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Caros brancos, parem de fingir que existe racismo reverso

É literalmente impossível ser racista com uma pessoa branca.
Foto: Canadian Press / Mark Blinch

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá.

Alguns meses atrás, escrevi uma coluna sobre o Black Lives Matter Toronto no qual dizia que pessoas que nunca experimentaram racismo — particularmente políticos e profissionais da mídia — deveriam ter cuidado ao abordar o tema, especialmente se quisessem desconsiderar o movimento.

Um amigo meu ficou ultrajado com o texto. Essa pessoa, um jornalista branco, me disse que eu estava tentando "calar vozes brancas". No final da nossa conversa, na qual ele admitiu que tinha medo de um dia perder seu emprego para uma pessoa não-branca, ele me chamou de "bruxa intolerante".

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A visão dele parece extrema, especialmente para alguém trabalhando na mídia mainstream. Mas ele não está sozinho. Parece que quanto mais falamos de racismo, outra narrativa se fortalece — aquela que pinta os brancos como os verdadeiros oprimidos.

Segundo uma pesquisa divulgada ano passado, 52% dos americanos brancos disseram que acreditam que a discriminação contra eles está no mesmo nível da discriminação encarada por negros e outras minorias. No Canadá, uma pesquisa de 2014 mostrou que a maioria dos canadenses não se acha racista — 84% disseram que têm amigos de origens raciais diferentes —, ainda que 34% façam comentários racistas ocasionalmente, e 27% concordem com estereótipos raciais. Essas respostas demonstram uma falta de entendimento do conceito básico de racismo.

Há pouco tempo, saiu a notícia de que a ministra das Instituições Democráticas canadense Maryam Monsef tinha nascido no Irã, não no Afeganistão, como ela acreditou a vida toda. The Globe e Mail revelaram o verdadeiro local de nascimento de Monsef, obrigando a mãe dela a admitir que tinha mentido para a filha sobre onde ela realmente tinha nascido. Consequentemente, alguns acusaram Monsef de ter enganado deliberadamente o público e até sugeriram que sua cidadania fosse revogada e que ela deveria renunciar. Muitos jornalistas foram rápidos em considerar a história como verdadeira — e alguns aspectos dela podem ser —, no entanto parece haver uma resistência em sequer imaginar se um político branco que não tivesse nascido no Canadá seria alvo do mesmo nível de escrutínio. Por sugerir isso, numa matéria publicada pela VICE, mais uma vez fui acusada de ser racista contra os brancos.

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Minha reação típica a acusações como essa é revirar os olhos. Mas vendo que não apenas os trolls do Twitter acreditam em racismo reverso — a fragilidade branca é responsável por boa parte da popularidade de Donald Trump, por exemplo — decidi falar com alguns especialistas em justiça social para perguntar por que certos brancos ficam tão na defensiva quando minorias se abrem sobre opressão. E por que grupos como o BLMTO são retratados como divisivos e vitimistas quando só estão tentando lutar por igualdade.

"Quando você está profundamente envolvido em seu privilégio, que nesse caso é privilégio branco, igualdade social parece opressão", disse Anthony Morgan, um advogado especialista em direitos humanos de Toronto.

Colocando de maneira simples, Morgan disse que racismo reverso não existe e que quem diz o contrário está "se mostrando alguém que tem pouca ou nenhuma experiência ou conhecimento do que é racismo".

LEIA: "Como me tornei um supremacista branco"

O racismo se baseia em conceitos como opressão histórica e sistêmica e poder, explicou Morgan. E até onde a história vai, os brancos nunca foram perseguidos pela cor de sua pele — então não há razão para comparar suas experiências com as de negros, pardos e indígenas.

"É a escravidão, o colonialismo, todo tipo de violações de direitos em proporções sistêmicas… versus se sentir ofendido", coloca Morgan.

Há uma diferença, segundo o advogado, quando pessoas brancas em posição de poder abraçam um ódio pelas minorias e quando o contrário acontece.

