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Feminisme

Por que as pessoas continuam obcecadas pelos assassinatos de Charles Manson

Anos depois dos assassinatos brutais cometidos pelos seguidores de Manson, psicólogos e biógrafos do explicam por que o caso ainda atrai tanta fascinação
Foto por Sahm Doherty via Getty.

Essa matéria foi originalmente publicada no Broadly US.

Duas noites. Sete mortos. 169 facadas. Sete tiros de armas calibre 22. “Porco” e “Helter Skelter” escritos com o sangue das vítimas nas paredes de suas casas. Esse é o legado de Charles Manson — um legado que continua a impactar a cultura 48 anos depois.

No dia 9 de agosto de 1969, os corpos da atriz Sharon Tate, grávida de oito meses, do escritor Wojciech Frykowski, da herdeira do café Abigail Folger, do cabeleireiro de celebridades Jay Sebring e o amigo Steve Parent foram encontrados na casa que Tate dividia com o marido, o diretor Roman Polanski. Manson tinha ordenado as mortes para iniciar uma guerra racial apocalíptica que tinha batizado de “Helter Skelter”, o nome de uma música dos Beatles. Seus seguidores fiéis “Tex” Watson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel, Leslie van Houten e Steve “Clem” Grogan realizaram os assassinatos. Linda Kasabian ficou de guarda.

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“Leslie van Houten disse que sempre se perguntou 'Como alguém que não é louco pode seguir Charles Manson?'”, diz Jeff Guinn, autor do best-seller de 2013 Manson, a Biografia. “Ela dizia 'O Charles Manson que o público conhece não é aquele que víamos o tempo todo'.”

Profissionais de saúde mental dizem que não é incomum jovens caírem nos encantos de sociopatas, que mudam de personalidade facilmente para melhor manipular — e a força da habilidade sociopata de Manson superava a de muitos.

“Eu diria que Manson continua a fascinar porque é difícil para nós que não somos sociopatas entender esse nível de comportamento maligno”, diz Gail Saltz, professora de psiquiatria da Escola de Medicina Weill-Cornel de Nova York. “É da natureza humana ter uma fascinação pelo que é sombrio.”

Outra razão para a obsessão cultural com Manson é o fato de que seus ataques brutais vieram num momento crucial dos EUA: enquanto os anos 60 acabavam, os EUA estavam no caos da Guerra do Vietnã, da presidência de Richard Nixon e dos assassinatos de Robert F. Kennedy e Martin Luther King Jr. Os telejornais traziam imagens de violência para a casa dos norte-americanos comuns.

“Leslie van Houten disse que sempre se perguntou 'Como alguém que não é louco pode seguir Charles Manson?'”

Esses fatores levaram alguns a considerar a violência de Manson como outro “grito de reunião” da contracultura, segundo o criminologista Brian Levin, diretor do Centro de Estudos de Ódio e Extremismo na Universidade Estadual da Califórnia. “A violência [de Manson] abalou bases da sociedade norte-americana com que as pessoas não estavam necessariamente familiarizadas”, ele explica. “Era a contracultura seguindo um caminho torto, guerra racial, violência como meio de expressão política, mas não visando os símbolos tradicionais (como o presidente), o que então alimentou todo esse conceito da sociedade saindo do controle.”

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“Mesmo em 1969, [Manson] parecia significar coisas diferentes para grupos diferentes”, aponta Guinn. “Jovens se rebelando contra o governo o viam como Che Guevara. Elementos diferentes da população o viam como alguém que teve uma infância difícil e depois foi ainda mais punido pelo sistema prisional.”

Outra razão para Manson continuar fascinando tantas pessoas é que ele escapou da pena de morte, imposta para assassinos sociopatas como Aileen Wournos. Uma decisão judicial de 1972 da Suprema Corte da Califórnia derrubou a pena de morte e converteu automaticamente a sentença de execução de Manson para prisão perpétua. Manson usou esse tempo extra para abastecer seu mito através de explosões e atitudes grotescas cuidadosamente cronometradas, como seu curto noivado com uma jovem seguidora que supostamente queria expôr seu corpo num caixão de vidro como atração turística.

O autor Daniel Simone, que gravou centenas de horas de conversa com Manson para seu livro The Retrial of Charles Manson, diz que Manson entendia completamente como aumentar seu impacto na cultura mesmo de sua cela numa prisão estadual da Califórnia. “Sempre conversávamos de maneira casual”, explica Simone. “Mas era só ligar uma câmera ou microfone perto dele que, do nada, surgia uma pessoa diferente. Foi isso que o condenou. Ele adorava atenção a adorava representar.”

“Manson é celebrado. E deveria estar na lata de lixo da história.”

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O impacto de Manson na cultura pop é extenso, como evidenciado desde por um artista conhecido como Marilyn Manson, o Guns n' Roses ter gravado a música de Manson “Look at Your Game Girl”, e vários filmes e livros explorando ou reimaginando ele e seus seguidores.

“Isso não é realmente sobre ele. É sobre o indivíduo que está respondendo a ele, sua psique pessoal”, diz a psiquiatra Gayani DeSilva. “Sociopatas são muito bons em atrair pessoas.”

Todo mundo com quem falei para esta matéria apontou para o número de jovens que conhecem que acham Manson e seus seguidores fascinantes. Guinn decidiu escrever sobre Manson depois que seus alunos lotaram uma palestra do advogado de acusação de Manson, Vincent Bugliosi, autor do livro Helter Skelter, na universidade onde Guinn dava aula.

O ator Rayn Kiser interpretou Charles Manson no curta de 2009 Lie e no filme de 2014 House of Manson. O papel rendeu atenção, mas a ideia de venerar Manson como herói o deixa nauseado. “É desanimador ver gente jovem se inspirando em Manson”, ele diz. “Se tem uma coisa que posso te dizer é que ele é uma pessoa quebrada. Não há nada para se admirar nele.”

Atkins, que foi responsável por matar Sharon Tate e zombou da atriz quando ela implorou pela vida do filho, passou seus últimos anos tentando dissuadir fãs de Manson, e muitos anos atrás, Brian Levin recebeu uma carta dela. “Ela estava interessada em começar um programa anti-ódio na prisão”, lembra Levin. “Não respondi. Tem algo moral ou psicológico em mim que me fez ficar longe. Ela não foi só uma testemunha — ela cometeu o crime mais horrível dos assassinatos de Manson.”

“Desenvolvemos um segmento muito disfuncional e perverso da cultura, que foca na violência e nas pessoas instáveis que a realizam”, continua Levin. “Manson é celebrado. E deveria estar na lata de lixo da história.”

Apesar de muitos compararem Manson a Adolph Hitler ou os terroristas de hoje, especialistas dizem que ele nunca teve o intelecto ou o poder de persuasão para realmente recrutar os números que ele precisava para desequilibrar a cultura. “Charlie nunca poderia fazer uma nação inteira segui-lo”, diz Guinn. “Mas conseguiu fazer uma nação inteira conhecê-lo. Essa é uma grande diferença.”

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