Este cara cria games e RPGs malucos para ganhar eleições

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Este cara cria games e RPGs malucos para ganhar eleições

Clássico punk nerd, Richard Barbrook monta jogos para simular confrontos políticos e engajar jovens no maior partido de esquerda do Reino Unido.

Em 30 de agosto de 2016, Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista britânico, publicou o Manifesto da Democracia Digital, um programa de apenas quatro páginas que chamou a atenção do mundo pelo seu caráter vanguardista. Parecia, para os analógicos políticos europeus, algo inovador, único. Futurista, até.

O documento propunha várias medidas inéditas: buscava criar base de conhecimento aberta e livre para ser usada nas escolas e faculdades, incentivava o uso de software livre em todas as instâncias do governo, ressaltava a importância do ensino de programação a jovens e adultos, prometia plataformas digitais para consultar os cidadãos e dava prioridade ao direito de privacidade de todos os britânicos tanto na internet quanto nas ruas.

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Com tanta preocupação pelos direitos digitais do britânicos, o manifesto ajudou a impulsionar o aspirante a primeiro-ministro. Sua campanha nas eleições de 2017 foi vista como grande sucesso entre jovens e refrescou a imagem do Partido Trabalhista.

Um dos grandes responsáveis pela guinada foi Richard Barbrook, professor da Universidade de Westminster e um dos responsáveis pelo manifesto. Cientista político e ativista digital, ele ajuda os trabalhistas a modernizar a militância, a inteligência e a maneira de fazer política do partido. Hoje faz parte da equipe de conselheiros mais próximos de Corbyn.

Barbrook lidera a inserção de jogos, online ou offline, como maneira de treinar e preparar o partido para chegar ao poder novamente em 2019, Essa é, pelo menos, a previsão do principal estrategista do maior partido de esquerda do Reino Unido. No ano passado, as ideias do cientista político já deram um aperitivo do que pode estar por vir: Corbyn Run, um jogo para smartphones em que o candidato a primeiro-ministro corre e desvia de obstáculo. O game recebeu dois milhões de acessos e foi um dos assuntos mais comentados da campanha.

Tela de início de Corbyn Run, um ícone da eleição de 2017 no Reino Unido. Crédito: Divulgação

A base das ideias de Barbrook para o futuro do Partido Trabalhista vêm de uma obra desconhecida de Guy Debord, escritor e filósofo que foi uma das principais inspirações para as manifestações de maio de 68 na França e em outros países europeus. Debord criou um jogo de tabuleiro chamado A Game of War, uma metáfora para as dificuldades nas batalhas travadas pela esquerda no campo da política. Barbrook resgatou e dissecou o jogo em seu livro Class Wargames (Jogos de Guerra de Classes), de 2014. Resultado de anos jogando o projeto de Debord com ativistas, intelectuais e artistas, o livro procura aplicar a ideia de simulação de cenários para reformular as ações das esquerdas e torná-las competitivas em um mundo cada vez mais gamificado.

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Agora no mainstream do Partido Trabalhista, Barbrook tem como tarefa preparar políticos profissionais, pensadores e militantes para chegar ao poder nas próximas eleições do Reino Unido. De Londres, onde mora, o estrategista falou com o Motherboard Brasil sobre como aplica os jogos no dia a dia do partido e de como conseguiu convencer os líderes a aceitarem seu experimento político.

MOTHERBOARD: Como começou seu interesse por jogos?
Richard Barbrook: Quando eu era adolescente, costumava jogar jogos de guerra, históricos. Como muitos adolescentes, eu tinha interesse nada saudável por coisas como Friederich Nietzsche. Uma das coisas que começou a me mover para a esquerda foi um jogo sobre a Guerra Civil Inglesa de 1640 ou a Revolução de 1640, e costumávamos jogar Parlamento versus o Rei. Eu gostava de ser o Parlamento. Jogávamos coisas sobre a Segunda Guerra Mundial e gostava dos soviéticos porque eles tinham táticas melhores.

E como você percebeu que os jogos poderiam ser usados na política?
Em 1976, eu gostava muito de punk rock e dos Sex Pistols e um amigo me disse que eu precisava ler sobre o situacionismo e eu descobri o Guy Debord [autor de A Game of War]. Li essas coisas aos 20 anos, muito jovem. Com a mistura da música, e das drogas… (risos). Muitos anos depois, descobri que o Guy Debord havia feito um jogo de tabuleiro, mais ou menos na mesma época em que estávamos fazendo rodinhas aos som de Sex Pistols e The Clash, o que é irônico porque naquele período eu não gostava mais de jogos de guerra, algo que fiz na minha juventude embaraçosamente nerd. Isso foi em 2006, por aí. Peguei uns soldados de brinquedo velhos que eu tinha e fiz uma versão do jogo do Debord com eles. E começamos a jogá-lo. E isso se tornou um projeto artístico [Class Wargames, que se tornou um livro]. Usávamos o jogo para falar sobre o situacionismo, política. Levamos o jogo a vários lugares da Europa e até ao Brasil! Jogamos no Rio, em Belo Horizonte, foi muito divertido. Um dos layouts que colocamos no livro chamamos de "O cenário do Rio de Janeiro", para homenagear essa visita. Já dei um curso sobre política e jogos lá há alguns anos.

