O que podemos esperar da greve geral?

FYI.

This story is over 5 years old.

reportagem

O que podemos esperar da greve geral?

Especialistas analisam as perspectivas para a paralisação desta sexta (28) num cenário de atual fragmentação da classe trabalhadora brasileira.

Está marcada para esta sexta (28) uma greve geral contra o governo Temer e suas reformas, sobretudo a da Previdência. Diferentes trabalhadores já confirmaram adesão à paralisação, como aeronautas, bancários, carteiros, comerciários, metalúrgicos e petroleiros. Tudo isso com a benção da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e organização das nove centrais sindicais. Categorias historicamente fortes e organizadas, como metroviários e professores, já fizeram suas mobilizações nas últimas semanas como uma espécie de "esquenta".

Publicidade

Leia também: "O que pode mudar na vida dos jovens com a Reforma Previdenciária de Temer"

Diz a história que a primeira grande greve de operários no Brasil aconteceu há exatos cem anos, em 1917. Na ocasião, trabalhadores em condições insalubres em fábricas de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul cruzaram os braços contra os desmandos dos patrões que aumentavam a jornada de trabalho e não pagavam a mais por isso. Depois, sindicatos e população se uniram em outras grandes greves nacionais, como a de 1989, contra o Plano Verão de Sarney, tida como a mais numerosa da história do país, e a paralisação de 1991, que esbravejava contra as medidas econômicas do governo Collor. A última grande movimentação neste sentido foi a "fracassada" de 1996, que reclamava da política de privatizações de FHC.

Cartaz da CUT que convocava a greve de 1989. Imagem: Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT

Agora, no Brasil de 2017, percebe-se uma grande diferença quando se fala na relação entre funcionários e patrões e também há uma diferença quando analisamos a associações de trabalhadores em comparação ao que ocorria no século 20. Além de ter perdido a tradição de mobilizações de massa dos trabalhadores, o setor de serviços é muito mais forte que a indústria, os micro-empreendedores, trabalhadores autônomos (tcc freelancers) e adeptos do trabalho à distância são cada vez mais numerosos, assim como as startups que começam a dar as caras no país.

Ao levar esse novo cenário em conta, uma greve geral seria mesmo eficaz com a atual configuração do mercado de trabalho? Pesquisadora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professora da Universidade Metodista, a socióloga Luci Praun acredita que sim, mas que Brasil contemporâneo tem ganhado novidades em relação à luta por direitos. "A classe trabalhadora está mais fragmentada e agora encontra outras formas de organização, como são os coletivos da juventude. A gente vivenciou isso em Junho de 2013 e também [durante] as ocupações das escolas estaduais. Os sindicatos não perdem o papel, mas outras formas de articulação passam a agir em conjunto. O impacto disso é forte e necessário em um momento como esse", disse.

Publicidade

"A classe trabalhadora está mais fragmentada e agora encontra outras formas de organização, como são os coletivos da juventude." — Luci Praun

Trabalhadores que não estão no mercado formal de trabalho também encontram outros modos de organização além do sindical, segundo reporta o pesquisador e professor do Departamento de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo) Ruy Braga. "O MTST mesmo, por exemplo, é cheio de manicures e cabeleireiras", exemplificou.

Caso você pense que trabalhar como frila ou de modo autônomo é algo descolado, o professor e pesquisador da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Paulo Fontes tem uma péssima notícia. "A precarização não é algo novo no mercado de trabalho, embora seja vendida como aspecto de modernidade a desregulação do mercado sempre esteve aí", diz o historiador sobre os subempregos ou o autoempreendedorismo, categorias que tendem a se intensificar com a aprovação da Lei de Terceirização. "Mesmo com uma nova estrutura, as greves vão continuar a existir", acredita.

Desemprego

O ex-país-do-futuro, hoje, tem 13,5 milhões de desempregados que, em tese e na prática, não teriam motivos para participar de uma greve. Presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) de São Paulo, Douglas Izzo garante que o alto índice de desemprego não impedirá a participação popular. "Vai ser sem dúvida a maior greve geral da história, mais que até que a de 1989 porque teremos mais categorias mobilizadas pela paralisação", aposta.

Paralisação de 1991 contra as medidas econômicas do governo Collor. Imagem: Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT

Publicidade

O dirigente ressalta que embora os jovens não sejam os mais numerosos em atividades sindicais há iniciativas que mostram a integração, como o Levante Popular da Juventude e Une (União Nacional dos Estudantes). "As grandes e pequenas mobilizações, assim como trancaços e intervenções na Virada Cultural e Carnaval, mostram o quanto a juventude está mobilizada. A narrativa do 'Não vai ter golpe' e 'Fora, Temer' foram criadas pelo movimento e abraçada pela população", acredita.

O UX designer Danillo Santana, 26, trabalha como freelancer e é exemplo de um "manifestante independente". Ele disse ter organizado a agenda para poder ir ao ato das centrais sindicais em São Paulo pedir a saída do presidente tido como satânico e se opor à reforma da Previdência, que considera injusta. "Vou inclusive na manifestação por não estar preso em uma agência até as 22h", disse.

Onde estavam as greves?

As greves gerais não são registradas no Brasil há pelo menos duas décadas, embora algumas categorias sempre tenham queixas em relação a negociações de aumentos, como bancários e metroviários. Os especialistas apontam dois principais motivos para isso.

Primeiro, as condições econômicas vistas desde a década de 1990, incluindo aí o Plano Real e o fim da inflação galopante, resultaram em crescimento e, de forma geral, melhorias das condições de trabalho e remuneração — muito embora aquém do desejado. E esse avanço refletiu num congelamento e/ ou falta de necessidade de greves gerais, que têm sempre um apelo político e não só econômico. "Além disso, a proximidade das principais centrais sindicais com o governo Lula diminui as chances de uma paralisação geral nos últimos anos", acredita Fontes. Luci Praun tem uma visão similar. "O fato de o PT ter ocupado por um largo período postos no Estado pode, de fato, ter criado alguns freios para mobilizações anteriormente, mas não dá para deduzir que esta greve geral só vai ocorrer porque o PT saiu do poder. Se eles tivessem proposto uma reforma desta magnitude, seria inaceitável do mesmo jeito", acredita.

Com controversas reformas políticas e sociais sendo implementadas, especialistas apostam em uma ampla mobilização nesta sexta (28).

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.