Drug dealers talk about what makes an easy target for scams
Ilustração por Vincent Vallon para a VICE FR.
Drogas

Traficantes nos contaram como reconhecer um otário

Perguntamos a quatro traficantes como eles decidem em que clientes vão passar a perna.
NR
Traduzido por Nicola Rose

Quando o usuário compra drogas ilegais, ser enganado é meio que um ritual de iniciação: todos já passaram por isso pelo menos uma vez. Talvez comprando Carambar em vez de maconha, um grama de cocaína que na real era farinha… ou talvez só sendo enganado sobre a qualidade e peso da compra. Enquanto a maioria dos traficantes não engana os clientes – o que é ruim para os negócios, já que o objetivo é construir uma base fiel de compradores – às vezes eles fazem isso por razões que variam de pobreza a vingança. Toda cidade tem uma certa área ou bairro onde o pessoal passa a perna em turistas inexperientes, e os golpes variam muito.

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Mas como um traficante sabe que está lidando com um otário? Por que eles decidem enganar certos clientes, e como eles fazem isso? A VICE França falou com quatro traficas – que admitiram livremente ter enganado clientes que eles chamam de pombas (a gíria em francês para “otário” ou “burro”) de vez em quando – para aprendermos com eles.

Os nomes foram mudados para proteger os entrevistados.

Bastien (31 anos), traficante de maconha

Bastien cultiva maconha em casa há décadas. Produzir a erva permite que ele consuma de graça, e aumente a renda todo mês vendendo para os colegas do trabalho (ele trabalha com seguros). Ele ri quando lembra de ter vendido “um grama por 21 euros” (na França, 2 gramas de maconha geralmente saem por 10 euros).

VICE: Na sua opinião, quem é um bom otário?

Bastien: Alguém que não sabe nada sobre o produto, que não vai pesar depois e não tem muitos contatos.

Como você escolhe seus otários?

Geralmente pessoas com muita grana, e que estão no mesmo círculo profissional que eu – que não conhecem muitos traficantes e que geralmente têm acesso à maconha de baixa qualidade por 10 euros o grama. Então quando veem o que estou oferecendo, eles nem prestam atenção no preço.

Como você engana esses caras?

Acho que eles nem desconfiam que estão sendo enganados, porque falo o preço de cara. Essas pessoas não sabem nada sobre o processo, então acertamos as coisas de um jeito muito direto – quase honesto.

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Assista: Como tratar traficantes de maconha, segundo um traficante de maconha


Nathen (27 anos), traficante de cocaína

Nathan tem um golpe diferente e mais arriscado. Ele nunca foi um traficante de verdade, porque nunca teve como comprar drogas em grande quantidade. Na verdade, ele geralmente precisa de dinheiro para financiar o próprio uso. Então ele engana estranhos que conhece “por acaso” – vendendo farinha em vez de cocaína.

VICE: Na sua opinião, quais os traços de um otário?

Nathan: Um otário é um novato – e acima de tudo alguém que não conheço, que não vai me encontrar depois. É alguém que vai confiar em mim, mesmo não me conhecendo realmente – alguém que não sabe porra nenhuma sobre tráfico.

Como você escolhe sua presa?

Honestamente, são eles que acabam me escolhendo! São estranhos que me abordam à noite, nas ruas ou por mensagem no celular, para fazer uma compra. Não engano qualquer um. Geralmente viso gente mais jovem, fisicamente mais fraca que eu, que não vai tentar me atacar quando perceber que foi enganado.

Você pode contar mais sobre seus métodos?

Encontro essas pessoas num lugar público, geralmente na rua. Em casa, preparo um papelote com farinha suficiente para parecer um grama de cocaína; colocando dentro de vários sacos para a pessoa não sentir o cheiro ou ver o produto direito. Quando encontro o otário, faço pressão dizendo que vi a polícia ali perto, que temos que fechar negócio rápido, e quando me dão os 80 euros, saio fora o mais rápido possível e bloqueio o número. É emocionante. Pra mim, eles não deveriam ter confiado num estranho tão rápido. Acho que eles são parcialmente responsáveis pela situação – e de certa maneria, têm sorte que só vendo farinha pra eles: quando você compra desse jeito, de uma pessoa aleatória, você pode acabar com algo muito pior que farinha no seu nariz.

