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Entretenimento

Orestes em Tempos de Ditadura

Um papo com o diretor Rodrigo Siqueira sobre sua nova empreitada: Orestes, um documentário ficcional que aborda o caso de um filho que matou o pai durante a ditadura brasileira.

Na mitologia grega, Orestes mata a mãe. No documentário ficcional de Rodrigo Siqueira, Orestes mata o pai. Ainda em andamento, a produção aborda os reflexos psicológicos e sociais deixados pela ditadura militar. O casal Maria do Socorro e Gilson Oliveira se conhece em um treinamento de guerrilha em Cuba. Maria é militante, Gilson é um policial infiltrado se passando por militante. Separados na volta para o Brasil, ela se descobre grávida, mas guarda o filho na barriga em silêncio. Anos depois, Gilson vai até a casa de Maria para matá-la. Antes de partir, ela avisa: "Eu tive um filho seu". Ele duvida. "É mentira, sua filha da puta." Escondido no sótão, o menino Orestes, então com seis anos, vê a mãe morrer estrangulada. É assim que conhece o pai.

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Enquanto começa a fazer café na cozinha de sua produtora, num apartamento antigo em Pinheiros, Rodrigo conta que a ideia do filme surgiu quando ele se mobilizou para gravar o julgamento de Carla Cepollina, acusada de matar o marido, o Coronel Ubiratan Guimarães, motivada por ciúmes. Antes de ser assassinado, Ubiratan ganhou fama por ter sido comandante do Massacre do Carandiru, no qual 111 presos (oficialmente) foram mortos pela Polícia Militar. O julgamento demorou a acontecer. Carla foi absolvida e Rodrigo não conseguiu dar andamento ao projeto. Ainda com a ideia na cabeça, ele quis fugir dos crimes passionais e criar uma história com peso político, que estivesse vinculada à ditadura militar. Sérgio Fleury e tantos outros casos conhecidos dos anos de chumbo serviram de inspiração inicial. Mas foi a intrincada biografia do Cabo Anselmo que serviu como base de sustentação para dar asas à história definitiva. "Eu me impregnei com essas narrativas e criei uma outra. Peguei o texto do Ésquilo, Oresteia, e fiz essa aproximação entre as tragédias", conta o diretor.

Jornalista por formação, Rodrigo pegou gosto por documentários quando trabalhou em uma ONG. Sua primeira empreitada solo (antes, ele havia dirigido "Aqui Favela, O Rap Representa" em parceria com Júnia Torres) foi certeira. Terra Deu, Terra Come abocanhou prêmios pelo Brasil.

Depois da lei de anistia, em 1979, Gilson dá uma entrevista na TV. "Assim como o Cabo Anselmo no Roda Vida", Rodrigo compara. Homem feito, balzaquiano, professor de história formado, Orestes vê Gilson pela tela e marca um encontro. Sem nenhum planejamento, ele mata o pai com as próprias mãos, estrangulando-o, do mesmo jeito que sua mãe fora morta.

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Rodrigo armou um júri simulado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O corpo de jurados foi constituído pelo público presente. Filhos de presos políticos, estudantes de direito, interessados e imprensa estavam lá. No início do júri, jovens ergueram uma faixa preta com letras brancas que pedia prisão aos torturadores dos tempos de ditadura. O réu, assegurado pela Constituição, não tinha presença obrigatória e não estava lá.

Para esse dia, foi convocada uma equipe jurídica real. Presidindo o Tribunal do Júri estava José Henrique Torres, Juiz de Direito no Estado de São Paulo, Professor de Direito Penal da PUC-CAMP e membro da Associação Juízes para a Democracia. Na acusação, Maurício Antônio Ribeiro Lopes, promotor de Justiça em São Paulo há 25 anos. Na defesa, José Carlos Dias, que advogou para cerca de 600 presos políticos durante a ditadura militar, é ex-ministro da Justiça e, atualmente, membro da Comissão Nacional da Verdade. Nada foi ensaiado. Para embasar o julgamento, o diretor criou um longo depoimento de Orestes. "Escrevi 40 páginas do depoimento dele, de quando ele foi preso. Construí uma pequena peça jurídica, ou quase jurídica, cheia de licenças poéticas", conta. Foi com base nessas declarações ficcionais que os envolvidos no julgamento criaram suas argumentações reais. Depois de abrir espaço à acusação e à defesa para a defesa oral de suas teses, o juiz fez do público um "júri" e pediu que aqueles que considerassem Orestes inocente levantassem a mão. Diversas vezes durante a entrevista, Rodrigo falou sobre a importância da oralidade em sua obra. "O Tribunal do Júri é isso. Os jurados julgam a partir da exposição oral das partes. Fizemos uma tradução dessa língua formal por meio da oralidade."

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Enquanto despeja café em duas xícaras brancas e me pergunta se quero com ou sem açúcar, o diretor explica. "Tenho a história do Orestes contada por muita gente. Tenho um grupo de 12 pessoas que fizeram psicodrama. É nesse sentido que a história dele é interpretada." Talvez venha daí a dispensabilidade de um ator para desempenhar o papel de Orestes, o que seria padrão em um longa.

Em processo de montagem, o filme será lançado provavelmente em 2014. Ainda que tenha uma premissa ficcional, o cineasta acha que Orestes questiona silenciosamente tópicos contemporâneos. "Minha ideia era fazer um filme sobre a ditadura e sobre temas presentes. As manifestações de junho, o grupo Mães de Maio, as mortes na periferia, o Amarildo. Tudo isso é um caldo só."

Para saber mais sobre Orestes, clique aqui.

Siga a Débora Lopes no Twitter: @deboralopes