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Saúde

Como a rotina de skincare me deixou mais ansiosa e neurótica

Afinal, trocamos nossa noia de maquiagens pela noia de cuidados para a pele?
A repórter Marie usando máscaras de beleza
A autora tentando manter a calma fazendo máscaras faciais. Foto: Arquivo pessoal.

Tenho uma penteadeira abarrotada de produtos para cuidados de pele. Produtos de todos os valores possíveis – do baratinho de farmácia até aquele frasco de 50 ml cujo valor é acima de uma compra do mês no mercado. Todos os produtos têm diferentes funções para diferentes males que até comprar o produto nunca tinha ouvido falar. Um antioxidante, um para evitar que a poluição penetre nos meus poros, vitamina C, produtos antioleosidade, aqueles para secar espinhas, tonificantes, esfoliantes, cremes para os olhos (versão diurna e noturna), máscaras faciais e ainda uma pequena sessão de produtos coreanos para melhorar o aspecto dos meus poros. Afinal, poros largos estão no top 10 de coisas que as mulheres jamais podem deixar acontecer ficando apenas atrás de sobrepeso, peitos caídos e celulites. 30% desses produtos já passaram da validade, mas permanecem lá empoeirados para lembrar da minha rotina de skincare frustrada. Ou simplesmente porque paguei caro demais para jogar fora.

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Dois anos atrás, minha rotina se resumia a lavar o rosto, passar protetor solar, maquiagem e tirar tudo isso no final do dia. Nunca tive problemas crônicos de pele, exceto pela minha dermatite atópica diagnosticada desde pequena. Por conta da dermatite, passei anos usando pomadas de cortisona em algumas áreas do meu corpo ou rosto afetadas. A dermatite atópica se manifesta bastante em momentos de ansiedade e stress. Considerando que eu sou uma pessoa ansiosa e estressada, ter ressecamentos extremos e coceiras horríveis em certos pontos da pele era constante. Talvez por causa dessa obrigação de passar essas pomadas e todo os efeitos colaterais que a cortisona causava no meu corpo, fiquei um pouco alheia ao mercado de produtos de cuidados para a pele justamente porque me remetia aos anos em que fui escrava desses tratamentos para a dermatite.

Algo aconteceu após meus 25 anos. Não sei se foram os algoritmos do Instagram ou o fato da minha pele ficar mais maltratada por causa de ansiedade, má alimentação e anos fumando demais (com certeza é a segunda opção), mas comecei a ficar completamente obcecada em cuidados para a pele. Especificamente, viciada nesse conceito de “autocuidado”.

Não foi só comigo, o mercado de beleza também acompanhou essa obsessão. Talvez em resposta à maquiagem Kim Kardashian cheia de camadas de base, contornos e iluminadores, virou mais cool ser aquela garota que não usa muita maquiagem e se importa mais em cuidar da sua pele do que gastar dinheiro numa base de alta cobertura.

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O grande representante dessa onda chamada de “Nova Skincare” por uma jornalista do The Outline foi a marca Glossier. Batendo o olho no merchandising da Glossier e toda sua comunicação com o público de celebrar a tal da “beleza natural”, é visível que aquilo surgiu a partir de uma pesquisa de mercado minuciosa e certeira para pegar bem na coluna cervical de garotas jovens e as que estão indo para os 30 anos – que nem eu. Oras, até a cor que eles usam é rosa millennial. Quem usa os produtos são modelos e mulheres bem-nascidas que aparecem na página do Instagram da marca falando como são livres da imposição da maquiagem e só a Glossier fez isso ser possível. Parece um Pinterest em movimento. Se você bater o olho num produto, te garanto que o desejo de tê-lo na sua prateleira ou na sua necessaire é involuntário. Eu sempre desejei.

Fora a Glossier, que realmente conquistou os corações e mentes de qualquer garota moderninha do ocidente, existe também todo o universo da rotina de 5, 10, 15 ou 40 passos de skincare das coreanas. Sim, essa rotina sugere que você fique quase 45 minutos empilhando produto em cima de produto no seu rosto, uma vez na hora de acordar e outra na hora de dormir (usando produtos próprios para os cuidados noturnos, claro).

Preocupada com cada poro aparente, espinha e mancha na minha pele, passei a tentar adotar essa rotina quase militar para alcançar a pele perfeita. Todo dia fazia alguma coisa errada: esquecia um passo importante ou simplesmente acordava atrasada e tinha de me contentar com um mísero hidratante e protetor solar no rosto durante o dia inteiro. Suspeito que esqueci mais de uma vez de escovar os dentes para dar tempo de fazer uma massagem facial com o sérum que parcelei em 7x vezes no meu cartão de crédito.

