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Não, o Zé do Caixão não foi batizado na Igreja Adventista

Tudo não passou de um mal entendido.

Foto: Reprodução/Facebook

Foi tudo um mal entendido. Um pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Iasd) publicou no Facebook, na noite de domingo (29), duas fotografias de um culto em uma unidade no centro de São Paulo. As imagens exibiam as características de uma cerimônia religiosa como qualquer outra, mas, com uma pessoa conhecida aparecendo nos cliques: o cineasta, ator, compositor, roteirista e apresentador de TV e "monstro sagrado" (com o perdão do trocadilho) do cinema nacional, José Mojica Marins, 80.

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Se as fotos causaram estranhamento aos internautas e fãs, a legenda dos registros era ainda mais reveladora: "Neste domingo, o Zé do Caixão, juntamente com a esposa tomou a decisão pelo batismo na Iasd Central Paulistana (…) Louvado seja Deus!"

Porém, tudo não passou de um engano. As postagens em questão foram apagadas e, tanto a igreja, quanto a família Marins, se manifestaram sobre o ocorrido.

De acordo com uma porta-voz da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Mojica esteve presente à cerimônia no final de semana e "respondeu ao apelo (indo à frente com outras pessoas)", algo que o pastor costuma fazer sempre em suas pregações. A representante ainda pontua: "ele não foi batizado e não frequenta Iasd".

As fotografias, afirma a representante da igreja que não quis ser identificada, foram divulgadas sem a permissão do pastor (tanto que foram apagadas pouco tempo depois) e que a instituição não expõe famosos e suas decisões, "sem suas devidas permissões".

No debate acalorado no Twitter sobre a postagem – e mesmo nos comentários do Facebook do pastor –, surgiu a dúvida se ele teria sido "batizado" ou "convertido" à religião. Sobre as diferenças entre os termos, o representante da Iasd explica que o batismo é a cerimônia de declaração pública da mudança de vida. A conversão, por sua vez, significa "mudar de vida".

Mojica, no caso, não passou por nenhum ritual. Ali estava, apenas, como visitante.  O apelo para ir para frente do culto é a prática realizada, geralmente, após uma pregação, em que as pessoas são convidadas a ouvir uma mensagem evangélica, com o objetivo de aceitar Cristo.

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"Meu pai não se converteu a nenhuma igreja. Meu pai não se "batizou" nesta e em nenhuma igreja, com exceção da católica, quando ainda era um bebê" — Liz Marins

A VICE tentou contato com Mojica e também com sua filha e interlocutora, Liz Marins, cuja personagem é a Liz Vamp, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. Ainda assim, na noite de terça-feira (31), Liz publicou um longo desabafo nas redes sociais sobre a "suposta conversão".

"Meu pai não se converteu a nenhuma igreja. Meu pai não se "batizou" nesta e em nenhuma igreja, com exceção da católica, quando ainda era um bebê e foi batizado, não por seu desejo, mas pelo desejo dos meus avós, que eram católicos", contou a cineasta e atriz que ressalta que o pai continua católico, embora não praticante.

O texto de Liz foca em um outro fenômeno bastante comum quando se trata da trajetória do famoso personagem. "Existe 'criador e criatura'. (…) Mas, Zé do Caixão tornou-se uma 'lenda viva', cultuado no Brasil e exterior", comenta. A fama do homem da capa preta, cartola, barba e unhas compridas teria, segundo a filha, despertado no passado, o interesse de instituições religiosas que buscavam ter a figura entre seus fiéis. "[Meu pai] recebeu até propostas financeiras tentadoras para isto, e recusou", disse Liz.

Essa relação entre autor e obra, foi o combustível para a confusão presente nos comentários na internet – e a filha rebateu: "Zé do Caixão existe mesmo? Que eu saiba Zé do Caixão é um personagem fictício, que não acredita nem em Deus e nem no diabo".

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Para os curiosos no tema, Liz reforça: Mojica, o homem que deu vida a Zé do Caixão, acredita em Deus. Mas a presença na Igreja Adventista, explica, se deu para acompanhar a esposa, que é evangélica.

"Já sofremos preconceitos demais por confundirem nossa profissão na área da arte 'fantástica' com nossas crenças, ou até mesmo, com nossa índole", relata a filha. Sua personagem, Liz Vamp, é uma vampira mutante, fruto do amor de uma vampira inglesa com o cultuado Zé do Caixão.

Zé do Caixão surgiu pela primeira vez em 1963, no clássico À meia-noite levarei sua alma. De acordo com a biografia, presente em seu site oficial, Josefel Zanatas nasceu em um berço de ouro, filho de uma família que mantinha uma rede de funerárias. Foi uma pessoa bondosa e doce até voltar da Segunda Guerra Mundial, em 1945, quando lutou ao lado dos "pracinhas" da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Não foi o combate que o mudou, mas um crime passional: ele encontrou sua noiva e namorada de infância sentada no colo do prefeito e, antes de qualquer explicação, sacou um revólver e matou os dois.

Desde então, tornou-se uma pessoa amarga e sem sentimentos. Também não possui crenças – apenas em si próprio, tem a consciência de que é o único capaz de fazer justiça.

No decorrer de suas aparições em filmes, há uma busca persistente por uma mulher que compartilhe de seus pensamentos e que, juntos, possam ter um filho e dar continuidade à sua espécie, a qual acredita ser superior.

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Em agosto do ano passado, a 44ª edição do Festival de Cinema de Gramado fez uma homenagem a Mojica. O troféu Eduardo Abelin, que destaca o conjunto da obra de figuras do cinema brasileiro, foi dedicado ao cineasta, representado pela filha Liz Marins – à época, Mojica não viajou por ordens médicas.

Na sua postagem no Facebook, Liz inclusive divulga um novo trabalho envolvendo o pai, dessa vez um curta-metragem, chamado Sinistro Legado e que integrará o longa 13 Histórias Estranhas II, organizado por Ricardo Ghiorzi. O roteiro é dela em parceria com Julio Wong.

Em meados de 2006, durante as gravações do filme A encarnação do demônio (2008), tive o privilégio de acompanhar Mojica e grande equipe em um dia de filmagens da cena em que Zé do Caixão deixa a prisão, após 40 anos no cárcere. O cenário era a grande portaria da antiga Penitenciária do Estado, atualmente, a Penitenciária Feminina de Sant'Ana, na Zona Norte de São Paulo, que hoje abriga 2,2 mil mulheres.

Na ocasião pude fazer, de maneira precária, as fotografias que ilustram essa reportagem. Mas a experiência de ver o cineasta (já vestido) sair dos bastidores, deixar a área técnica e passar para a frente das câmeras, se transformando em Zé do Caixão é única, inesquecível, sobrenatural e eterna – e isso, lhes garanto, não há boato religioso que mude.

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