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Tecnologia

Como Deixar a Física Quântica Mais Estranha? É Só Desmembrar uma Função de Onda

Uma equipe de físicos da Universidade Brown conseguiu desmembrar uma função de onda quântica, algo que pode abalar as bases do mundo quântico.
Hélio líquido. Crédito: Alfred Leitner

Uma equipe de físicos da Universidade Brown conseguiu desmembrar uma função de onda quântica. A representação quase mítica da realidade como indeterminação, na qual uma partícula imensurável pode pertencer à vários estados simultaneamente, pode ser dissecada em várias partes. Essa dissecação, como descrita no começo da semana no Journal of Low Temperature Physics, tem o potencial de abalar as bases do mundo quântico.

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Quando falamos que algum elemento do mundo quântico ocupa vários estados ao mesmo tempo, estamos, na verdade, falando sobre a função de onda do elemento. A função de onda pode ser descrita como um espaço ocupado simultaneamente por inúmeras possibilidades ou graus de liberdade.

Se uma partícula pode estar em uma certa posição (x,y,z) dentro de um espaço tridimensional, existe a possibilidade de que ela também possa estar na posição (x1,y1,z1) ou (x2,y2,z2) — e assim por diante. Essa potencialidade é representada pela função de onda, que representa a soma de todas essas possibilidades. Mesmo o que nós chamamos (de forma determinista) de vácuo possui uma função de onda, e, dessa forma, possui uma chance muito real de não ser um espaço vazio. Eventualmente, essa função se manifesta na forma de partículas "virtuais".

Visualmente, podemos visualizar uma partícula como uma nuvem, e não como um ponto definido no espaço. Imagine traçar todos seus movimentos por algumas semanas (ou meses) em um mapa, ou em uma imagem de satélite. O resultado final parecerá com uma nuvem. No caso da nuvem de elétrons, no entanto, ao invés de representar eventos passados, a nuvem representa o que está acontecendo nesse exato momento. Estranho, né? O que torna tudo mais legal é que um bando de partículas pode compartilhar esses estados simultaneamente, se tornando, para todos os efeitos, versões de uma mesma partícula. Temos, então, o entrelaçamento.

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É possível eliminar toda essa indeterminação. Na verdade, é até bem simples; as funções de onda são extremamente frágeis, sujeitas a "colapsos" que limitam todas essas possibilidades a uma única partícula e um único ponto em um único tempo. É isso que acontece quando um humano macroscópisco tenta mensurar um sistema de mecânica quântica: a onda desaparece e tudo o que nos resta é uma partícula definida e entediante.

AS DUAS PROBABILIDADES PODEM SER SEPARADAS E ISOLADAS COMO CENAS DE CRIMES QUÂNTICAS

Os pesquisadores da Universidade Brown, liderados pelo físico Humphrey Maris, descobriram que é possível pegar uma função de onda e isolá-la em diferentes partes. Assim, se um elétron pode estar na posição (x1,y1,z1), ou na posição (x2,y2,z2), essas duas probabilidades podem ser separadas e isoladas como cenas de crimes quânticas. De acordo com Maris e seu time, isso pode ser feito (e de fato foi feito) com a ajuda de pequeninas bolhas de hélio, que servem como "armadilhas" físicas.

"Nós estamos capturando chances de achar um elétron, não pedaços desse elétron", disse Maris em um pronunciamento oferecido pela Universidade Brown. "É como uma loteria. Quando um bilhete de loteria é vendido, todo mundo que compra um bilhete ganha um pedaço de papel. Todas essas pessoas estão segurando uma chance, uma potencialidade; podemos dizer que essas chances estão espalhados por todo o mundo. Mas só existe um prêmio — um elétron — e o destino desse prêmio só é determinado depois."

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Maris está tentando desvendar um mistério muito antigo com sua pesquisa. Em experiências que datam da década de 60, físicos observaram um comportamento muito peculiar em elétrons imersos em banhos hipergelados de hélio. Quando um elétron é imerso no banho, ele se esforça para repelir os átomos de hélio que o cercam, formando uma pequena bolha ou cavidade no processo. Essas bolhas então se arrastam lentamente em direção ao fundo do recipiente e do detector utilizado na experiência. Supõe-se que as bolhas sejam do mesmo tamanho, e, dessa forma, movam-se na mesma velocidade. E ainda assim, uma coisa muito mais estranha acontece.

As bolhas de elétrons não são as primeiras coisas e atingir o detector da experiência. Antes que elas atinjam o fundo do recipiente, o detector começa a registrar a presença de uma série de objetos misteriosos. Essa experiência foi repetida inúmeras vezes ao longo dos anos, e as possíveis explicações incluem impurezas no banho de hélio ou a possibilidade dos elétrons se unirem aos átomos de hélio, o que poderia acionar o detector.

O time de pesquisadores de Brown afirma que a única explicação plausível é a deles, que envolve uma fissura que divide a função de onda do elétron em pedaços de tamanho similar aos dos objetos misteriosos detectados nessas experiências. Portanto, o detector não está registrando novos objetos, mas sim diferentes aspectos ou vestígios de um mesmo elétron, pequenas lascas da nuvem de possibilidades. Que um elétron (ou outra partícula) possa estar em vários lugares ao mesmo tempo já é estranho o suficiente; mas a ideia de que essas possibilidades possam ser capturadas e manipuladas acrescenta uma reviravolta ao mistério.

No fim das contas, a função de onda não é uma entidade física. É uma entidade matemática que descreve um fenômeno. Assim, não é como se pudéssemos encontrar algum pedacinho de um elétron dentro dessa bolha. Uma possível medição revelaria que o elétron está, intacto e completo, dentro de uma única bolha. Na verdade, esse seria o caso se aceitássemos que o próprio hélio não é capaz de causar uma perturbação semelhante à uma medição humana, fazendo com que sua própria função de onda desmorone diante de uma "experiência científica" acidental.

"Ninguém tem certeza do que constitui uma medição", disse Maris. "Talvez os físicos concordem que alguém com um Ph.D. vestindo um jaleco e sentado em um laboratório de uma universidade famosa possa fazer medições. Mas e quanto a alguém que não sabe muito bem o que está fazendo? A consciência é, de fato, necessária? Nós não temos certeza."

Tradução: Ananda Pieratti