Pessoas estão morrendo em busca da selfie perfeita
Imagem via Shutterstock. Design gráfico por Noel Ransom

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Sociedade

Pessoas estão morrendo em busca da selfie perfeita

Houve um aumento de acidentes relacionados a postagens nas redes sociais. Fotógrafos nos contam por que se arriscar não vale a pena.

Imagem via Shutterstock. Design gráfico por Noel Ransom.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá .

Depois de passar duas horas tirando fotos na Trilha Chedoke em Hamilton, Ontário, o fotógrafo Brandon Trahan, 22 anos, e uma amiga começaram a voltar para casa. A trilha, localizada no coração da cidade, abriga barrancos, cachoeiras e quilômetros de cenários lindos. Desviados do caminho por uma vala de lama, Trahan e a amiga decidiram pegar um caminho proibido na trilha. Trahan foi na frente, usando pedras para apoiar os pés. De repente ele ouviu um grito, e quando olhou para trás, viu a amiga despencando trilha abaixo. Ela acabou batendo o queixo numa pedra durante a queda, fraturando o maxilar em três lugares e quebrando o pulso.

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Trahan visita regularmente as cachoeiras da cidade, agora famosas no Instagram, para tirar fotos, e esse foi um dos piores acidentes que testemunhou.

"Eu estava com a minha câmera e tinha tirado fotos antes, mas não estávamos fotografando na decida", disse Trahan à VICE. "Mas ir até esses lugares para tirar essas fotos pode ser arriscado às vezes."

Nos últimos anos, Hamilton, às vezes chamada de a Capital Mundial das Cachoeiras, tem visto um influxo de fotógrafos amadores e profissionais. Buscando por qualquer uma das cachoeiras da região no Instagram, você verá milhares de pernas balançando na beirada de despenhadeiros e selfies feitas dos lugares mais altos.

Com as fotos mais arriscadas no centro das atenções nas redes sociais, a quantidade de acidentes e fatalidades na área está causado preocupação.

Em 2016, o departamento de bombeiros de Hamilton, no Canadá, teve que realizar 25 resgates com cordas em áreas ao redor as cachoeiras, um aumento de 65% nos resgates comparado a 2015.

Em 2017 já foram registrados vários resgates, alguns resultando em ferimentos sérios e até na morte de um jovem fotógrafo mês passado.

E a questão está longe de ser um problema local.

Só este mês, dois irmãos foram resgatados em Scarborough Bluffs, Ontário, depois de supostamente tentar tirar uma selfie; enquanto dois homens com equipamento fotográfico foram presos por escalar 15 dos 22 metros da Ponte Lions Gate em Vancouver.

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No mundo inteiro, mortes por selfie e fotos arriscadas estão aumentando. As principais causas costumam ser afogamento, ferimento por arma de fogo, atropelamento por trem e, no topo da lista, queda de grandes alturas.

No começo do ano, uma mulher de 21 anos se afogou numa enxurrada de abertura de comporta enquanto ela e uma amiga tiravam selfies numa rocha no meio do Rio Waikato, na Nova Zelândia.

Em março, dois adolescentes caíram para a morte depois de tirar fotos no topo de um penhasco no Reino Unido.

Alguns meses depois, um homem na Índia foi atropelado por um trem enquanto ele e amigos posavam para uma selfie nos trilhos.

Manter-se criativo no Instagram e outras redes sociais é difícil, então fazer algo um pouco perigoso por uma boa foto pode ser tentador. Mas as autoridades já notaram o que está acontecendo e estão tomando medidas para deter os instagrameiros que se arriscam em busca da foto perfeita.

Kara Bunn, gerente de parques e cemitérios de Hamilton, já vem empregando várias medidas de segurança nos arredores das cachoeiras para prevenir mais acidentes e mortes.

"Não vale a pena", disse Bunn sobre as pessoas que se arriscam por fotos nas cachoeiras. "Prendo a respiração quando assisto essas pessoas. Mesmo se você é experiente em trilhas, basta um passo errado por uma trilha erodida para se ver caindo de um barranco."

