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Com cadeias superlotadas, governo do Rio Grande do Sul quer manter presos em ônibus

Polícia local chegou a algemar dois presos em uma lixeira na calçada.

Diante de índices de criminalidade recorde, o Estado do Rio Grande do Sul (RS) enfrenta uma enorme crise. Na última terça (21), o governador José Ivo Sartori (PMDB) decretou estado de calamidade financeira, afetando diretamente a questão da já precária segurança pública. Cerca de 30 homicídios acontecem a cada fim de semana no Estado, informou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) local. Com os presídios abarrotados, faltam vagas para comportar a quantidade atual de presos.

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Como medida emergencial, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) anunciou que irá adotar uma nova estratégia, utilizando um ônibus para comportar temporariamente os presos. O veículo em questão, que foi desativado em 2013, tem capacidade para 46 lugares. "O objetivo é otimizar o espaço para realização de triagem […] reduzindo o número de presos que aguardam vagas no sistema prisional em celas de delegacias e viaturas", informou a pasta por e-mail.

A secretaria, no entanto, não respondeu às perguntas feitas pela VICE, que questionou por quanto tempo e como os presos ficariam acomodados dentro do automóvel; assim como a dúvida se haveria banheiros em seu interior.

Aguardar vagas nos presídios e nas delegacias dentro de viaturas da polícia virou rotina no estado.

As primeiras tentativas da pasta em alojar os presos no ônibus não tiveram êxito. No último sábado (19), seis homens que estavam temporariamente detidos num micro-ônibus da Brigada Militar (como é chamada a Polícia Militar local) pediram a transferência para um presídio e, diante da negativa, depredaram o automóvel, desferindo chutes e socos nos vidros e na lataria.

Aguardar vagas nos presídios e nas delegacias dentro de viaturas da polícia virou rotina no estado sulista. A superlotação anda tão crítica que, no início deste mês, dois homens foram algemados a uma lixeira em frente ao Palácio da Polícia, em Porto Alegre.

Esses presos aguardam, em média, de 13 a 14 horas dentro das viaturas improvisadas, relata Ricardo Breier, presidente da OAB. "As celas das delegacias, que comportam cinco, seis presos, chegaram a ter 20 homens."

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A superlotação anda tão crítica que, no início de novembro, dois homens foram algemados a uma lixeira.

Para Breier, o colapso enfrentado pelo RS atualmente se dá "por falta absoluta de gestão preventiva há muitos anos", e não concerne somente ao atual governo de Sartori.

DIANTE DO CAOS, SECRETÁRIO PEDIU EXONERAÇÃO

Em um período turbulento de agosto último, enfrentando casos emblemáticos de violência, como o assassinato de uma médica e um triplo homicídio no município de Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre, o então secretário de segurança pública Wantuir Jacini pediu exoneração do cargo. A decisão foi tomada no mesmo dia em que mais um episódio violento acometeu a região: uma mulher foi vítima de latrocínio em frente ao colégio particular no qual seu filho estudava. Na época, Sartori cunhou a SSP como "Gabinete da Crise".

Em novembro, ele convocou Cezar Schirmer (PMDB), então prefeito de Santa Maria para o cargo. Especialistas criticaram a decisão do governador, já que o momento pedia alguém com mais traquejo e conhecimento no assunto. "Teria de ser alguém que, além de conhecimento da área, tivesse capacidade de planejamento, comando e gestão de crise", disse, na época, o ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva Filho, ao jornal Zero Hora. O fato de Schirmer ser do mesmo partido que o governador também foi alvo de críticas.

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MEDIDAS X VIOLAÇÃO DE DIREITOS

O governo do RS tem cogitado todo tipo de medida para conter a profusão de presos. Uma delas seria mantê-los temporariamente em contêineres como aconteceu no Espírito Santo e repercutiu negativamente em todo o país. Outra hipótese seria a criação de um centro de triagem. "Mas a construção levaria em torno de oito a nove meses", pondera Breier, presidente da OAB. "A curto prazo, não temos nada a ser resolvido."

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) afirma ter enviado ao governador um "pedido de providências exigindo a imediata suspensão de qualquer processo de discussão ou contratação de serviços para a instalação de contêineres ou similares como locais para detenção". Para o órgão, a medida desrespeita a dignidade humana e viola os fundamentos do Estado Democrático de Direito. De acordo com a presidente do Conselho, Ivana Farina, um mapeamento apontou o sistema prisional do Rio Grande do Sul como "a área de maior incidência de violações de Direitos Humanos pelo Estado Brasileiro".

A jurista Flávia Piovesan, secretária da pasta de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania, mostrou-se indignada com o cenário atual. "Manifestamos total perplexidade com a utilização de veículos e lixeiras como instrumentos de uma política de encarceramento em massa", declarou. "Isso viola flagrantemente a Constituição, que proíbe tratamento cruel, desumano e degradante; viola o princípio da dignidade humana, o direito à integridade física, psíquica e moral das pessoas privadas de liberdade e não de dignidade".

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