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A Polêmica da Proposta para Trabalho Sexual da Anistia Internacional Explicada

Até a Lena Dunham se meteu na história.

O bordel King George em Berlim.

Você já dever ter notado a tempestade de merda envolvendo trabalho sexual no seu feed de notícias ultimamente: a Anistia Internacional foi acusada de estar do lado dos cafetões. Por isso, houve muitas cartas abertas e ainda mais opiniões. Até a Lena Dunham se meteu na história.

A treta se baseia na proposta da Anistia de que o trabalho sexual seja completamente descriminalizado, já que a organização acredita que isso ofereça mais segurança para os trabalhadores sexuais. Alguns discordam – inclusive de forma mais veemente, que é o caso de algumas grandes damas de Hollywood, como Lena Dunham, Anne Hathaway, Carey Mulligan e Kate Winslet. Segundo a oposição, a Anistia está apoiando a cafetinagem. Outros acham que a descriminalização é um avanço para os trabalhadores sexuais. Você perdeu essa história? Aqui vai um resumo do que aconteceu.

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Primeiro, o que Anistia realmente propôs?
No dia 7 de julho, a Anistia Internacional divulgou um projeto de proposta política, sugerindo que a criminalização do trabalho sexual prejudica aqueles que mais precisam de proteção, ou seja, os trabalhadores sexuais. A proposta veio depois de uma consulta de dois anos e é apoiada por estudos de várias organizações, como o Conselho de Direitos Humanos, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, a Comissão de Direitos Humanos e a UNAIDS.

Numa escala global, a entidade argumenta que a descriminalização oferece aos trabalhadores sexuais uma proteção legal mais ampla, além de os tornar menos vulneráveis à exploração por terceiros.

Aí vieram as cartas…
No dia 22 de julho, uma carta aberta, que foi divulgada pela Coalition Against Trafficking in Women (CATW), pedia que a Anistia reconsiderasse a proposta. "Se você descriminalizar as pessoas que lucram com a exploração de outros, você está dando licença para que elas façam isso", me disse Taina Bien Aime, diretora executiva da CATW.

Organizações religiosas estão bem representadas na lista de assinaturas, assim como organizações antitráfico, grupos feministas e as celebridades acima mencionadas. Há um punhado de referências acadêmicas, mas artigos de opinião do Huffington Post também são usados para apoiar alegações.

Em resposta à carta da CATW, vieram outras duas cartas abertas apoiando a Anistia: uma da Global Network of Sex Projects (NSWP) e outra do Comitê de Direitos dos Trabalhadores Sexuais (ICRSE). As duas estão assinadas por organizações lideradas por trabalhadores sexuais de todo o mundo.

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Alguns sugeriram que a prostituição é uma forma de tortura…
A carta da CATW sugeria que trabalho sexual é uma violência contra a mulher e dava um link para uma lista de serviços de BDSM oferecidos por um bordel na Alemanha. "A Anistia não entende que prostituição equivale a tortura" diz a Prostitution Research, organização fundada pela abolicionista do trabalho sexual e pesquisadora Melissa Farley, que assina o texto.

"Você tem uma situação na qual a pessoa no poder pode comprar o exercício de suas fantasias sexuais", frisa Aime. "Pode ser qualquer coisa: urinar em alguém, estuprar, desumanizar. Nossa visão é que a prostituição é inerentemente discriminatória, uma causa e consequência da violência baseada em gênero."

Luca Stevenson, um trabalhador sexual inglês e coordenador do Comitê Internacional pelos Direitos dos Trabalhadores Sexuais (ICRSE), não ficou impressionado.

"A Anistia trabalha com as próprias vítimas de tortura, e muitos trabalhadores sexuais em ambientes criminalizados estão sofrendo abusos violentos no mundo todo", ele me falou. "Apontar serviços de BDSM num clube da Alemanha e confundir isso com tortura é muito errado."

Anistia é acusada de proteger os cafetões…
A carta da CATW atesta que a entidade está do lado dos "compradores de sexo, cafetões e outros exploradores"; assim, foi criada a hashtag #NoAmnestyForPimps. A organização diz que sua posição está sendo deturpada.

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"A maioria das leis que criminalizam o trabalho sexual são operacionais: leis sobre prostituição, sobre se viver dos produtos ou da promoção de trabalho sexual", me disse Catherine Murphy, consultora da Equipe de Lei e Política da Anistia. "Não podemos olhar apenas para uma lei que é relacionada especificamente à venda direta do sexo. Isso não é sobre os direitos dos cafetões, ou dos chamados cafetões, ou direitos dos compradores – é sobre os direitos dos trabalhadores sexuais e como a vida deles tem sido afetada por uma variedade de leis ao redor do mundo, usadas principalmente para policiar e punir trabalho sexual."

