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Educação Ocupada

Uma madrugada na 1ª escola ocupada no Paraná contra a reforma do ensino médio

Estudantes do Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen foram os primeiros no estado a se mobilizar contra as mudanças previstas na PEC 241.
Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen: "OCUPADO". Foto: Gabriel Dietrich/VICE.

Na última quarta (5), o relógio marcava 22h quando chegamos ao portão do Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen, localizado na cidade de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. O portão ostentava um cartaz em letras garrafais: "OCUPADO". A garoa fina e o vento gelado cortavam nossos rostos enquanto éramos abordados desconfiadamente pela fresta do portão. Estávamos finalmente dentro do primeiro colégio do Paraná a ser ocupado numa ação dos estudantes contra a Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio (MP 746/2016), e lá passaríamos a noite.

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Assim que entramos nos apresentamos para quebrar o gelo. Fomos recebidos por M*, aluna do primeiro ano. Ela e amiga MA* surgiram com a ideia da ocupação e estão à frente do movimento. "Nós não somos líderes, o movimento não tem nenhum tipo de liderança", explica ela. "É uma ação de estudantes feita para todos os estudantes, não é coisa só do Arnaldo [a escola] ou minha. Eu nem quero aparecer", conta M.

Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

Numa ação direta, apartidária e insurgente, todos ainda estavam alvoroçados pelas conquistas do dia. Na manhã da última quarta-feira (5), já eram sete escolas ocupadas no Paraná, à noite mais de quinze. Após cinco dias de movimento, o número de escolas ocupadas em todo o estado subiu para 83 — e até a data de publicação desta matéria são, segundo a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), 102 escolas ocupadas em todo país.

ASSISTA: "São Paulo, Educação Ocupada"

No Paraná, as ocupações são resultado da ação diretas dos alunos do Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen, que vão às outras escolas dar assistência, redistribuir as doações de comida, explicar os prejuízos e perigos da MP da Reforma, da PEC 241 e da PL 257 (que, entre outros lances, tratam do congelamento de investimento em Educação e Saúde), realizar oficinas de cartazes e ensinar as medidas de segurança necessárias — como documentar com fotos todo o patrimônio físico do colégio para evitar acusações de vandalismo, por exemplo.

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A lista de escolas ocupadas aumenta. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

Depois fomos apresentados a Valquíria Teixeira da Silva, a tia Val, como os alunos a apelidaram. Val é mãe de M. e de mais dois alunos do Arnaldo, MY e MT. Com seu ar de "xerifona", briga, manda pôr o calçado pra não pegar resfriado, faz o toque de recolher, mas também aconselha e ajuda como pode os mais novos filhos. Ela conta que a maioria dos pais é favorável a ocupação. "Os alunos se organizaram. O sindicato ofereceu o espaço para discussões, mas foram eles que quiseram se reunir, cada vez com mais frequência, até decidirem pela ocupação". Val faz parte do Sindicato dos Servidores Públicos de São José dos Pinhais, entidade que juntamente com a Associação dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato) vem dando suporte às ocupações, distribuindo marmitas aos secundaristas e apoiando o transporte dos alunos entre as escolas ocupadas com um carro.

O toque de recolher final é dado à meia-noite. A ordem é: todos para o quarto, ou melhor, para as salas. O dia seguinte será longo e é preciso descansar.

Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

ORGANIZADO

A madrugada gelada chega e com ela a fome. O famoso pão com mortadela é o escolhido entre um cardápio variado de frutas, marmitas e cereal. Do nosso lado, um pequeno grupo resistia ao sono. Eram os vigias. Por toda a madrugada, alunos se revezam em turnos de uma em uma hora para cuidar das dependências do colégio e dos colegas, evitando serem surpreendidos pela polícia no meio da noite. Também foram acertados grupos específicos para limpeza e para as ações em outros colégios.

Pão com mortadela. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

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O primeiro turno da noite começa com R. e S. Enrolados nas cobertas para se proteger do frio, os dois contavam os carros que passavam na rua para passar o tempo. Naquela noite, foram cinco.

