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O Mistério de B. Traven

B.Traven é a figura mais obscura da história da literatura. Temos certeza de pouquíssimas coisas a seu respeito: que escreveu ótimos romances, como Tesouro de Sierra Madre e O Barco dos Mortos, que viveu, pelo menos por um tempo, e morreu no México.

B.Traven é a figura mais obscura da história da literatura. Temos certeza de pouquíssimas coisas a seu respeito: que escreveu ótimos romances, como Tesouro de Sierra Madre e O Barco dos Mortos, que viveu, pelo menos por um tempo, e morreu no México, e que era um escritor politicamente engajado que se importava profundamente com o trabalho e com as pessoas comuns. Também temos certeza de que ele era um desses três caras: Ret Marut, Traven Torsvan ou Hal Crove. Mas não sabemos ao certo qual, quando ou como. Bem intrigante, não? Se você leu 2666, o brilhante livro póstumo de Roberto Bolaño, você provavelmente percebeu nuances de Benno Archimboldi, o escritor alemão recluso que acabou no México daquele livro. Estamos dispostos a apostar nossa primeira edição de Tesouro de Sierra Madre que Bolaño tinha B. Traven em mente quando criou aquele personagem.  Quem quer que tenha sido, B. Traven também foi um homem que evitou totalmente a atenção pública. Apesar de haver multidões de teóricos de Traven, e pilhas de livros escritos sobre ele, ainda não existe um consenso sobre seu verdadeiro nome ou local de nascimento. Ele era meio que um fantasma que escrevia livros. Uma exposição recente na Universidade da Califórnia, em Riverside, trouxe à luz, como nunca, Traven e seu mito. Conversamos com a curadora da exposição, Heidi Hutchinson, para tentar compreender um pouco o escritor que foi tão recluso que fez J.D. Salinger parecer Jonathan Ames. Vice: Parece que a teoria mais confiável sobre a identidade verdadeira de B. Traven é a de que ele é um alemão chamado Ret Marut.
Heidi Hutchinson: A conexão com Ret Marut foi feita pela primeira vez pelo pesquisador alemão oriental Rolf Recknagel em seu livro de 1966, B. Traven: Beiträge zur Biographie (Contribuições para uma Biografia). B. Traven tinha oferecido o manuscrito do seu primeiro romance para Büchergilde Gutenberg (Clube do Livro Gutenberg), um serviço de assinaturas para a classe trabalhadora alemã, em 1926. Se chamava Das Totenschiff (O Barco dos Mortos, 1926). Quando a Büchergilde o publicou, foi um sucesso instantâneo. Companheiros revolucionários que conheciam Ret Marut acharam ter reconhecido o estilo como seu. E assim começou o jogo de adivinhação da identidade de Traven. O Recknagel foi atrás de todos os revolucionários que pôde encontrar e os entrevistou, e as evidências na época foram suficientes para que ele admitisse a conexão Marut-Traven. Quais outras evidências suportam a teoria Marut?
O pesquisador Karl Guthke, que viajou para o México e conseguiu visitar a casa e “arquivo” de B. Traven, cita uma passagem do diário de B. Traven, de 26 de julho de 1924, que diz: “Marut está morto”. E nos dias seguintes à morte de Traven, entrevistas com a sua viúva, Rosa Elena Lujan, revelaram que ele havia sido “Ret Marut, o anarquista bávaro”.  Qual era a razão para Traven esconder sua identidade?
B. Traven sempre insistiu que a sua história de vida era irrelevante. Ele diria: “Esqueça o homem! Escreva sobre a sua obra!”. Os leitores de Traven acreditam que a história da sua vida é contada (pelo menos parcialmente) em seus livros, e é assim que B. Traven gostaria que fosse. E.R. Hagemann, um bibliógrafo de B. Traven (Checklist of the Work of B. Traven, 1959) o chamava de “um homem que aparentemente cortejou a obscuridade como outro teria cortejado a fama e a notoriedade, cortejou o esquecimento com uma intensidade quase patológica”. Isso resume bem!  Quando, como membro fundador do governo revolucionário da breve República Soviética da Baviera (Räterepublik), ele escapou da execução em 1919, Ret Marut desapareceu completamente. Muitos acreditam que ir ao México e assumir uma nova identidade foi sua maneira de se esconder por trás do seu pseudônimo. Na verdade, Ret Marut nunca foi levado à Justiça, então o plano funcionou. B. Traven, o escritor famoso, continuou como um protetor fanático de sua privacidade, enganando intencionalmente seus próprios leitores, fãs e aqueles que perseguiram sua identidade até o fim. Sabemos que Marut criou a revista política alemã Brick Burner. Como era a escrita dessa publicação?
Der Ziegelbrenner apareceu em 40 edições, publicadas em intervalos irregulares em Munique de 1917 a 1921. Com o subtítulo “Crítica às Condições e aos Abomináveis Contemporâneos”, se anunciava como uma revista cultural, prometendo trazer “em suas edições irregulares ensaios sobre política, política comercial, economia, filosofia política e sociologia, assim como contribuições estéticas, resenhas de livros, teatro e comentários sobre as controvérsias do dia a dia”. O formato e a cor da revista eram as de um tijolo. O tom era de fato satírico, e muito da crítica ao governo e ao esforço de guerra era oculto por trás de críticas literárias ou até de poesias. Muitas dessas críticas conseguiam despistar a censura de Munique. Lembre-se que a Primeira Guerra Mundial estava assolando toda a Europa naquela época. A censura era rigorosa; comentários antiguerra eram traição. Contemporâneos se perguntam como, em tempos de extrema escassez de material, essas publicações anarquistas conseguiam papel, levantando rumores de que o Ziegelbrenner (como o publisher-editor se chamava) era de alguma forma ligado ao Kaiser Wilhelm ll.  De 1919 a 1921, o Ziegelbrenner estava foragido. Você não encontrava mais um endereço para enviar correspondência para o editor ou enviar livros para serem resenhados. Mas Marut seguia publicando sempre e onde podia. Livrarias e bancas de esquerda distribuíram a revista até Ret Marut desaparecer completamente.