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A Primavera Chegou Mais Cedo Na Bósnia

A fúria explodiu na cidade de Tuzla duas semanas atrás depois do fechamento da fábrica de móveis Konjuh, uma das muitas empresas a fechar depois que o governo privatizou várias indústrias nos últimos anos.

O palácio presidencial em chamas, em Sarajevo, no dia 7 de fevereiro de 2014. Todas as fotos por Minel Abaz.

A fúria explodiu na cidade industrial bósnia de Tuzla duas semanas atrás, depois do fechamento da fábrica de móveis Konjuh, uma das muitas empresas a fechar depois que o governo privatizou várias indústrias nos últimos anos. Trabalhadores, estudantes, aposentados e outros cidadãos decidiram então marchar pela cidade, gritar contra os políticos, enfrentar a polícia e, por fim, destruir prédios do governo.

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A Bósnia e Herzegovina, ou BH para encurtar, tem visto muito caos econômico em sua curta história. E com um desemprego na marca estarrecedora de 44% há anos (57% entre os jovens), a raiva se espalhou pelas ruas.

Enquanto as imagens de destruição e brutalidade policial emergiam em Tuzla, protestos em todo o país começaram a tomar impulso. No dia 7 de fevereiro, centenas de pessoas cercaram o Palácio Presidencial na capital Sarajevo e incendiaram o prédio. Protestos similares, de tamanhos e intensidades variados, aconteceram em frente a gabinetes do governo por todo o país – incluindo um em Banja Luka na República Sérvia – o que é notável, levando-se em consideração que a população sérvia, em geral, não concorda com os croatas e bósnios.

No sábado passado, a Al Jazeera informou que 300 manifestantes se feriram – a maioria em Sarajevo, onde um vídeo foi feito mostrando a polícia empurrando dezenas de manifestantes da beira de um canal.

Grupos informais de protesto se formaram, incluindo o UDAR e o Revolt, visando organizar os protestos e estabelecer conselhos de cidadãos conhecidos como plenums. As demandas da população ainda precisam ser determinadas, mas a maioria pede a renúncia e cortes de salários de políticos, e fundos expandidos para serviços aos trabalhadores e desempregados.

Muitos oficiais regionais, incluindo o primeiro-ministro do distrito de Sarajevo, renunciaram. Outros fugiram do país. Uma votação recente mostra apoio de 88% ao levante em três territórios – um número surpreendente, considerando a tensão étnica que caracteriza a nação, dividida desde que nasceu das cinzas do estado multiétnico da Iugoslávia.

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Ao escrever para o Guardian, o filósofo esloveno Slavoj Žižek vê a Primavera Bósnia não só como uma quebra potencial no equilíbrio dos levantes, mas também imagina um renascimento do lema do General Tito para o Estado Iugoslavo: “Unidade e Irmandade”.

No entanto, seriam os protestos realmente tão antinacionalistas ou conscientes de classe como poderíamos esperar? Ou são meramente um escape para a frustração cada vez maior e o encolhimento das oportunidades da juventude da BH? Conversei com Minel Abaz, um estudante ativista de Sarajevo, para tentar descobrir.

VICE: Qual é sua perspectiva dos protestos? Como eles começaram, quais foram os momentos decisivos e para onde eles estão caminhando?
Minel Abaz: Eles começaram como qualquer protesto de trabalhadores feito depois da guerra bósnia nos anos 1990, então, ninguém esperava que isso fosse se tornar algo tão grande e com o apoio de cidadãos organizados.

E aí houve o momento mais crucial de todos, quando o governo (principalmente em Tuzla) mandou as unidades especiais da polícia atacarem brutalmente os trabalhadores e cidadãos, o que desencadeou os protestos em Sarajevo, Mostar, Zenica e Bihać, resultando em violência e no incêndio de instituições do governo.

Agora, vemos protestos levando a mais solidariedade e superando fatores étnicos nas classes mais baixas e, espero, para exigir mais justiça econômica e social.

Como está o clima em Sarajevo?
Mais calmo. Faz alguns dias desde que os confrontos violentos aconteceram, mas as pessoas ainda estão nas ruas todos os dias, pedindo uma vida melhor e uma sociedade igualitária. Algumas cidades, como Tuzla, já começaram um tipo de governo do povo, fora dos partidos políticos parlamentares, compostos de trabalhadores, estudante e acadêmicos. Eles têm plenárias diretamente democráticas todo dia.