Secundaristas durante ocupação. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

Logo após o fim do primeiro turno, por volta das duas da matina, retorna MY, estudante do segundo ano do ensino médio. Ela havia passado o dia ajudando outros secundaristas em colégios de São José a organizarem as ocupações. "No colégio Chico Mendes, por exemplo, foi ótimo. Chegamos lá e já estava tudo organizado", conta a estudante. Ela afirma, no entanto, que houve casos em que grupos levaram bebidas alcoólicas para a ocupação, atitude que atraiu o conselho tutelar e só serviu para deslegitimar o movimento. "A gente não está aqui pra bagunça. Temos metas a cumprir, reivindicações, comissões, oficinas". Durante a conversa descobrimos que MY não dormia há dois dias.

AS ENTIDADES

Depois de darmos uma volta pelo Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen, nos reunimos com L., N. e J. A noite passava e a conversa se desenrolava no pátio, entre cigarros, ao lado do primeiro pavilhão do colégio. A arquitetura dos dois pavilhões com longos corredores e grades de ferro lembra um presídio. "Estilo Carandiru", comenta N.

Estilo Carandiru. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

O nome da escola remete ao padre e professor de matemática alemão canonizado pela igreja católica em 2005. Eles nos contaram que o prédio do Arnaldo Jansen é assombrado, característica que parece não incomodar nenhum dos ocupantes do colégio. Costuma-se dizer — incluindo os três entrevistados da vez — que o fantasma do padre Arnaldo ainda ronda o lugar.

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Às três e meia da madrugada, surgiu uma pessoa aparentemente enrolada em um cobertor. É a primeira entidade, pelo menos foi como L., N. e J. a nomearam. Ela nos observa por um momento, o suficiente para G. registrá-la em uma fotografia sombria.

Alguém enrolado com um cobertor. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

Chegamos assim às cinco horas da manhã e uma chuva torrencial atingiu a escola formando cortinas d'água por toda parte. O vento fazia a lona e as cadeiras — que juntas formavam uma barricada para barrar a passagem da ala da direção para a ocupação — estalarem num ruído macabro. Cenário que somado aos acontecimentos da noite nos dava arrepios.

Os cartazes que davam o ar da luta aos muros do colégio do lado de fora resistiram bravamente a chuva. Todos permaneceram surpreendentemente intactos.

Barricada feita de cadeiras e lona. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

AMANHECEU

Amanhece. Um céu em tons de roxo despertava a cidade aos poucos o resto dos alunos levantava enquanto os vigias iam descansar. O movimento de pessoas fica mais intenso à medida que o dia toma forma. A equipe da RPC — afiliada da Rede Globo em Curitiba — apareceu, porém não foi bem recebida. O acordo é não dar mais entrevista para a emissora. O motivo: eles já haviam divulgado uma entrevista que colocava em dúvida a fala dos alunos. Mais professores e estudantes chegam.Formamos uma roda com o professor Emerson, de sociologia, enquanto alunos assistiam à aula sobre a música de resistência no Brasil durante a ditadura.

Equipe da Globo local chegando na ocupação. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

Um assunto se sobressai aos outros na manhã de quinta (6): Organizações estudantis como União Paranaense dos Estudantes (UPE) e a União dos Jovens Socialistas (UJS), entre outras, estão indo nos colégios ocupados e tomando, do ponto de vista de muitos alunos, a organização para eles — tirando assim o protagonismo dos estudantes que têm se organizado e gerido de forma autônoma — e gerando rixas desnecessárias ao levantar suas bandeiras.

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M. é bombardeada de perguntas sobre o assunto. Ela afirma que as organizações não podem tirar o protagonismo dos estudantes no movimento, que devem estar a frente, até porque não há liderança definida.

Na noite anterior, L. havia nos dito algo que encaixa perfeitamente. "É como se fosse um apocalipse zumbi. Se nós ficarmos separados e brigando entre nós vamos morrer todos."

Fica a mensagem. Fotos por Gabriel Dietrich/VICE.

Com a chegada do almoço também chegou a hora de ir embora. Agradecemos a hospitalidade. A possibilidade de acompanhar um movimento orgânico e autônomo, em que as olheiras de cansaço e a maturidade contrastam com a idade ainda pouca (os estudantes têm de 14 a 17 anos) foi uma oportunidade única. As palavras de MY na despedida nos deixaram carregados de esperança. "Voltem aí! Ainda vamos ficar um bom tempo."

*Foram mantidas apenas as iniciais dos nomes dos secundaristas para preservar suas identidades.

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