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Em abril, a cofundadora do BLMTO Yusra Khogali foi duramente criticada por um tuíte seu que dizia: "por favor, Alá, me dê força para não xingar/matar esses homens e pessoas brancas aqui hoje".

Ainda assim, Morgan disse que mesmo se todas as pessoas não-brancas dissessem abertamente que odeiam os brancos, isso não afetaria a capacidades dos brancos de conseguir empregos, educação, ou aumentaria as chances de serem presos ou acusados de crimes. "Se todos os brancos tivessem essa visão [dos negros], isso teria um impacto dramático na vida e na realidade material de todos os negros."

A exclusão de brancos em espaços criados para minorias é outra polêmica que sempre surge na mídia.

Ano passado, panfletos de um sindicato estudantil branco apareceram num punhado de universidades canadenses. Num site indicado, o grupo por trás da campanha, Estudantes pela Civilização Ocidental, dizia que as escolas eram bombardeadas com a mensagem "só brancos podem ser racistas, porque só os brancos se beneficiam com o sistema supremacista branco". Para equilibrar as coisas, um sindicato de estudantes brancos "serviria como plataforma para promover e avançar os interesses políticos dos ocidentais".

Enquanto isso, o Coletivo de Estudantes Racializados da Universidade Ryerson, em Toronto, foi criticado por expulsar dois estudantes de jornalismo brancos de uma reunião, porque eles não eram marginalizados ou racializados. O mesmo aconteceu quando o BLMTO se recusou a vender uma camiseta do protesto para a artista branca de Toronto Sima Xyn, durante a Parada do Orgulho Gay deste ano.

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"Me negar seus serviços por causa da minha raça, quando estou mostrando meu apoio ao #blacklivesmatter de Toronto, é irônico e matou meus direitos humanos", tuitou Xyn na época. Debbie Douglas, diretora executiva do Conselho de Imigração de Ontário, mostrou como nenhum dos casos acima podem ser considerados racismo.

"É interessante observar que assim que você tira os brancos do centro, você está sendo antibranco", ela disse, apontando que num painel para pessoas negras queer de que ela participou, os organizadores pediram que alguns brancos sentassem mais atrás para dar lugar aos negros. Alguns ficaram ofendidos.

"Por que num lugar criado para negros terem uma conversa entre si… para falar sobre o que significa ser negro e queer, os brancos precisam estar no centro do diálogo?", questionou Douglas.

Morgan acrescentou ainda que criar algo como um sindicato de estudantes brancos ou ter um Mês da História Branca seria redundante. "Vendo quase toda profissão onde pessoas ganham um relativo prestígio social, a maioria dos profissionais é branca."

Quanto à ascensão da narrativa do branco como vítima, os dois ativistas disseram que questões como e crise econômica — principalmente nos EUA, onde a classe trabalhadora está sofrendo financeiramente — têm um papel. Sentimentos anti-imigração e contra muçulmanos, que vêm de igualar equivocadamente Islã e radicalização, é outro fator. Mas o crescimento na aceitação dessa narrativa também é uma resposta a mais pessoas apontando racismo.

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Douglas disse que a única razão para termos um diálogo maior sobre raça agora é por causa de incidentes que não podem ser ignorados — a morte do cidadão de Ottawa Abdirahman Abdi nas mãos da polícia e de Colten Boushie, um indígena canadense de Saskatchewan — são dois exemplos disso.

"Sempre que começamos a discutir o racismo as pessoas ficam desconfortáveis, daí o retrocesso mental que estamos vendo", disse Douglas.

Se a sua reação padrão a essa discussão é ver os brancos como vítimas de racismo reverso, Morgan tem um conselho: se eduque.

"Se você quer usar ou identificar algo como racismo reverso, eu te encorajo a parar por um momento e realmente pensar sobre a última vez que você estudou e tentou compreender profundamente o que é racismo e qual o impacto disso em diferentes comunidades."

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Tradução: Marina Schnoor

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