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Saúde

Como seria um hospício ideal?

Um projeto na Inglaterra pergunta diretamente para doentes mentais como, enfim, eles gostariam de ser tratados.

O Royal Hospital of Bethlem, ou Bedlam, como o lugar ficou conhecido, em 1960. Foto via Bethlem Museum of Mind.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.

Bedlam sempre foi sinônimo de caos. Mas o lugar também é o lar do Bethlen Royal Hospital, o maior hospício de Londres. Na verdade, Bethlem continua lá — apesar de sua encarnação atual, num subúrbio verde de Beckenham, ter pouco em comum além do nome com o hospício fundado em 1247 que inspirou o apelido pelo qual ele é mais conhecido.

Mas vista como um todo, essa instituição (talvez a mais antiga do tipo no mundo) oferece uma janela única para o mundo da loucura e das doenças mentais. É dentro dessa narrativa que a Wellcome Collection montou sua nova exposição: Bedlam: the asylum and beyond. Usando arte de pacientes antigos e contemporâneos, material e objetos de arquivo, além de comissões de novos artistas, Bedlam explora como as noções de loucura foram moldadas com os séculos e como os tratamentos e atitudes para com as doenças mentais mudaram.

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A exposição também pergunta para o expectador "O que vem agora?" Os hospitais psiquiátricos podem não ser mais os "lixões de malucos" desumanos que deram aos hospícios uma má reputação, mas ainda assim, mesmo hoje, estão longe de serem perfeitos. A falta crítica de recursos significa que muitas pessoas que sofrem com problemas mentais não recebem o tratamento necessário e adequado. E apesar das correntes terem sido tiradas das paredes muitos anos atrás, assim como o fim do eletrochoque, a percepção pública dos hospícios ainda sofre para superar a imagem da Enfermeira Ratched de Um Estranho no Ninho.

"A noção de asilo (um lugar seguro) é algo que perdemos completamente e precisamos recuperar", diz James Leadbitter, um artista que usa o pseudônimo "Vaccum Cleaner" e, junto com a colega artista Hannah Hull, está tentando reclamar o verdadeiro etos do asilo. Seu projeto Madlove, que começou em 2014, reimagina o hospício perguntando a pessoas que tiveram experiências em tratar doenças mentais — assim como quem não teve — como seria seu hospício dos sonhos.

Em seu ensaio The Lost Virtues of the Asylum, Oliver Sacks escreveu como no século 19 os hospícios permitiram, através da proteção que ofereciam, "a liberdade de ser louco como a pessoa desejasse e, pelo menos para alguns pacientes, viver através de suas psicoses e emergir das profundezas como uma pessoa sã e estável".

É crucial a ideia de loucura como uma jornada, algo pelo qual a pessoa tem que passar, e como essa experiência não precisa ser necessariamente negativa.

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E é essa versão de hospício, como um lugar seguro para enlouquecer, que está no centro do projeto Madlove. Mas também é importante não ver os hospícios vitorianos — muitas vezes lugares de abuso institucional cruel — através de lentes cor-de-rosa. Também é crucial a ideia de loucura como uma jornada, algo pelo qual a pessoa tem que passar, e como essa experiência não precisa ser necessariamente negativa.

"Não vejo a loucura como uma coisa inerentemente ruim", diz James. "O cérebro humano pode ter muitas formas, e deveríamos celebrar essa diversidade. Mas a loucura pode ser muito dolorosa, então precisamos apoiar as pessoas de várias maneiras: intervenções precoces, fornecendo ambientes melhores e removendo a ideia de que o único jeito de ser produtivo na sociedade é tendo um emprego. Para muitas pessoas como eu, esse modelo simplesmente não funciona. Não somos pessoas consistentes. Precisamos de abordagens flexíveis e apoio flexível."

O design do hospício do projeto Madlove, 2016. Foto cortesia Wellcome Collection.

Mas o que as pessoas que fizeram parte do projeto querem em seu hospício ideal? "Temos um espectro completo", diz James. "De coisas óbvias como acesso à natureza, poder nadar numa piscina e estar com outras pessoas na mesma situação, até ideias mais estranhas, como a de um cara que disse que queria uma sala cheia de ovos Fabergés e um martelo. O que achei genial."

James e Hannah deixam claro que todo mundo deveria se envolver no desenvolvimento de Madlove, mas um aspecto-chave para o projeto é perguntar àqueles com doenças mentais como eles gostariam de ser tratados.

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"Eu e James temos problemas mentais, e essa é uma pergunta feita tão raramente: 'O que você acha que poderia te ajudar?'", diz Hannah. "Você poderia achar que essa é a primeira pergunta a se fazer."

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Para o psiquiatra Alex Langford, num sistema de saúde sem recursos públicos, o futuro está fora dos hospitais. "O tratamento desses pacientes sofre ainda mais pressão com os cortes no NHS [o sistema de saúde pública inglês] e no serviço social. Seria um grande desafio colocar nessa imagem um hospício como gostaríamos. Precisamos pensar num serviço social de longo prazo. Quem não tem para onde ir quando deixa o hospital e acaba voltando, mas se fizermos um asilo para eles pós-internação, onde eles podem passar meses ou anos, acho que isso seria um investimento muito mais válido."

James e Hannah não são os únicos pensando num novo modelo de hospício. O Mental Fight Club (MFC), uma organização de caridade para pessoas com experiência de doença mental, comanda o Dragon Cafe — o primeiro café de saúde mental no Reino Unido. Localizado em Borough, Londres, o café abre toda segunda-feira e oferece atividades artísticas para encorajar um diálogo sobre saúde mental. "É um espaço que permite que as pessoas se reúnam numa comunidade de apoio", diz Lamis Bayar, presidente do MFC.

"Desde o começo, o MFC vem propondo um modelo alternativo de um asilo contemporâneo", continua Lamis. "Saúde mental é uma experiência de uma vida… Cuidados médicos e sociais se focam numa dialética de crise, onde a ajuda vem quando já é tarde demais. É isso que estamos tentando responder como modelo e serviço."

Pensando no futuro da saúde mental, fica claro que o hospício precisa ir além da ideia de um lugar apenas físico. "Não é um espaço, não é um procedimento, não é uma política — é a maneira como existimos juntos", diz Lamis. "Hoje há uma concepção binária muito forte de doentes mentais e capazes saudáveis, e isso é algo que precisa mudar."

James e Hannah têm planos reais para o projeto Madlove. Eles esperam que um dia seu hospício dos sonhos seja construído. "Esse é um objetivo de longo prazo", diz James. "Seria necessário muito dinheiro e muitos recursos, mas vamos trabalhar para abrir um espaço temporário visando transformar o modelo de tratamento e o jeito como as pessoas veem os hospitais."

Tradução: Marina Schnoor

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