Um baú do tesouro de imagens psicodélicas de um ícone da contracultura norte-americana

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Um baú do tesouro de imagens psicodélicas de um ícone da contracultura norte-americana

Conversamos com o fotógrafo Roger Steffens sobre os registros paz e amor que fez nos EUA dos anos 1970.

Esta matéria foi originalmente publicada na i-D US.

Enquanto estava no Vietnã com a unidade de operações psicológicas dos EUA, o comandante de Roger Steffens mandou que ele fotografasse tudo que visse. Quando voltou ao seu país de origem, continuou documentando vorazmente seu cotidiano na contracultura da Califórnia — capturando a época mais explosiva e transformadora da cultura americana. Agora, Steffens e sua família estão compartilhando mais de 40 mil fotos pessoais em The Family Acid.

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Roger Steffens já foi chamado de "O Forrest Gump do LSD" e, de muitas maneiras, isso faz sentido. A principal diferença é a ignorância: o protagonista meio lento do filme geralmente não tinha consciência de que estava testemunhando os eventos mais definidores do século 20. Mas Steffens saboreou sua proverbial caixa de chocolates psicodélicos, e percebeu a riqueza de sua vida enquanto a vivia. Ele é considerado um dos maiores especialistas do mundo em Bob Marley e The Wailers. Ele é parte do Comitê de Reggae do Grammy pela maior parte de sua história. Ele apresentou programas da influente rádio KCRW de Santa Monica por dez anos. Ele entrevistou Keith Richards, Nina Simone, Little Richard, Sinead O'Connor e Ray Charles.

O Cadillac amarelo do meu pai, Yosemite, CA. Outubro de 1988.

O currículo de Steffen é linha após linha de uma vida vivida ao máximo: curador, editor, enciclopedista, discografista, pesquisador biográfico, diretor de promoções, show de abertura, escritor (entre várias outras coisas, dos cartões colecionáveis do Bob Marley). E enquanto fazia tudo isso, ele também era fotógrafo amador. E hoje, aos 74 anos, ele comemora sua primeira exposição, The Family Acid, em cartaz na Benrubi Gallery de Nova York.

Banho de sol com o poeta Mark McCloskey, Berkeley, CA. Agosto de 1972.

Embora Steffen levasse uma Kodak Brownie nas turnês de seus shows de poesia solo, ele só começou a fotografar seriamente em 1968, quando foi enviado a unidade de operações psicológicas para a Guerra do Vietnã — época em que tinha 25 anos. Depois de organizar uma campanha de refugiados para ajudar uma família que ele encontrou morando nos esgotos de Saigon, o coronel de Steffens deu a ele sua própria divisão dentro da unidade — projetos de ações cívicas. A única condição era que ele tinha que fotografar tudo que via e fazia.

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La Jolla, CA. Dezembro de 1980.

"Eles pagaram o filme e as revelações por dois anos, e eu ainda podia ficar com as fotos", Steffens me conta por telefone de sua casa em Los Angeles (seis dos quartos da propriedade guardam sua coleção de discos e lembranças de reggae) olhando para o único lado bom de seus 26 meses de serviço. "Sempre tive um olho bom porque passei muito tempo nos museus de Nova York quando era criança, minha mãe curtia muito arte. Mas eu não tinha treinamento formal, e nenhuma paciência para trabalhar na sala escura", explica Steffens. "Era tudo instinto."

Meu pai morou em Marrocos no começo dos anos setenta. Essa foto foi tirada num acampamento em Marraquexe, 1971.

Ele tirou mais de 20 mil fotos durante a guerra, capturando as ruas agitadas de Saigon, jovens monges taoistas treinando e seus colegas soldados. "Eu estava bem no meio da capital e tinha muita coisa acontecendo dia e noite, era um banquete para os olhos — o ambiente era uma viagem e diferente de tudo que eu tinha experimentado na minha vida", diz Steffens. "Os cheiros, os sons, o calor. Tudo abria meus sentidos. Meus olhos se perdiam em muitas coisas fascinantes, e o Vietnã foi o começo disso tudo."

Ofensiva Tet, Saigon. Acima voava um helicóptero que disparava 5 mil balas por minutos. Toda quinta bala era um marcador vermelho que ajudava a dirigir o fogo para o alvo. Vietnã, fevereiro de 1968.

