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quadrinhos

Artistas Brasileiros Comentam Sobre o Atentado à Revista Charlie Hebdo

Convidamos artistas brasileiros para nos contarem sua visão sobre o atentado contra a revista francesa Charlie Hebdo.
Crédito: AFP/Getty

Charge desenhada por Charb, um dos editores da Charlie Hebdo, morto no atentado. Retirado do livro Marx, Manual de Instruções, gentilmente cedida pela Boitempo Editorial.

Era apenas uma quarta-feira qualquer quando a reunião de pauta da revista francesa Charlie Hebdo foi interrompida por três homens mascarados e fortemente armados. Os agressores abriram fogo contra os funcionários do periódico e dois policiais que faziam a segurança do local, matando 12 pessoas no total, e deixando 11 feridos.

O ataque é um dos piores vividos pela França em 50 anos e deitou uma sombra macabra sobre a liberdade de expressão da imprensa e de todos os cidadãos. O dia 7 de janeiro marca um dia triste e angustiante para todos nós, principalmente pela morte trágica de artistas como Wolinski, Charb, Tignous e Cabu que foram e ainda serão inspiração para muitos outros artistas que virão.

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Crédito: Marx, Manual de Instruções - Boitempo Editorial.

Em face dos acontecimentos, convidamos alguns artistas brasileiros para nos contarem sua visão sobre essa trágica data.

"Não tenho muito a acrescentar. Um ato de covardia chantagista típico do terrorismo que não deveria ser relativizado sob nenhum aspecto… Gente que usou piadas como pretexto para tirar a vida de uma dúzia de pessoas, aterrorizar milhões e ferir o humor e a liberdade."

- Alexandra Moraes, jornalista e autora das tirinhas O Pintinho.

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"Como editor da Tarja Preta, a publicação em quadrinhos nacional mais escrachada do milênio, me oponho a esse papitcho torto de "limite do humor" ou toda e qualquer forma de censura, no entanto tenho de admitir que na Europa o filão das "charges islâmicas" se tornaram um terreno fértil para o racismo e a xenofobia, o que definitivamente não é o caso do genial Wolinski, que década atrás décadas nos presenteou com páginas e mais páginas com piadas sobre o racismo e o colonialismo europeu, mas que nem de longe eram racistas.

Sou muito fã do Wolinski, mas não acompanhava a Charlie Hebdo, nem conheço o trabalho dos outros assassinados a fundo, então eu não posso julgar se essa insistência em provocar o terrorismo islâmico cruzava os limites do racismo ou era só uma piada polêmica recorrente que ajudava a vender mais cópias. De uma maneira ou de outra, com ou sem racismo, nada justifica o atentado, nem todos os bombardeios e intervenções militares que veremos num futuro próximo em represália."

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- Matias Maxx, jornalista e editor das revistas Tarja Preta e Sem Semente.

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"Em 2005, depois que o papa João Paulo II morreu eu coloquei um cartum no meu blog e os comentários estouraram o limite da caixa. Mais de 500, uma loucura esses cristãos. Aí vinha e-mail me ameçando, falando que sabia onde eu morava, meu CPF e o caralho. E tinha uns cara que se intitulavam Capoeiristas de Cristo, esses eram os mais hardcore. Nem dormi em casa nessa noite, que cagão, hahahah.

Quanto a turma do CH, porra, o que mais me irrita é ver uma onda de pessoas quase justificando essa coisa hedionada, "os caras provocaram", "não era a primeira vez", etc. Ah, vão tomar no cu! Uma piada agora é uma questão de morte? Uma PIADA?? O pessoal só precisa de uma brecha para liberar o Le Pen & Wagner Montes interiores."

- Allan Sieber, cartunista e é um dos donos da Toscographics.

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"O ataque ao jornal Charlie Hebdo foi um ato radical e lamentável. É preciso discutir formas de combater o extremismo, o que não se resume apenas a ações militares, e é importante lembrar que há extremos dos dois lados, devendo-se evitar essas dicotomias. Além disso, o significado de liberdade de expressão, mesmo no ocidente, precisa ser debatido e revisto."

- Marcelo d'Salete, ilustrador e autor do livro Noite Luz e Cumbe, entre outros.

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"Hoje foi um dia terrível pra todo mundo que trabalha com humor gráfico. Me lembro, pré-adolescente, maravilhado com uns desenhos do Wolinski que descobri folheando uma Chiclete com Banana.

