pessoas em quase todos eles. Acredito que isso é algo muito interessante, algo que te forma como pessoa a partir de outras perspectivas. Quanto à música, o meu estilo mudou muito. Sempre busco algo diferente, não fico em apenas uma coisa.

E em Buenos Aires, o que mudou na cena musical desde sua estreia? Como essas mudanças te afetam?
Mudou pra melhor e pra pior. Houve momentos ruins desde 2006, mas agora é um bom momento. Como tudo em nossos países, é algo que vai e volta e tudo é afetado pelas modas europeias e norte-americanas. Hoje, em Buenos Aires, há muitíssimos clubes, festivais e muito interesse pela música eletrônica. O público jovem está enlouquecido com esse movimento e isso faz com que haja cada vez mais artistas e gente produzinho. Se antes era algo mais cult, hoje é mais popular e isso cria mais lugares para novos talentos.

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Por que você criou seu próprio selo, o Fun Records?
Acredito que estava na hora de fazer algo próprio. Depois de quase dez anos no Minus, se saí foi para fazer algo melhor e não me enfiar em outro selo. Cresci e aprendi muito nos anos ao lado do Richie Hawtin e seu grupo, mas, como aconteceu a quase todos, pouco a pouco começamos a buscar nosso próprio caminho.

Quais serão os primeiros lançamentos do seu selo?
O selo é conduzido pelo Alexis Cabrera e por mim, porque a maioria dos EPs serão nossos. O FUN001 é de nós dois. O 002 é do Alexis, o 003 provavelmente será meu ou do Federico Molinari e depois não sabemos. Como começamos há três meses, ainda não queremos nos apressar a escolher músicas que dentro de um ano talvez não nos pareça tão moderna.

O pop pode saturar a cena eletrônica.

Por que tantos artistas de música eletrônica criam seus próprios selos? Na sua análise, por que isso acontece?
Possivelmente pela independência que isso te dá e pelo prestígio que isso gera — se o selo faz sucesso. Trabalhar com outros selos é legal, mas ter êxito com algo próprio é muito mais gratificante. Acredito que a maior parte dos artistas que fazem parte de selos grandes em algum momento criam o seu próprio. E quem não tem espaço, cria seu selo desde o começo para crescer com um grupo de outros artistas jovens que queriam mostrar o que fazem, somar forças.

Quais são seus planos para os próximos meses como artista e fundador de um novo selo?
Agora vou me dedicar mais tempo à América do Sul. De novembro a fevereiro voltarei a viver em Buenos Aires e farei uma turnê solo pela região. Eu gosto de ficar perto da família e dos amigos no final do ano. Como artista, quero continuar a produzir para o meu selo e para outros e, como fundador, vou em busca do que virá a seguir. É um trabalho sem fim e essa é uma das coisas mais legais que tem.

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