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A dura realidade de ser falido

Uma breve lista das coisas quase impossíveis de fazer sem dinheiro: parecer decente, transar, manter amizades, ter esperança no futuro.

Foto via usuário do Flickr KMR Photography.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá.

Qual foi o mínimo de dinheiro que você já teve? Zero? Não como metáfora, tipo não ter muita grana no banco ou ter que usar o cartão de crédito. Digo zero fundos, mais nenhum lugar de onde tirar, sua conta completamente no vermelho. Seu cartão de crédito atingiu o limite, você não tem mais amigos de quem pegava emprestado um troco, nenhum trocado perdido no sofá. Agora é só você, sua inteligência e seus órgãos, que agora parecem cada vez mais valiosos.

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Cheguei ao zero algumas vezes. Nada permanente ou muito assustador — geralmente só por um dia, mas uma vez foram dois. E sem nenhuma razão trágica também: pouca renda fixa + planejamento ruim + falta de autocontrole = zero temers. Independentemente disso, quando se atinge o zero, você se sente menos que uma pessoa. Você é impotente, sem poder, incapaz de interagir com o mundo. Você vira um fantasma, assombrando uma terra que não pode tocar enquanto passa mal pensando em todas as coisas que te trouxeram até esse momento.

Claro, sempre que estou nesse cenário precário, não tenho ninguém para culpar além de mim mesmo. Sou muito ruim com dinheiro. Nunca economizei na vida. O mais perto que chego de economizar é descobrir qual dos meus cobradores está com menos pressa (Fato curioso: quando uma conta diz "Último Aviso" é mentira, sempre existem mais avisos, não se preocupe). Não economizo porque dinheiro é o domínio soberano dos meus impulsos mais imediatos. Trato o dinheiro como um caminho para satisfazer minhas compulsões. Grana extra? Claro que eu poderia usá-la para construir uma vida estável e um futuro, mas quero maconha e cerveja agora.

Essa compulsividade e falta de disciplina me deixaram na grave situação financeira que estou hoje. Esperar desesperadamente o próximo cheque é um medo crescente, afundando cada vez mais em dívidas institucionais ($35 mil de débito estudantil, $15 mil no banco, $800 de celular) e pessoais ($1.200 para minha ex, $200 para uma tia) e sem nenhum plano real ou esperança de pagar nada disso. Eu costumava contrariar o medo e o desgosto comigo mesmo com chavões hippies, tipo "Dinheiro é uma ilusão, criada para nos escravizar" ou "Você é um artista, cara, você está atrás de algo maior que dinheiro", mas isso era conversa mole que me fazia andar em círculos, calcificado, falido e usando o mesmo shorts jeans que eu mesmo fiz o mês inteiro. A realidade de ser um adulto sem dinheiro e sem as oportunidades e liberdades que ele traz se tornou muito pesada para ignorar. Aqui vai uma lista breve de coisas que descobri serem quase impossíveis sem dinheiro: parecer decente, transar, manter amizades, ter esperança no futuro.

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Foto via usuário do Flickr megawatts86.

Como a maioria dos casais, as piores brigas dos meus pais, o tipo que fazia eu e meus irmãos correrem para o quarto, tremendo de medo, eram sobre dinheiro. Claro que eram: dinheiro (ou a falta dele) era a manifestação do fracasso do meu pai como homem e provedor. Dinheiro é tipo um diário muito sucinto dos seus erros. Dinheiro era o terror da minha vida familiar. Quando não estava brigando com meu pai, minha mãe (que considero uma senhora fodona nível Imperator Furiosa por criar quatro moleques enquanto lidava com um marido viciado em drogas) detalhava para mim, que era o mais velho e já que ela não tinha mais ninguém com quem conversar, o apocalipse financeiro que estava sempre no nosso horizonte. Com lágrimas nos olhos, ela dizia que não sabia mais como pagar a luz, de onde a comida poderia vir, a vergonha que ela sentia por termos que viver de benefícios sociais e o desespero de não saber o que fazer ou para que lado se voltar. Só que o céu nunca caiu completamente, os quatro cavaleiros nunca apareceram. A gente não viajava nas férias ou tinha roupas novas, mas nunca acabamos como os garotos mais fuleiros do bairro, sempre tinha comida na geladeira, eles nunca vieram cortar nossa energia elétrica, meus irmãos e eu pudemos jogar hóquei.

Essa misteriosa ambiguidade, esse atraso do desastre, definiu dinheiro para mim. Falta de dinheiro foi um medo sempre presente, mas nunca final. Por isso dinheiro nunca pareceu real para mim. Criado numa casa em que a principal fonte de renda vinha de um carpinteiro drogado, dinheiro nunca existiu como uma coisa estável e razoável para mim, mas sim algo misterioso e vingativo. Dinheiro nunca me pareceu um objeto, algo que podia ser contado e gerenciado. Em vez disso, dinheiro sempre pareceu uma força onipotente que me cercava, como gravidade ou o tempo, inexplicável (física nunca foi meu forte), afetando minha vida enquanto continuava além do alcance e do controle.

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Internalizei dinheiro como um local de trauma. Uma coisa que aprendi na terapia é como estamos constantemente recriando as circunstâncias com as quais estamos mais confortáveis, mesmo se essas circunstâncias provocam ansiedade. E isso é o dinheiro para mim, por isso estou constantemente gastando até chegar à zona do zero. Só conheço e entendo dinheiro como um ato traumático contínuo, um ponto focal do meu terror e tristeza. Ser falido e não saber como será o amanhã é exaustivo e deprimente, mas é onde quero estar. Prefiro amaldiçoar os deuses cruéis das finanças do que respirar fundo e dizer para mim mesmo "Essa semana é melhor não beber, otário".

Este texto não pretende ser uma solução para ninguém e certamente não quero implicar que a cura para a pobreza é alguma besteira como trabalhar mais ou poupar dinheiro. Tenho sorte de não ter nenhum impedimento sistêmico para qualquer sucesso que eu possa atingir. Mas dinheiro é mais do que números na sua conta. Dinheiro representa seus sonhos, liberdades e no final das contas, seu valor. Quanto você vale para si mesmo? Estou percebendo que é por isso que dinheiro sempre foi meu veículo para a autodestruição, porque me vejo como um inútil e preciso ter certeza que minha conta bancária reflita isso. E a menos que eu consiga mudar, vou continuar dependendo demais dos meus cheques de restituição do imposto.

Quero começar a lidar com meu dinheiro como se fosse uma coisa real da qual tenho controle. Isso significa não me satisfazer com qualquer trabalho de merda, pedir mais dinheiro quando merecer, tratar meu futuro como algo que importa e economizar. Primeiro passo: descobrir onde economizar. Embaixo do colchão, como um fazendeiro rebelde durante a Grande Depressão? Eu podia fazer um fundo de previdência privada. Sim, isso parece bom e bem classe média. Vou me tornar o dono de um lindíssimo fundo de previdência e fazer do mundo minha deliciosa ostra.

Só precisa entender como um fundo de previdência funciona.

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Tradução: Marina Schnoor

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