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Muitos dizem que o problema do mundo - em se tratando de religião, nem se fala - é que as pessoas se levam muito a sério. Eu não vejo nenhum problema em se levar a sério, só acho complicado se levar a sério pra caralho o tempo todo, sem intervalo.

Trabalho com humor justamente porque acredito nesse poder mágico inerente a ele: suspender a lógica, colocar em cheque a própria unidade fictícia dos seres, das instituições e das grandes narrativas míticas. Duvidar de si e rir disso. Não acredito que o humor contamine os acontecimentos, acredito que ele seja muito mais um intervalo, uma morte súbita, quase que como uma "matéria escura" do espírito humano. Fundamental pra oxigenar e limpar nossas superfícies, pois só assim não entupimos nossos poros de ressentimento.

Hoje o humor teve um pedaço do espírito mutilado. Quem diria, o humor. O mais inocente dos assassinos."

- Bruno Maron, cartunista e autor do livro Manual de Sobrevivência dos Tímidos.

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"Nesta quarta-feira o jornal Charlie Hebdo foi vítima da intolerância no nível máximo. Um atentado extremista contra pessoas armadas apenas com materiais de desenho. Pode ter certeza que esses tiros atingiram muitos outros artistas e jornalistas."

- Alex Viera, criador e editor da Revista Prego.

"Para mim, como cartunista, uma das minhas angústias é a a inércia do público diante das minhas tiras. Eu posso fazer o que for, apelar o quanto for, e às vezes até errar a mão, que só consigo tirar um risinho qualquer das pessoas. Ou seja, por mais que eu ataque a direita, os tucanos e a minha mãe, eles não sentem nem cócegas e continuam fazendo as mesmas coisas, como se o meu trabalho não existisse. O que aconteceu com os colegas franceses é que de tão bons que eram e de tão relevante que era o trabalho deles, incomodaram demais. A ponto de serem literalmente massacrados. Em outras palavras, a morte deles não deixa de ser o êxito máximo do próprio trabalho, como se o Pelé morresse por fazer mil gols. O atentado que eles sofreram é a prova de que estavam acertando o alvo quando criticavam insistentemente o extremismo do islã."

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- Andrício de Souza, cartunista.

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"É quase impensável para um quadrinista brasileiro conceber o que aconteceu na redação da Charlie ontem - no sentido de que dificilmente alguém seria punido (quanto mais morto) por ridicularizar esse ou aquele conceito religioso. De toda forma, o ocorrido deixa um sentimento de derrota e pesar sobre todos aqueles que almejam um mundo mais secular, pacífico e bem-humorado. O terrorismo é um vórtice letal, criado pela mais completa e absoluta falta de humor de alguns indivíduos."

- Diego Gerlach, ilustrador .

"Ontem recebi um e-mail escrito por uma pessoa que nunca vi na vida dizendo dizendo que eu ia ficar triste porque um amiguinho falocrata tinha morrido. Era o Wolinski. Foi assim que fiquei sabendo do que aconteceu. Que merda. O Wolinski foi acusado de falocrata, masculi e todas essas merdas, porque era um libertário. Quem matou foi mais um desses patrulheiros filhos da puta, para o qual a causa seja religiosa, política ou de gênero não serve para libertar, mas sim para coibir, castrar e destruir, além de, é claro, de manter a sociedade de exploração, que vocês, moralistas de merda, precisam para continuar transformando a vida dos outros em um inferno." Crédito: Rafael Campos Rocha.

- Rafael Campos Rocha, quadrinista e autor da sérieDeus, Essa Gostosa.

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"Precisamos ter cuidado porque estamos tratando de extremistas babacas e não de islâmicos no geral. Não podemos culpar a religião. Muito menos podemos culpar a ousadia dos cartunistas que estão no seu direito de se expressar como quiserem. A Charlie Hebdo é um jornal que não perdoa nada nem ninguém, assim como o bom humor deve ser. Digo isso porque, infelizmente, escutei algumas pessoas colocando lenha na discussão sobre os limites do humor. Acho que isso sequer deveria entrar em discussão. Devemos mesmo tratar essa insanidade como um argumento? Existem outros meios de não aceitar críticas que vão desde processos jurídicos a simplesmente não dar atenção a ela. O humor tem limite? Não. A reação a uma crítica sim, tem limite. Eles provaram que as charges foram certeiras e que devem continuar." - Pablo Carranza, cartunista e dono da Smegma Comix.

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