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Serena (23 anos), traficante de maconha

Serena foi a única golpista mulher que conheci. Agora com 23 anos e fora do jogo, ela enganou muita gente entre os 19 e 22 anos – em parte porque precisava de dinheiro, mas também motivada por vingança: “Me enganaram tantas vezes quando comecei a usar que finalmente pensei 'não tem por que não tirar vantagem disso, da falta de regras no tráfico'”.

VICE: Quem é um bom otário?

Serena: Bom, geralmente alguém jovem – todo mundo já foi enganado quando era inexperiente. E tem gente que não sabe como verificar o produto que está comprando; você consegue pressionar esse pessoal facilmente. E você reconhece um otário fácil pelo jeito que ele fala sobre o que usa: se ele exagera, se gaba, diz que cheira cocaína quase toda manhã, você sabe que o cara é totalmente verde. Então você entra no jogo, fala com eles, e os engana.

Quem são as pessoas mais fáceis de passar a perna?

Quase sempre eu visava garotas mais novas que eu, porque elas confiavam em mim automaticamente. Você não encontra muitas garotas que vendem drogas, então as clientes ficavam superfelizes – elas achavam que rolava uma solidariedade feminina. Eu escolhia minas que vinham gastar o que tinham no bolso, e que não conheciam ninguém em comum comigo.

O que acontecia depois?

Eu fazia elas virem pro térreo de um prédio – eu dizia que morava lá. Aí cobria meu rastro no caso de alguma garota querer voltar pra reclamar. Geralmente eu mostrava pra elas um pouco de maconha bem boa, dizendo que era aquilo que tinha do pacote – um pacote opaco, óbvio. Mas no pacote só tinha grama, às vezes nem isso. E toda vez, as minas ficavam tão felizes de comprar de uma garota legal que nem faziam perguntas – só me davam 40 euros e iam embora. E uma vez também vendi um pouco de speed como se fosse cocaína, mas me arrependi depois. Quando as pessoas cheiram algo que não estão acostumadas, pode ser perigoso. Agora parei com tudo isso – ganho a vida honestamente e sinto muito por ter enganado menores. Foi divertido no começo, mas um dia comecei a me sentir culpada e parei.

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Philippe (28 anos), traficante de cocaína

Philippe é traficante de cocaína e usuário. Ele não é um golpista em tempo integral, porque tem uma clientela fiel que não quer enganar. Mas ele já passou a perna em pessoas que o irritaram “uma vez ou outra”.

VICE: Pra você, qual a definição de um bom otário?

Philippe: Basicamente um grande babaca. Alguém que te vê como um dispenser de cocaína e mais nada. Ele não dá a mínima pra sua vida pessoal, suas restrições – ele só quer o pó dele.

Então você procura pelo cara mais cuzão?

Não acontece com frequência, mas uma vez tinha esse cara que estava me assediando. Ele continuava querendo compra comigo, mesmo depois de dizer que eu não ia mais vender pra ele. Eu só queria mostrar que se ele enchesse meu saco, ia dar merda.

O que você vendeu pra ele?

Num ponto comecei a ter que cortar a cocaína. O cara não parava de me perturbar – então, no dia seguinte, peguei um pouco de cocaína, e de um grama, coloquei 0,6 – um pouco mais – e misturei açúcar de confeiteiro, alguns remédios; tudo que parecesse cocaína, sabe? Mas não curto fazer isso, porque é assim que você acaba apanhando. Se algum cara descobre que você deu pó falso pra ele, você vai acabar com problemas de verdade.

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Matéria originalmente publicada pela VICE França.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.