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The VICE Report

Morrendo por Tratamento

O editor da VICE Wilbert L. Cooper foi até as clínicas de reabilitação de alto padrão no sul da Califórnia sacar o lado peculiar e incômodo da indústria do tratamento contra vícios que visa o lucro.

​Em fevereiro de 2011, Ted Jacques enviou seu filho, Brandon, ao que acreditava ser "o melhor centro de tratamento que o dinheiro poderia pagar". Era a Sober Way Home, em Prescott, no estado do Arizona. Isso aconteceu não muito depois de Kim, mãe de Brandon, ter encontrado o jovem de 20 anos de idade caído e inconsciente no chão do banheiro. Ele havia acabado de ingerir um copo cheio do uísque Crown Royal, que o derrubou. O fato de o estômago de Brandon estar provavelmente vazio devido à indução de vômito também não ajudou. Kim logo destrancou a porta do banheiro ao ouvir o ruído do corpo de seu filho batendo contra o linóleo. O chuveiro ainda estava ligado, Brandon estava com os olhos virados para trás e sangue escorria de sua boca. Esse foi apenas mais um dos muitos episódios dolorosos relacionados a anos de bulimia e alcoolismo de Brandon.

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Por US$ 14.500, A Sober Way Home garantiu à família que poderia tratar os distúrbios de Brandon. Sua condição peculiar requeria um alto nível de cuidado e monitoramento devido aos efeitos debilitantes do processo de desintoxicação, que pode gerar um desequilíbrio de eletrólitos essenciais, algo capaz de prejudicar o funcionamento cardíaco. O abuso de substâncias como o álcool, que afeta cerca de 50% das pessoas com distúrbios alimentares, junto com o hábito de comer demais e depois colocar o dedo na garganta podem ser uma combinação fatal.

Apesar da garantia de tratamento dada pela A Sober Way, seus vômitos continuaram, assim como o consumo de álcool, meramente controlado enquanto ele ficou sob seus cuidados. Após um mês na A Sober Way, a organização admitiu àfamília que não poderia tratar os distúrbios alimentares de Brandon. Em vez de recomendar ao paciente tratamento médico em um hospital, representantes do instituto insistiram para que ele fosse encaminhado para outro centro de reabilitação em Newport Beach, na Califórnia.

O segundo centro, Morningside Recovery, impediu a comunicação entre Brandon e seus pais. Enquanto ele esteve lá, sua indução ao vômito piorou ainda mais, e Brandon foi pego bebendo escondido. No final de sua estadia, e sem o conhecimento ou consentimento de seus pais, a Morningside o transferiu para um centro de desintoxicação não médica do outro lado da cidade chamado First House. Ali, em dois de abril de 2011, Brandon sofreu uma parada cardíaca e faleceu. Devido à falta de comunicação, seus pais não suspeitavam de que seu filho havia sido levado a outro centro de reabilitação - e muito menos de que a Morningside recebia uma comissão para transferir pacientes como Brandon para a First House.

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Nos Estados Unidos, pessoas de idade entre 25 e 64 anos morrem mais de complicações resultantes do uso de drogas do que em acidentes de trânsito. De acordo com um estudo publicado pela Substance Abuse and Mental Health Services Administration, 23,5 milhões de pessoas acima de 12 anos de idade precisam de tratamento contra o consumo de drogas e álcool no país e apenas 2,6 milhões recebem o tratamento necessário. Com isso, o número de centros de reabilitação cresceu enormemente nas últimas três décadas, gerando uma indústria que movimenta US$ 35 bilhões e possui 15 mil unidades pelo país. Embora o tratamento residencial não médico sirva a apenas cerca de 10% dos pacientes em recuperação nos EUA, os custos exorbitantes dos tratamentos, que chegam a US$ 75 mil por mês, tornaram o nicho extremamente lucrativo. Graças a programas de televisão como Celebrity Rehab, que divulgaram a imagem dos luxuosos centros de reabilitação, o número de pessoas que buscam esse tipo de tratamento continua a crescer.

Contudo, em muitos Estados, as leis que regulam esse tipo de estabelecimento com fins lucrativos ainda não foram completamente estabelecidas. Apesar de sua popularidade, esses centros operam em uma zona entre medicina legítima e total charlatanismo, oferecendo coisas como passeios a cavalo e meditação como soluções para o vício, além de, frequentemente, anunciarem tratamento médico que sequer podem oferecer – tendo como consequência, às vezes, resultados desastrosos.