Quando retornou do serviço, Steffens continuou fotografando sua vida com o mesmo ardor compulsivo. Mas em vez de documentar o Vietnã em um de seus períodos mais violentos, agora ele estava capturando os EUA em um de seus momentos mais transformadores: a contracultura. "A maioria dos meus amigos curtia arte; eles eram poetas, atores, escritores, pintores, fotógrafos — boêmios de vários tipos. Quando finalmente consegui o programa na KCRW em 79, pude abrir o microfone para qualquer um que desse um convidado interessante." Ele fotografou feiras hippies em Mendocino (onde conheceu sua esposa, Mary, em 1975), outdoors na Sunset Strip, céus azuis infinitos no Big Sur. Depois de confundir um rolo de seu amigo, o lendário pacifista Ron Kovic, com um filme novo, ele começou a fazer fotos incríveis de dupla exposição para representar sua experiência com o mundo das drogas psicodélicas. "Eu queria conseguir aquele senso de visão tripla que você tem com o ácido, quando você vê a coisa atrás da coisa. É isso que o ácido faz; ele te deixa tirar o véu e ver a estrutura das coisas profundas — ver o próprio ar que você respira", explica Steffens.

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Philip Michael Kolman. Big Sur, CA. Junho de 1978.

Apesar de suas várias viagens, da tribo fascinante de amigos e colaboradores, e um olho mágico para a vida, as imagens de Steffens são principalmente um projeto pessoal, um álbum de família louco em Technicolor. No meio dos anos 90, sua filha Kate começou a catalogar os slides Kodachrome do pai; em 2012, Steffens empregou seu filho Devon para escanear 40 mil deles. Quando Kate montou um Instagram para compartilhá-las, ela escolheu o nome que seria o apelido do coletivo de arte de Steffen: The Family Acid. Depois de juntar 35 mil seguidores, a conta inspirou a publicação de um livro de fotos — algumas foram expostas na Benrubi Gallery. Falei com Steffens para saber mais sobre sua longa e estranha viagem.

Norte da Califórnia, março de 1974.

VICE: Como as coisas mudaram, ou onde mudaram, quando você voltou para os EUA depois da guerra?
Roger Steffens: Voltei alguns meses antes da invasão do Camboja e dos assassinatos de Kent e Jackson State. Foi o ano em que o movimento de protestos saiu de campo e perdeu seu impulso — quando eles começaram a matar estudantes. Me chamaram para ler poesias e dar palestras sobre meus meses no Vietnã no começo dos anos 70, mas em maio eu não era mais o palestrante convocado, era o porta-voz do comitê de greve, porque quase todas as escolas americanas entraram em greve. Era uma maneira totalmente diferente de abordar minhas palestras sobre o Vietnã, porque eu era um conservador Goldwater quando fui para a guerra! Muita gente que não ouviria um porta-voz antiguerra, que me conhecia como um moleque conservador antes do Vietnã, veio ouvir minha palestra e ouviu tudo que passei lá. Só contei minha experiência pessoal, e como isso me mudou radicalmente.

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Cynthia Coppel em Stonehenge, outubro de 1971.

Como você descreveria os sons e estilos que se incubaram na contracultura? O que as pessoas estavam usando, ouvindo, como elas se expressavam?
Era a época do começo dos anos 70 que todo mundo adorava cores, brilhos, extravagância. As roupas eram, para os nossos padrões hoje, muito espalhafatosas: os cabelos eram longos, até o âncora do jornal usava cabelo comprido e costeletas. Todo mundo usava lenços e colares. Era um freak show, no melhor sentido possível. E as pessoas amavam música. Antes de Altamont, os festivais de rock eram um grande love-in. A gente realmente achava, nos anos 70 e particularmente no verão de 66, que o milênio tinha chegado. O mundo ia mesmo mudar para sempre; ele se encheria de amor, partilha, criatividade e vida comunal. Quer dizer, a gente acreditava mesmo nessa merda.

Dupla exposição do meu pai feita pela minha mãe. Palo Colorador Canyon, Big Sur, CA. Agosto de 1978.

Gosto muito das suas fotos, mas uma coisa especial é o senso de humor. Você tem crianças brincando em vasos de plantas gigantes, adesivos engraçados em carros. Você acha que tem algum tema que permeia todas as suas imagens?
Se eu tivesse que escolher uma palavra para descrever minhas imagens, seria alegria. Quando olho os grandes livros de fotos, especialmente dos anos 70, eles são muito sombrios — pessoas atirando nos becos do Harlem, gente sem-teto no Sul, lutas nos guetos, todas as coisas difíceis pelas quais passamos. Mas ao mesmo tempo, há muitos momentos de alegria comunal. As pessoas olham várias das fotos e dizem "Todo mundo está sorrindo nessa", como se tivesse algo de errado nisso.

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Richie Silverman. Los Angeles, janeiro de 1979.

Pôr do sol em Big Sur, agosto de 1978.

Winters, CA. Março de 1981.

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