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Tecnologia

Como Uma Espaçonave Tipo a Orion Sobrevive à Radiação da Órbita Terrestre

Curiosamente, a tecnologia especial moderna é mais suscetível à radiação do que da última vez em que visitamos a Lua.
​O módulo Orion em 2009. Crédito: NASA

A NASA ​conseguiu, na última sexta-feira, lançar sua nova cápsula espacial Orion em um voo de teste ao redor da Terra. É um veículo para equipes de várias utilidades que a agência espacial crê ser a melhor forma de voltarmos a lua – e quem sabe, algum dia, seguir à Marte.

Mas entre os desafios enfrentados pela Orion – um lançamento e reentrada bem-sucedidos são essenciais – os cientistas da NASA estão de olho em outra variável: como os computadores da espaçonave lidarão com os níveis muitas vezes perigosos e imprevisíveis de radiação no espaço.

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Este não é um problema exclusive da Orion. A radiação afeta tudo, de satélites na órbita terrestre à sondas no espaço profundo – íons altamente energizados que tocam o terror com estes computadores, dificultando seu trabalho. Mas ao contrário, digamos, dos notebooks na Estação Espacial Internacional (que espera-se não devam durar muito) ou um sem-fim de satélites de comunicação (cujos processadores antigos já são bem mais que preparados para isso), a parte eletrônica da Orion é nova, e a NASA precisa se certificar de que tudo nela funcionará bem pelos próximos anos e décadas.

"Temos um monte de sistemas que monitoram a órbita geossincrônica… Então meio que sabemos como é o espectro desta radiação", disse Mark Geyer, gerente do programa da Orion, durante o briefing pré-voo da NASA na terça. "A diferença é que estes chips de computador em especial foram testados no solo sob determinadas condições… Mas é preciso mesmo este voo."

Engenheiros da Orion fazendo testes de aviônica. Crédito:  ​Lockheed Martin

A radiação no espaço pode afetar componentes eletrônicos de duas formas. De um lado há falhas e erros transitórios – rajadas curtas naturais de íons altamente energizados derivados da atividade solar ou do espaço profundo, que podem interromper cargas elétricas ao penetrar um circuito integrado.

"Na RAM o que acontece é que estas partículas alteram bits e assim podem mudar a memória armazenada. Elas podem alterar programações. Elas podem causar todo tipo de falhas transitórias", explicou Lloyd Massengill, professor de engenharia elétrica e de informática da Universidade Vanderbilt, também diretor de engenharia do Instituto de Eletrônica Espacial e de Defesa. "E no caso dos microprocessadores, elas podem gerar sinais… Errôneos, que podem se propagar pelo processador e fazê-lo executar sua programação incorretamente".

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Em outras palavras, a radiação pode corromper dados. Pode transformar 1 em 0. Pode fazer um processador pensar que 2+2=5.

"São coisinhas terríveis, porque se você tem um sistema de satélite, rodando um processo essencial para a missão, então estes erros, estes erros transitórios, podem fazer com que um satélite cometa todo tipo de falhas", prosseguiu Massengill. "A pior possibilidade, por exemplo, seria encerrar um sistema de comunicação ou acionar um de seus propulsores na hora errada."

O número de falhas que podem ocorrer variam de acordo com a posição da aeronave no espaço – a radiação é extremamente perigosa por volta de Júpiter, por exemplo – e em uma situação extrema, as falhas podem acontecer minuto à minuto. Em alguns casos, veículos como o telescópio Hubble se desligaram por completo, várias vezes ao dia, ao passar por uma zona de alta radiação como a do fenômeno terrestre conhecido como Anomalia do Atlântico Sul.

Monitor de área de radiação à bordo da Expedição 26. Crédito:  ​NASA

E essa é só a ameaça ordinária da radiação. Há de se contar também os efeitos a longo prazo dela – a degradação dos circuitos ao longo do tempo. A quanto mais íons um circuito integrado é exposto, menos eficaz ele se torna para armazenar informações ou fazer cálculos. Eventualmente, um componente pode falhar. Os engenheiros tentam antecipar esta falha em parte graças à informações fornecidas pelos fabricantes que estimam o quanto de radiação a curto e longo prazo determinada peça pode aguentar.

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Você pode proteger eletrônicos da radiação até certo ponto, tanto a de longo quanto de curto prazo. O gerente do programa Orion da Lockheed Martin, Mike Hawes, explicou em um briefing anterior da NASA que há de fato uma cara voltada para pesquisa na Orion que medirá os níveis de radiação e testará a eficácia de diversas formas de proteção. Mas estas proteções também pesam, e restrições de tamanho, peso e custo dificultam seu uso em satélites e afins a não ser em última instância. Muitas vezes, os engenheiros tentam compensar pelos efeitos da radiação no design do componente em si.

Uma das opções é construir um chip já preparado para os efeitos da radiação, criado de forma a ser menos suscetível aos efeitos da mesma. Em outras palavras, se meter um chip da Intel no seu caríssimo satélite não é bom o suficiente, o que resta é criar seu próprio processador – o que não é bolinho, e leva muito dinheiro e tempo.

(Curiosidade: um popular processador que ainda é vendido e usado atualmente é o Power PC 750 fabricado pela BAE. Ele tem uma velocidade de até 200 MHz. Seu equivalente comercial foi usado em muitos Macs do começo do final dos anos 90 e começo dos anos 2000.)

Como nem todos podem pagar ou precisam de eletrônicos resistentes à radiação, a estratégia mais comum para lidar com o problema de acordo com Massengill se chama Redundância Modular Tripla (RMT). Ao invés de usar aparelhos e peças eletrônicas especiais, usam-se peças mais comuns – mas três delas em conjunto, todas fazendo a mesma coisa e ao mesmo tempo. Caso uma dê erro, as outras duas a corrigirão.

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Curiosamente, a tecnologia especial moderna é mais suscetível à radiação do que da última vez em que visitamos a Lua.

"O que é interessante sobre os computadores agora é que por mais que eles sejam muito mais potentes, também são mais suscetível à radiação que os antigos", afirmou Geyer durante o briefing de terça-feira da NASA. "Temos um sistema mais robusto, mas vulnerável à diferentes ambientes em relação ao sistema Apollo".

Massengill explica que isso não é exatamente surpreendente. Com os eletrônicos ficando cada vez mais complexos – ao passo em que diminuímos transistores e enfiamos mais e mais deles em pacotes menores, levando a tecnologia ao seu limite – a interferência torna-se mais provável. É uma questão de escala.

O software com certeza contribui também. Algoritmos ajudam armazenamento sólido e memória flash a durarem mais no espaço, e há formas dos processadores se reconfigurarem para se adaptarem ao ambiente.

Mas tudo que podemos fazer mesmo é comprar algum tempo para o hardware. Os computadores, similarmente aos astronautas que os operam, tem um limite de sobrevivência no espaço.

Tradução: Thiago "Índio" Silva