O Luiz Alfredo fotografou o Holocausto brasileiro

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O Luiz Alfredo fotografou o Holocausto brasileiro

Fotógrafo Luiz Alfredo fala sobre o Hospital Colônia e o livro Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex

“Tudo que não pode acontecer no mundo, acontece em Minas Gerais.” Assim começa o relato do fotógrafo mineiro Luiz Alfredo sobre sua visita ao Hospital Colônia, na cidade de Barbacena, em 1961. A situação que ele presenciou ficou conhecida como o “Holocausto Brasileiro”.

Luiz Alfredo, hoje com 71 anos, trabalhava na época para a prestigiada revista semanal O Cruzeiro, que circulou entre 1928 e 1975. A convite de Magalhães Pinto, então governador de Minas Gerais, o fotógrafo partiu ao lado do repórter José Franco para conhecer as instalações do hospital. O que encontrou lá o marcou profundamente.

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“Passamos pelo portão de ferro do manicômio e vimos uma gente maltrapilha andando largada pelo pátio em um silêncio sepulcral. Me distanciei do grupo de visita, comecei a fotografar sozinho e fiquei bastante chocado. Ainda havia democracia no país àquela época, em uma cidade linda conhecida como ‘Cidade das Rosas’. Como poderia haver algo desse tipo?”, relata Alfredo, que conversou com a VICE pelo telefone.

As impressionantes fotos que você vê na galeria fazem parte do livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex, lançado pela Geração Editorial. A obra é um desenvolvimento da investigação que a repórter fez para o jornal Tribuna de Minas, cujas matérias receberam um prêmio Esso em 2012.

Holocausto Brasileiro

, book trailer do livro de Daniela Arbex.

Segundo a investigação de Daniela, em 1961, o Colônia tinha cinco mil “pacientes”. Fundada em 1903, com capacidade para 200 leitos, começou a inchar em 1930 e atingiu o status de maior hospício do país durante a ditadura militar de Getúlio Vargas. Àquela altura, a clínica e a medicina não eram preocupações para a administração do hospital. Para o Colônia, eram enviadas “pessoas não agradáveis” como adversários políticos, putas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos e todo tipo de párias sociais.

Esses “pacientes” chegavam lá de trem, vindos de todos os cantos do Brasil, espremidos no último vagão da composição. Essa prática era tão costumeira que o “trem de loucos” virou até um dito popular mineiro. É praticamente impossível não fazer o paralelo com a logística nazista dos campos de concentração.

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“Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, internadas à força. Cerca de 70% não tinha diagnóstico de doença mental. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro, pois seus corpos eram vendidos às faculdades de medicina. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio da Colônia, diante dos pacientes, e suas ossadas eram comercializadas”, investigou Daniela.

Luiz Alfredo tinha apenas 21 anos quando viu esse horror. Ele conta que a reportagem n’O Cruzeiro repercutiu, mas não foi forte o suficiente para mudar a situação, que só ganhou contornos mais humanos depois de 1980. A casa funciona até hoje sob a administração da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) e conta com 160 pacientes daquela época. Em 1996, em memória às vitimas do Colônia, foi inaugurado o Museu da Loucura, no torreão do hospital.

Nesta sexta-feira, dia 9, Daniela Arbex faz o lançamento oficial do “Holocausto Brasileiro” em São Paulo, na Livraria Cultura (Conjunto Nacional, Avenida Paulista, 2073), a partir das 18h30.

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