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Politică

O escândalo com a Rússia pode ajudar Trump a ser reeleito

Se seus oponentes se focarem demais nas teorias de conluio com os russos, eles se arriscam a eclipsar os verdadeiros fracassos do presidente.

Donald Trump passou boa parte dos últimos diasdizendo que não sabia realmente se hackers russos tinham atacado os democratas em 2016, voltando atrás da pior maneira possível no que já tinha dito e surtado no Twitter sobre como sempre denunciou os russos. Foram dias bem ruins e bizarra para o presidente americano. Mas se ele tiver mais algumas semanas do tipo, é possível que ele se reeleja em 2020. Quando falamos sobre a Rússia, não estamos falando sobre todos os outros fracassos de Trump, e esses outros fracassos – não a narrativa de conluio em potencial – têm mais chances de levar à queda dele.

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Nem preciso dizer que a suposta colaboração da campanha de Trump com a Rússia é um puta escândalo e que a investigação de Robert Mueller não é uma “CAÇA ÀS BRUXAS”, como Trump tuitou. Seus assessores mentiram sobre contatos com a Rússia, incluindo o ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn, que foi obrigado a renunciar depois de mentir sobre ligações telefônicas para o embaixador russo. O chefe da campanha de Trump, Paul Manafort, está preso atualmente aguardando julgamento por várias acusações que não têm nada a ver com a campanha, o que não é um bom exemplo da bússola moral geral dessa administração. Trump demitiu o diretor do FBI James Comey, depois foi para a TV dizer que isso tinha relação com a investigação da Rússia; Comey posteriormente disse que Trump pediu a ele para parar de investigar Flynn. Ah, e Manafort teve uma reunião, junto com o filho e o genro de Trump, com um advogado russo com conexões no Kremlin, que entrou na sala prometendo entregar sujeiras sobre Hillary Clinton. Tem mais coisa, mas isso já é o suficiente pra deixar claro que essa é uma questão importante.

O problema para os oponentes de Trump é que isso representa “uma história complicada e em constante expansão”, como David Corn escreveu no Mother Jones. “O impacto total desse escândalo não ressoa na cobertura e discurso diários”, segundo Corn, em parte porque Trump e o Partido Republicano negam de maneira simplista qualquer coisa inconveniente que aconteceu em 2016 (exceto a investiga tendenciosa do FBI, blá, blá, blá, Hillary deveria estar presa), e em parte graças à conversa cercando o escândalo e a retórica de Trump ser densa ao ponto do incompreensível para quem não está acompanhando de perto.

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A aprovação de Trump estava em 40% no final da semana passada. Mas temos que relembrar que ele era similarmente popular logo antes de ser eleito em 2016. Uma pesquisa mais preocupante mostrou que apenas 60% dos americanos – e apenas 46% dos republicanos – acreditam que a Rússia meteu o dedo na eleição, o que os russo realmente fizeram segundo toda agência de inteligência dos EUA. (A crença de Trump que a Rússia realmente interviu em 2016 não parece ter se filtrado para sua base.) A mesma pesquisa mostrou que 75% dos republicanos acham que a investigação sobre a interferência é baseada num sentimento anti-Trump, enquanto outra pesquisa, do mês passado, descobriu que 53% dos republicanos têm opiniões negativas sobre Mueller.

Talvez alguma evidência que Mueller descubra mude tudo isso e até convença políticos republicanos a romper em massa com Trump de uma vez por todas. Mas considerando o talento do presidente para negar até as verdades mais claras e o instinto do seu partido de denunciar qualquer escândalo como trabalho do “estado profundo”, duvido muito.

Mas se o escândalo russo não pode parar Trump, o que pode? Removendo a nuvem em formato de Kremlin sob a cabeça dele, Trump se torna uma figura menos sinistra, mas os fracassos de sua presidência ficam mais claros:

- Toda a conversa dele sobre um sistema melhor de saúde pública deu em nada. Em vez disso, ele apoiou uma lei que iria tirar o plano de saúde de milhões de americanos, e agora que isso não deu certo, o Partido Republicano está tentando tirar a parte mais popular do Affordable Care Act, a regra que impede empresas de plano de saúde de negar cobertura para condições preexistentes.

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- Seus tão elogiados cortes de impostos, como quase todo mundo já previa, beneficiaram principalmente corporações e os ricos.

- Apesar de o desemprego estar numa baixa histórica, os salários ainda não estão subindo.

- Suas promessas grandiosas de infraestrutura não estão sendo cumpridas – ele nem tentou concluir esta aqui.

- Suas guerras comerciais prejudicaram desproporcionalmente estados com base de eleitores dividida e constituintes como fazendeiros que ele prometeu ajudar.

- O muro na fronteira que ele prometia em toda oportunidade ainda não foi construído. Seus esforços para limitar imigração legal fracassaram de maneira similar. Sua política de imigração mais famosa do último ano foi a decisão de separar crianças migrantes dos pais na fronteira, o que provocou tantos protestos que ele teve que revertê-la, mesmo depois de uma tentativa sem vergonha de culpar os democratas pela crueldade da própria administração.

- Finalmente, depois de falar tanto sobre “drenar o pântano”, Trump é o chefe da presidência mais corrupta da memória recente, com vários chefes de gabinete usando suas posições para enriquecer parentes e lobistas assumindo posições-chave.

Sim, Trump teve alguns “sucessos”, no sentido que indicou juízes conservadores e teve a chance de preencher duas posições na Suprema Corte; ele também presidiu uma grande reversão de regulamentações. Mas muitas das promessas tangíveis que ele fez para sua base, as coisas que o diferenciavam do establishment republicano, não se materializaram.

Não acho que Trump está intencionalmente tentando desviar a atenção com o negócio da Rússia. Mas o escândalo tem alguns propósitos úteis para ele. Por exemplo, isso faz todo mundo se focar numa história complexa que é difícil reduzir a um slogan. E quando você reduz isso a um slogan – “Trump, o traidor”, “O fantoche de Putin” – isso permite que Trump e seus aliados fiquem ultrajados juntos e denunciem os democratas hiperbólicos, que no final das contas não provaram o conluio de Trump com a Rússia. Aí ele vai dizer que enquanto os democratas querem guerra com a Rússia, ele está cuidando dos interesses das pessoas: olha só os números de desemprego!

O escândalo russo é uma história grande – talvez a maior da história dos EUA, se as teorias mais ousadas sobre Trump são verdade. Mas de certa maneira é grande demais. As histórias menores são aquelas que afetam as vidas das pessoas. Se você pode pagar para ir ao médico. Se você consegue sobreviver com um trabalho de salário-mínimo. Se as estradas e pontes que você usa todo dia são consertadas ou deixadas para rachar e enferrujar. É possível, por mais improvável que pareça, que Trump seja um tipo de colaborador da Rússia. Mas qualquer que seja a relação dele com Putin, ele é um péssimo presidente.

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