prédio racismo estrutural
Foto: Flickr/ fdecomite

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Semana da Consciência Negra 2018

O racismo estrutural é um grande prédio a ser implodido

Quer saber qual o método mais eficaz para acabar com o preconceito racial no Brasil? Essa metáfora pode ajudar.

Um dos conceitos mais importantes no combate ao racismo brasileiro é entender como ele é estrutural na nossa sociedade, uma vez que é construído por relações de poder e opressão. Inúmeras são as pesquisas e estudos sobre o assunto que, apesar de complexo, é essencial.

Nomes como Clóvis Moura e Kabengele Munanga analisam o racismo brasileiro enquanto fenômeno estrutural e estruturante das relações socioculturais. O primeiro traz para o centro do debate o racismo como elemento formador do estado brasileiro; já o antropólogo brasileiro-congolês aborda a falsa democracia racial e as particularidades do Brasil em comparação a outros países. Usarei conceitos deles nos parágrafos a seguir.

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Para escurecer de forma simples, vamos comparar o racismo a um gigante edifício que precisa vir abaixo. Para destruí-lo, será preciso conhecer as estruturas que formam a construção e atingir as suas bases de forma simultânea.

Lá no alto, na cobertura do prédio, junto das antenas parabólicas, estão as constantes e corriqueiras manifestações de discriminação de raça. Aqueles casos de ofensas e injúria racial, que têm grande repercussão nas redes sociais, com hashtags tipo #SomosTodosMaju ou #SomosTodosTaisAraújo.

É comum essas manifestações gerarem intensa comoção e manifestações de apoio. Passado algum tempo, porém, logo são esquecidas. Podemos compreendê-las como estruturas mais superficiais do racismo. Também no alto do edifício, estão aquelas situações constrangedoras sofridas por pessoas negras, como abordagens de policiais, restrição em portas de agências bancárias, olhares tortos nas ruas ou mesmo aquela segurada de bolsa na calçada.

Logo abaixo da cobertura, nos andares mais altos, estaria o sistema judiciário, com casos de prisões de homens negros e pobres sem prerrogativas ou provas consistentes, como o caso do jovem Rafael Braga, preso durante as manifestações de 2013 por portar uma garrafa de detergente, visto como potencial criminoso.

Na mesma altura estão as taxas de desemprego ou subemprego da população negra. Elas são somadas aos que estão em situação de vulnerabilidade nas ruas e vítimas do vício de drogas que, de acordo com o pensamento eugenista e higienista, são vistos como criminosos. Um exemplo recente é o caso na Cracolândia em que a prefeitura de São Paulo autorizou a invasão no local, sob o uso da violência, com o intuito de desocupar a área.

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Mais próximo do térreo, nos andares mais baixos, estão as instituições de ensino e a precariedade. Apesar da implementação da Lei 10.639, que implementa a obrigatoriedade dos estudos da História da África e dos africanos, a dificuldade de aplicabilidade das práticas pedagógicas relacionadas às questões raciais ainda é uma realidade.

Na mesma altura estão as universidades públicas e a concentração de produção de conhecimento nos estudantes e pesquisadores não-negros. Aqui também estão as faculdades que não implementam medidas reparadoras, a exemplo da Universidade de São Paulo, que aderiu tardiamente o sistema de cotas de negros e indígenas.

E nos andares térreos, encontramos estruturas do Estado, organizações legislativas que em sua maioria são compostas por homens brancos e pouco representa a diversidade étnica da sociedade. Por fim, em sua base, estão as relações econômicas do país, sob o sistema capitalista, juntamente com o modo de produção neoliberal.

O fato é que essas práticas não estão isoladas. Apesar de estarem em andares diferentes, todas mantêm entre si diversas ligações e interdependências. Isso nos leva a compreender que o racismo estrutural é um conjunto de sistemas interligados e que se retroalimentam. Da mesma forma, as práticas mais superficiais não são menos importantes; elas apenas revelam um dos tantos aspectos do racismo enquanto sistema de opressão.

Portanto, para enfrentar e demolir tais estruturas, é preciso não somente avançar sobre a base, mas em pontos específicos, estratégicos e de forma sincronizada. Isso significa que as práticas de enfrentamento precisam estar alinhadas na perspectiva da compreensão do racismo enquanto sistema estrutural e estruturante das relações socioculturais.

Sendo mais translúcida: a proposta para o enfrentamento é atingir às suas bases de forma estratégica e sincronizada, como numa demolição com o uso de bombas em pontos específicos da construção.

O que seriam essas bombas? Seriam bombas em forma de disputa de narrativas nos espaços políticos, por meio de grupos de militância, agrupamentos quilombolas, organizações não-governamentais, associação de moradores, juventude organizada, grupos artísticos, mídia especializada, ativistas e influenciadores digitais.

Afinal, todos carregam responsabilidades na abordagem e na disseminação do entendimento do racismo estrutural. E se o racismo é um grande prédio a ser demolido, será necessário a força de todos para a implosão.

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