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Barbrook jogando The Game of War no Rio de Janeiro. Crédito: Arquivo pessoal

Quando você propôs que os games se tornassem uma estratégia de campanha dentro do Partido Trabalhista?
Nos anos 1980, eu estava muito envolvido com a chamada 'Hard Left' do Partido Trabalhista. Havia três facções: a direita, a esquerda suave e a esquerda dura, digamos assim. A esquerda dura comandava o Grande Conselho de Londres [organização que coordenava a região urbana da capital londrina], de 1981 a 1986, que depois a Thatcher aboliu porque não conseguia ganhar as eleições. Eu estava muito envolvido nisso e numa pequena facção chamada Labour Briefing. Um dos principais líderes no Grande Conselho era o vice-líder John McDowell. Eu era amigo dele na época. Quando Corbyn venceu a liderança do partido, McDowell]era o coordenador da campanha. Ele se tornou o número dois no Partido Trabalhista. A esquerda dura deixou de ser marginal para se tornar mainstream. Em 2016, houve o referendo do Brexit, os seguidores de Tony Blair tentaram dar um golpe no partido, que chamamos de "Golpe das Galinhas". Jeremy me chamou para uma reunião antes das eleições gerais de 2017 e perguntou se alguém tinha alguma ideia para tornar a campanha mais excitante. Eu disse: "Jean-Luc Mélenchon, [líder do movimento França Insubmissa, fez um jogo durante sua campanha presidencial chamado Fiscal Kombat. Nós deveríamos fazer isso". Mandei um link para ele, que ele nunca viu, mas confiou em mim e disse: "Vou arranjar o dinheiro inicial. Monte uma equipe". Eles produziram Corbyn Run, que é brilhante. É o projeto de maior sucesso em que eu já estive envolvido. A página teve quase dois milhões de impressões. Se tornou um dos ícones das eleições de 2017. Um comentarista disse que se tivesse acontecido com o líder anterior do partido, teria sido embaraçoso, mas foi divertido com Corbyn.

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O que vocês pretendem fazer agora?
Disso, nasceu a Games for the Many [coletivo de designers e ativistas]. Estamos montando um jogo com a equipe "shadow" do Ministério do Tesouro, um exercício de RPG. Tem outro exercício desses chamado MegaGames. Colocamos de 40 a 50 pessoas em uma sala, é como o Teatro do Oprimido, do Augusto Boal, mas em forma de jogo. Fizemos um jogo reencenando simulando o governo Corbyn em 2019, e a maneira que ele funciona é fazendo as diferentes facções do Partido Trabalhista cooperarem entre si. Uma vez que o partido entre no governo, para que ele dê certo, vocês todos terão que aprender a trabalhar juntos. Fizemos um teste há duas semanas com seis pessoas. O mais interessante é que você tem que jogar contra suas próprias inclinações políticas. Os ativistas poder ser blairites ou corbynistas, mas terão de aprender a colaborar, essa é a mensagem desse exercício. Vamos fazer fazer jogos para as campanhas de eleições locais. Elas são muito importantes porque, se o Partido Trabalhista se sair bem, a primeira-ministra [Theresa May] pode muito bem cair. Fizemos um parecido com Corbyn Run, baseado em política local. Também estamos interessados em gamificar o corpo a corpo. Queremos usar técnicas de jogos para treinar ativistas, que vão bater na porta das pessoas e disseminar ideias.

Como você convenceu o partido a adotar essas estratégias?
Bom, eu convenci o meu amigo John McDowell [risos]. Acho que algumas pessoas ainda pensam que sou um completo maluco. O fato de termos conseguido dois milhões de acessos e de ter se tornado uma espécie de símbolo da campanha, isso ajudou. Pensavam que jogos eram coisas para crianças. Pessoas de 20 e 30 anos, sacam, porque eles jogam muitos jogos. Pessoas um pouco mais velhas, da minha geração, acham muito esquisito.

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No que jogos podem ajudar na política?
Em jogos, você pode ter experiências que te dão alguma ideia do que pode acontecer. Fizemos um sobre coalizões que mostrou que [em 2010, durante um período conhecido como 'hung parliament', no qual o Partido Conservador tinha uma minoria frágil] os conservadores estavam ainda mais fracos do que eles pareciam.

"Jogos são arte, são política e são teoria militar"

Com o A Game of War, Guy Debord queriam que a esquerda pensasse de maneira estratégica. A última parte do meu livro Class Wargames mostra como ele queria usar as lições de Claus Von Causewitz [estrategista militar do Reino da Prússia] para que a esquerda percebesse quando está fraca e quando está forte. Acho que é muito útil saber quando atacar, quando retroceder, quando se consolidar, quando se mover adiante, esse tipo de coisa. São metáforas muito úteis. As pessoas não deram atenção [ao jogo de Guy Debord], disseram que era uma coisa infantil. Ele disse que essa era sua obra mais importante. Jogos são arte, são política e são teoria militar. A direita já usa isso, usa simulações. Mas a esquerda é muito burra, não faz isso. É uma maneira muito útil de pensar o mundo. É claro que você precisa ser crítico: se fizer uma simulação ruim, vai ter resultados ruins.

O que você espera conseguir com esses jogos dentro e fora do partido?
Temos uma empresa chamada Digital Liberties e estamos criando outras coisas. Queremos oferecer um serviço não só para o Partido Trabalhista, mas para sindicatos, organizações comunitárias, ONGs, iniciativas de caridade, de construir jogos para eles. Você é uma empresa sem fins lucrativos que quer levar mais mulheres para a indústria dos games, o que fazer? Faça um game para falar sobre sexismo no ambiente de trabalho de uma maneira divertida.

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