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Estamos tentando fazer algo similar em Sarajevo. O primeiro-ministro e todo o distrito de Sarajevo renunciaram, então é muito importante fornecer uma alternativa para isso. No dia 12 de fevereiro, tivemos nossa primeira sessão plenária com a presença de algo entre 500 e mil pessoas, mas nossas demandas ainda não foram totalmente adotadas.

Vi vídeos de policiais empurrando manifestantes para dentro de um canal e prédios do governo em chamas. Você pode descrever esses eventos?
Tenho um amigo [que foi empurrado para dentro do canal]. Eu estava com ele algumas horas atrás. Ele quebrou a perna mas está bem.

E, sim, vi os prédios queimando, eu estava lá. Foi na sexta-feira passada. Os protestos começaram na residência presidencial por volta da uma da tarde. Quarenta e cinco minutos depois, os combates com a polícia começaram e eles conseguiram nos afastar dos prédios do governo. Depois de um tempo de espera, as pessoas começaram a se reunir novamente e simplesmente correram para a polícia. As brigas com a polícia duraram até as 2h40, quando os manifestantes conseguiram entrar no prédio. Lá pelas 2h50 o prédio foi incendiado.

Você disse antes que está envolvido com antifascismo. Há algum elemento de direita ou fascista nos protestos?
Não vi nenhum fascista, mas alguns patriotas e nacionalistas estavam lá. Ninguém reagiu contra eles, eles estavam protestando como qualquer um. Eles não gritaram mensagens nacionalistas ou algo similar, só contra o governo e a polícia.

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Você descreveria o que aconteceu como uma revolução?
Revolução? Não sei. Começou assim porque todo descontentamento explodiu em um dia. Mas não acho que isso será uma revolução, porque trabalhadores e cidadãos ainda estão desorganizados, não estão orientados por nenhuma ideologia.

Esse levante na BH tem alguma relação com o que está acontecendo com a Ucrânia? Ou com o que aconteceu na Turquia, Grécia ou Eslovênia no ano passado? Ou mesmo com o que aconteceu no Oriente Médio durante a Primavera Árabe? Como você acha que isso se encaixa num contexto global?
Eu não diria que tem algo a ver com os protestos na Ucrânia, por causa dessa fratura entre União Europeia e Rússia. Mas isso está relacionado com os protestos na Turquia e Grécia, principalmente, e até mesmo com protestos na Eslovênia e Egito. Eu diria que os protestos na Bósnia são mais similares aos da Turquia porque uma grande faixa da população – a classe baixa, trabalhadores, estudantes, pensionistas e veteranos de guerra – são contra as injustiças do paradigma de governo. Apesar de não haver exigências ainda, vemos uma profunda estratificação e antagonismos sociais.

Como Žižek disse, e como aconteceu na Turquia – mesmo se os protestos perderem a intensidade de forma gradual – ainda haverá uma fagulha de esperança, porque as pessoas perderam toda a confiança no sistema e nas instituições do sistema, e porque esses protestos podem ser uma boa oportunidade para superar divisões etnonacionais impostas, fortalecer a consciência de classe e a percepção da necessidade de auto-organização dos trabalhadores.

Alguns comentaristas, incluindo Lily Lynch e Slavoj Žižek, notaram um caráter antinacionalista e pró-trabalhadores nos protestos, derrubando as divisões étnicas encorajadas pelos líderes e pela União Europeia. Essas são afirmações válidas?
Sim, claro. Essa é a principal causa do protesto, um ideal pró-trabalhador, o que pode ser reconhecido em outras cidades. Como o professor Asim Mujkić apontou, o levante começou em antigas cidades industriais – primeiro em Tuzla – porque essas áreas sentem as consequências da privatização.

Além desse caráter pró-trabalhadores dos protestos, os trabalhadores e cidadãos também estão unidos contra a brutalidade policial e, portanto, contra as elites que, sob o disfarce do nacionalismo, estão roubando e privatizando tudo nos último 20 anos.

Demorou 20 anos, mas agora os trabalhadores e outras categorias sociais estão acordando, furiosos, e se levantando contra a elite nacionalista e capitalista, e todo o sistema.