Para impedir visitantes de tomar rotas perigosas não autorizadas, o departamento de Bunn instalou cercas de correntes, cartazes que alertam sobre os riscos de uma trilha e a multa de US$10 mil [cerca de R$ 30 mil] dólares para invasão, e até camuflaram trilhas com galhos e entulhos. Bunn acredita que as redes sociais são responsáveis pelo aumento de visitantes.

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"Isso se espalha como fogo florestal, porque essas fotos incríveis de uma pessoa na beira de uma cachoeira tendem a ser as fotos que outras pessoas vão querer copiar", diz Bunn. "Mas elas não contam a história dos perigos para chegar até lá. Então muita gente chega às trilhas sem saber no que está se metendo."

Independentemente desses perigos óbvios, aventureiros continuam fazendo o máximo por fotos em áreas perigosas dentro e fora de Hamilton.

Compreensivelmente, a perspectiva de capturar aquela imagem perfeita muitas vezes faz os fotógrafos irem sempre um passo além. Como com qualquer artista, alcançar aquele objetivo pode ser muito recompensador — incluindo financeiramente.

Adrian C., que gosta de invadir topos de prédios em Nova York, é conhecido como @opoline no Instagram. Ele é um dos muitos fotógrafos dispostos a trepar em arranha-céus para capturar imagens de revirar o estômago.

Com mais de 54 mil seguidores no Instagram, Adrian tem assumido riscos que muitos são incapazes de encarar.

Segundo ele, uma de suas maiores conquistas foi andar no parapeito do mais alto prédio residencial do hemisfério ocidental, o 432 Park Avenue, de mais de 425 metros de altura. A missão levou dias de preparação para Adrian: se vestir como um pedreiro às 4 da madrugada, quase ser pego por um segurança e escalar um guindaste para chegar à beirada.

"Quando começa a subir, você sabe no que está se metendo. Você já assumiu o risco quando pensou em fazer isso", disse Adrian à VICE. "Quando você coloca isso na cabeça, nada pode te impedir. A ideia cresce, cresce e cresce e começa a se tornar uma obsessão [tirar a foto]. E de algum jeito você acaba conseguindo."

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Adrian diz que sempre que sai de um prédio, ele quer fazer tudo de novo. É essa obsessão e adrenalina que levam tantas pessoas a arriscar tudo.

Mas ele está consciente dos riscos, e conhece pessoas que morreram em Nova York fazendo o que ele faz.

"Você nunca sabe. Pode acontecer comigo. Pode acontecer com qualquer pessoa tentando fazer isso", diz Adrian. "Não sou a pessoa certa para dizer 'não faça isso', mas se fizer, tente ter o maior cuidado possível, sabendo que você está se arriscando."

A professora de sociologia da University of Western Ontario, Anabel Quan-Haase, reconhece quão poderosas são as redes sociais em moldar decisões na vida real na hora de se arriscar.

"Redes sociais são uma economia baseada em atenção onde há centenas de milhares de fotos, então os jovens muitas vezes estão dispostos a assumir riscos para ter a imagem que vai chamar a atenção dos outros", diz a pesquisadora. "Desse ponto de vista, as redes sociais podem criar um aumento na aceitação dos riscos [em nome de uma foto] e confundir as fronteiras de quando esse risco ainda é saudável e quando [você] foi longe demais."

Mesmo que Quan-Haase não encoraje os jovens a brincar de roleta-russa com o próprio destino, ela coloca o argumento de que se arriscar é parte de crescer, e às vezes é necessário para o sucesso… mas até certo ponto.

Adrian aponta que seu propósito como fotógrafo das alturas é iluminar o desconhecido. "Digamos que há um muro alto na sua frente. Algumas pessoas só vão pensar no que está atrás do muro. Nós somos as pessoas que escalam o muro. Nós vemos o que acontece do outro lado. Aí voltamos e mostramos nossas fotos para as pessoas que não podem escalar o muro", diz. "Acho que é uma coisa com a qual você nasce."

Do outro lado da fronteira, Trahan ecoa um sentimento similar, mas mais cauteloso. "Às vezes você tem que sair da sua zona de conforto para conseguir boas fotos", acredita. "Mas acho que você não deve se afastar da sua zona de conforto a ponto de colocar sua vida em risco."

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Tradução: Marina Schnoor

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