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‘O Escaravelho do Diabo’, o filme, valoriza mistérios e pega leve na violência

A adaptação do clássico da literatura infanto-juvenil, sobre um serial killer que persegue gente ruiva, resulta num envolvente thriller familiar que peca só pela fragilidade de alguns diálogos.

O menino Alberto Maltese (Thiago Rosseti) é quem ajuda o delegado Pimentel (Marcos Caruso) a investigar os crimes e tentar solucionar o mistério. (Fotos: Divulgação)

Uma coisa zoada sobre a infância é que os traumas adquiridos nessa fase são mesmo insuperáveis. Mas tem a parte boa, associada à descoberta dos prazeres imaginativos, igualmente persistentes. A nostalgia não dá trégua. Pega até no coração do mais xucro dos homens. Por isso há gente que gosta tanto de relembrar dos brinquedos, roupas, programas de TV, músicas, livros, doces e travessuras que embalaram os seus dias de suposta inocência. O diretor Carlo Milani, ao adaptar o clássico literário infanto-juvenil O Escaravelho do Diabo para o cinema, nos faz cair um pouco nisso. O longa chega ao circuito nesta quinta (14).

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Para aqueles que cursaram o primário entre os anos 1970 e 90, a série Vaga-Lume, da editora Ática, sempre evocará o inicial contato com o universo dos mistérios e da fantasia. Uma das mais famosas obras da escritora Lúcia Machado de Almeida, O Escaravelho, lançado em 72 e atualmente em sua 27ª edição, foi marcante também na vida do Carlo. "O Escaravelho tem uma história impactante. Foi o primeiro livro que li até o fim, aos 13 anos, e que me empolgou de verdade", conta ele.

Depois de um tempão dirigindo para a TV, atuando em produções como Além do Horizonte e AmazôniaDe Galvez a Chico Mendes, Carlo Milani, que também tem experiência no teatro, cursou cinema. "Para concluir o curso, eu tinha que entregar um trabalho final. Um dia, cheguei em casa e vi um livro em cima da mesa. Coincidentemente era O Escaravelho, que minha filha estava lendo para a escola. Olhei para o livro e pensei: 'Tá aqui o trabalho e o projeto que vou fazer'", desenrola o diretor. Não sei como ninguém pensou nisso antes: a trama do livro é um thriller pronto.

"O Mal e a Cura", interpretada por Gabriela Petry Page e composta por Fernando Nunes, Arnaldo Antunes, Betão Aguiar e o produtor BiD, é parte da trilha sonora.

A história gira em torno de uma série de assassinatos que aterrorizam Vale das Flores, um pequeno município interiorano. As vítimas, todas ruivas, recebem um misterioso pacote contendo um escaravelho antes de serem atacadas. O menino Alberto (Thiago Rosseti) desempenha papel central na adaptação. É ele quem vai fazer o delegado Pimentel (Marcos Caruso) se ligar nas principais pistas para tentar solucionar o mistério. Ainda que bem-intencionado, Pimentel sofre de Síndrome de Lewy, e começa a passar por cima dos indícios, o que o leva a ser substituído no meio do processo. Fica a cargo de Pimentel, também, a deixa humorística do filme.

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Alberto tem um interesse especial em descobrir o assassino, afinal o primeiro a morrer foi seu irmão mais velho, Hugo (Cirilo Luna), e a menina por quem ele está apaixonado, Raquel (Bruna Cavalieri), também é ruiva. A idade dos irmãos foi invertida na adaptação. Ao contar a história pela ótica pré-adolescente, os roteiristas Melanie Dimantas e Ronaldo Santos buscaram atingir a mesma faixa etária, nos dias de hoje, à qual o texto original se destinou. Daí o lance de o filme não recorrer a um clima tão pesado ou imagens muito violentas, por mais que o enredo dê brechas.

Das campanhas publicitárias para o seu primeiro papel no cinema, a ruiva Bruna Cavalieri vive Raquel Marcos.

Outra diferença do livro para o longa é a natural atualização dos recursos tecnológicos no cotidiano dos personagens e na investigação dos mistérios. Então, o Alberto obviamente recorre à internet e aos aplicativos de celular a fim de sacar os tipos de escaravelhos enviados pelo serial killer e a ligação disso com o padrão dos assassinatos. Na perspectiva de Carlo Milani, a preferência pela adaptação de um clássico nacional significa chamar a atenção para a qualidade da literatura brasileira. "O cinema americano, com todos os seus recursos tecnológicos, é fantástico, mas não pode ser predominante na vida dos nossos jovens", observa. "Acho fundamental que a gente reflita no cinema a nossa realidade e discuta as nossas questões."

Assumem um ritmo fácil e convidativo a sucessão dos fatos, a construção das relações entre os personagens e o momento em que o mistério se revela. Alguns diálogos, no entanto, carecem de uma certa dose de drama, de realidade pungente, na construção e na interpretação. Há falas, em diferentes passagens, que não espelham o impacto emocional demandado por particulares contextos. Mas isso fica mais evidente nas entradas do elenco jovem. Marcos Caruso, Selma Egrei (Dona Dulce) e Jonas Bloch (Padre Paulo Afonso), vale grifar, seguem à toda prova nas interpretações, que contam, ainda, com o Lourenço Mutarelli no papel do jardineiro.

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Marcos Caruso faz o rabugento Pimentel. "Eu trouxe meu bom humor. Ele está sem estímulo na vida e é o oposto de mim."

Já a direção de fotografia do Pedro Farkas soube valorizar os cenários, todos reais, proporcionados pela arquitetura do interior paulista. Os traços das cidades de Amparo, Holambra, Campinas e Jaguariúna imprimem com eficácia aquele clima de cidade-pacata-em-choque suspenso no ar, como na cena da chuva. Os takes rodados na casa do Pimentel, por exemplo, aconteceram na presença do casal que realmente mora lá. No geral, Carlo Milani migrou confortavelmente da TV para o cinema, construindo uma história de suspense que mantém a evolução aflitiva do texto original sem carregar no sadismo ou na sanguinolência desmedida.

"Brisa Fria" é outro som da trilha, composto por Black Alien, Paulo Miklos, Don L e Pepe Cisneros - Cuba 07, em parceria com o produtor musical BiD.

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