Stevenson defende que criminalizar qualquer aspecto do trabalho simplesmente torna a violência mais invisível. "Se os trabalhadores sexuais pudessem dar queixa em tribunais civis e na polícia, exploradores e clientes abusivos teriam muito menos poder", ele explica.

A Anistia alega que não está dando um tapinha nas costas dos cafetões…
A entidade não está propondo liberdade para tudo quando se trata de trabalho sexual. Mesmo sob total descriminalização, os governos terão um papel na regulamentação da indústria; além disso, a Anistia sugere que os Estados "garantam que os trabalhadores sexuais tenham as mesmas proteções sob a lei e que não sejam excluídos da aplicação de leis trabalhistas, de saúde, de segurança e outras".

Grandes bordéis alemães foram citados…
A carta das celebridades usou a Alemanha como um exemplo de política que deu errado. No entanto, a Alemanha legalizou o trabalho sexual, trazendo isso sob controle do Estado; no entanto, o país não descriminalizou isso, deixando os trabalhadores sexuais livres para se organizarem como quisessem, dentro dos parâmetros da lei.

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Várias organizações de trabalhadores sexuais, além da UNAIDS, OMS e The Lancet, estão pedindo a replicação do modelo neozelandês. Segundo o governo da Nova Zelândia, desde a descriminalização em 2003, trabalhadores sexuais têm muito mais abertura para dar queixa de clientes e abusos.

Há o medo de que a descriminalização possa aumentar o tráfico…

A CATW teme que a descriminalização leve a mais casos de tráfico humano – apesar de as evidências na Nova Zelândia sugerirem que não seja o caso. Por outro lado, na Noruega, onde a compra de sexo foi criminalizada, os casos de tráfico humano bateram recorde no ano passado.

A Anistia Internacional aponta que a proposta deve ser considerada separadamente em relação às políticas existentes de direitos humanos, incluindo-se tráfico.

A Anistia foi acusada de promover "apartheid de gênero"…
Aponta a carta da CATW: "Se a Anistia votar por descriminalizar a cafetinagem, a propriedade de bordéis e a compra de sexo, vai estar, na verdade, apoiando um apartheid de gênero".

A trabalhadora sexual do Reino Unido Molly Smith, que chamou a comparação de "uma desgraça", me disse: "Dá para se perceber que os assinantes da carta anti-Anistia são predominantemente brancos: eles não têm nada de comparar qualquer coisa com apartheid, muito menos políticas que são usadas para deportar mulheres imigrantes, especialmente mulheres negras imigrantes".

Nem todos os trabalhadores sexuais querem apoio das celebridades…
"Acho que, para muitas mulheres que não trabalham com sexo, haja esse investimento simbólico na ideia da 'prostituta', considerada uma metáfora para a opressão de 'todas as mulheres'", afirmou Molly. "Quando as trabalhadoras sexuais falam por si, interrompemos essa fantasia fácil em que somos marionetes das preocupações de mulheres que não trabalhem com sexo."

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E a maioria deles quer a descriminalização…
Organizações de direitos dos trabalhadores sexuais de todo o mundo apoiaram abertamente a proposta da Anistia Internacional. Lucy, uma trabalhadora sexual de Londres de vinte e poucos anos, me falou: "Descriminalização significaria que, quando eu estiver a caminho de ver um cliente, vou saber que, se algo der errado, posso procurar a polícia. Significaria que eu poderia trabalhar numa casa com outras amigas para ter mais segurança. Significaria que amigas minhas que trabalham em saunas e casas de massagem teriam direito a turnos com horários decentes, licença em caso de doença e outros direitos trabalhistas básicos garantidos a outros trabalhadores."

Ainda assim, todo mundo discorda…
"Entendemos que as pessoas vão nos criticar", me disse Murphy. "Mas sabemos que abusos de direitos humanos contra trabalhadores sexuais estão ocorrendo e que há evidências de que a criminalização está ligada a esses abusos. Enquanto organização pelos direitos humanos, nós temos a responsabilidade de abordar o assunto."

"Recebemos bem um terreno comum, porém isso não vai ser alcançado com a descriminalização de cafetões e donos de bordéis", critica Aime. "Espero que a Anistia veja a luz."

@frankiemullin

Tradução: Marina Schnoor