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Fui percebendo que essas coisas me deixaram neurótica e mais ansiosa do que já sou. Ou ficava aflita porque não estava seguindo corretamente esse regime espartano de creminhos no rosto ou estava irritada porque semanalmente surgia mais um produto no mercado prometendo corrigir defeitos que nem sabia que tinha.

Lembro de acompanhar até três meses atrás uma influencer brasileira dos cuidados de pele e me sentir a pior mulher do mundo por lavar o rosto no banho (segundo a dermatologista dela, é proibidíssimo) ou simplesmente secar minha cara numa toalha de banho. Ao mesmo tempo, ela anunciava os produtos que ganhava das marcas. Uns que chegavam até os 300 reais. Pra mim, aquilo era uma batalha perdida.

Mas eu achava divertido. Mostrava com orgulho meus produtos caros de skincare, adquiridos com muito esforço e horas de trabalho para meus seguidores no Instagram e dizia que agora meus problemas seriam resolvidos. Isso bebendo menos de um litro de água por dia e comendo porcaria. Ah, mas os produtos. Ah, mas eu mereço esse tempo “para mim”.

Esse “tempo para mim” só funcionava para uma coisa: me fazer gastar dinheiro em coisas que, na verdade, nem sabia se funcionava de verdade. Sabe o que mais? Minha pele também não melhorou como prometido. Na verdade, ela parecia em constante stress, com espinhas saindo até dentro da orelha e sem qualquer viço. Resultado: comecei a usar mais maquiagem.

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Ou seja, fiquei infeliz, ansiosa, me sentindo um lixo por não usar uma toalha nova todo dia para secar gentilmente meu rosto e ainda por cima minha pele parecia pior do que antes. Mesmo seguindo todos os passos, pesquisando a função de cada ingrediente nos produtos e comprando produtos específicos para meu tipo de pele. Ah, minha dermatite voltou forte também. E não há nenhuma skincare eficiente no mundo que consiga tratar crises de dermatite atópica sem estragar seu corpo. Pois é.

Sabe o que mais? A ciência e tecnologia por trás da skincare nem sempre é verdadeira. Inclusive, segundo uma newsletter da Escola de Medicina de Harvard, um artigo concluiu que “a rotina de skincare é um campo onde não se encontra muita ciência”. Toda fundamentação científica que afirma ter sobre a orgia de cremes que passava no rosto, na verdade, era tirada de textos escritos pela assessoria de imprensa das próprias marcas que consumia. Cheguei a cogitar comprar ácidos para o rosto, uma espécie de peeling caseiro, após ler um texto no blog Into The Gloss (que pertence à mesma dona linda, de pele boa e bem-nascida do Glossier, risos) afirmando com todas as letras que ácidos “são nossos amigos”.

Alguns médicos, inclusive, acreditam que nem hidratantes são necessários visto que nossa pele produz isso há, hum, dezenas de milhares de anos.

Não acho que as influencers de skincare são pessoas mal-intencionadas e vendidas, mas elas vendem um desejo para seus seguidores. O famigerado lifestyle. É o trabalho delas, afinal. Também não acho que gastar um tempinho fazendo máscara facial num sábado signifique que você seja escrava do consumo. Porém, nós somos inteligentes o suficiente para questionar como as coisas são apresentadas a nós. Sim, a influencer recebe produtos caros e tem tempo para passar 40 deles no rosto todo dia porque é o trabalho dela. Está no job description. Nós não. E talvez passar toda essa parafernália na nossa cara nem sempre é uma coisa boa pra pele.

Não parei de usar por completo os meus produtos, mas reduzi drasticamente minha rotina de “autocuidado”. Ainda gosto de fazer máscaras faciais, mas sem aquela agonia de ter que seguir uma rotina espartana. Não reduzi o uso porque me aceitei como sou, reduzi porque me dei conta que minha pele nunca ficava mais de uma hora sem ter pelo menos dois produtos nela. Continuo tendo manchinhas, cravos e espinhas eventuais, mas ela não parece irritada como era antes na época que eu não saía de casa sem passar mil coisas.

Meus poros continuam aparentes. Só que, sinceramente, eu tenho poros porque estou viva. E no Instagram todo mundo melhora o aspecto da pele usando filtros.

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