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Levou um longo tempo para que os Jacques, abalados pela tristeza, pudessem pensar que outra coisa além de uma tragédia inevitável tivesse acontecido com seu filho. Eles só começaram a se perguntar certas coisas quando, em seis de janeiro de 2012, receberam um e-mail de Jon Cassidy, ex-repórter do jornal Orange County Register. Cassidy, agora no site Watchdog.org, teve acesso a e-mails internos que falavam sobre os incentivos financeiros que as instituições recebiam ao transferir Brandon de um centro a outro. Essas transferências, segundo indica um e-mail, foram motivadas pela ganância, e não pelas necessidades médicas do caso. No e-mail –supostamente escrito por um dos cuidadores de Brandon Jacques –, o autor comparou o modo com que tratavam o jovem a um "pedaço de carne".

Kearney, no Missouri, fica a cerca de 30 minutos de Kansas City. Até ser enviado para a reabilitação, Brandon Jacques vivia na casa de sua família em um bairro exclusivo da cidade chamado Holmes Creek. Frequentava uma universidade local, a Park University, e trabalhava na empresa de seu pai. Seus pais ainda vivem ali. O casarão fica em uma rua sem saída, no topo de uma pequena colina verde, com uma piscina nos fundos. Da grama perfeita surge um mastro com duas bandeiras. A bandeira de cima éa dos Estados Unidos. A de baixo, uma imagem pixelada de Brandon na frente de sua picape preta, com as palavras "Nos vemos já, já".

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Dentro da casa, o quarto do filho continua exatamente como ele o deixou. O armário preto está repleto de suplementos alimentares e remédios tanto para queimar gordura como para hipertrofia muscular: pós coloridos e pílulas com nomes como Pro Complex, Xtend e Mega Men. É como se alguém tivesse roubado uma loja de suplementos alimentares.

Em sua mesa, uma Bíblia e um cartão de sua irmã mais velha, Heather, com uma triste mensagem para ele escrita em tinta azul: "Você não precisa se preocupar em tentar viver de acordo com a ideia de outra pessoa sobre o que você deveria ser".

Brandon nasceu em 1990 e era o único menino daquela linhagem –uma posição preciosa em uma família construída sobre valores tradicionais, com um pai durão que queria um filho que pudesse, um dia, seguir seus passos no trabalho. Quando criança, Brandon adorava sua mãe e constantemente imitava seu pai, Ted. Tentava fazer toda e qualquer coisa que Ted fazia, até trabalhar com ele na fazenda da família quando ainda mal conseguia ficar de pé. O pai deixou que ele operasse as escavadeiras quando Brandon tinha 10 anos de idade.

"Ele assumia riscos desde cedo", diz Heather. "Sempre admirei isso em Brandon."

Adolescente, Brandon era provavelmente o único garoto fashionista de seu colégio, o Kearny High School. Amigos lembram como ele costumava aparecer nas festas nos bosques da cidade, onde a garotada se encontrava, bebia cerveja barata e dormia em suas pick-ups sob as estrelas. A maioria de seus amigos ia às festas vestindo botas sujas, jeans, camisetas velhas e bonés. Mas não Brandon. Ele iria com suas botas alligator Steve Madden de bico fino e uma camisa Hollister de gola abotoada. Em seu último ano de escola, tinha até uma foto sua de página inteira no livro de formatura, parecendo um Marky Mark loiro e exibindo um perfeccionismo no vestir pouco apreciado numa cidade em que as cores mais comuns para o vestuário masculino eram um preto-camuflado-militar e um laranja-uniforme-de-caça.

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"Ele não puxou isso de mim", conta Ted.

"Brandon e eu éramos melhores amigos e sempre experimentávamos tudo juntos", relata o amigo mais próximo de Brandon, Ridge Quarles. "Nunca escondemos nada um do outro."Os garotos se conheceram na festa de aniversário de um amigo quando estavam no quarto ano. "A festa era na piscina; então, todos estavam nadando, mas Brandon e eu estávamos acima do peso. Nos olhamos e soubemos imediatamente que, de jeito algum, nós entraríamos na piscina sem camisa."

Apesar de estar acima do peso, ele sempre foi popular graças ao legado deixado por sua irmã mais velha, descolada, e ao jeito que herdou de seu pai. Mas seu peso era um fardo psicológico para ele, especialmente depois de engolir uma pizza inteira ou tomar um galão inteiro de leite com chocolate.

Logo, Brandon teve uma péssima descoberta: "Quando estávamos no sétimo ano", continua Quarles, "ele me disse que tinha descoberto um novo jeito de perder peso. Ele disse: 'Eu como e vomito, é como se eu nunca tivesse comido'. Quando se é jovem e você não conhece esse tipo de coisa, essa parece a solução perfeita".

Brandon começou a perder peso rapidamente quando tinha cerca de 13 anos, e seus pais não suspeitavam de nada. Afinal, ele praticava esportes –entrou para a equipe de luta no começo da adolescência. Mas seu novo físico escondia um segredo terrível. Quando seus pais um o flagraram vomitando, no final do Ensino Fundamental, Ted e Kim o colocaram contra a parede. Eles estavam no primeiro andar quando ouviram o som da ânsia de vômito no banheiro do segundo andar. Subiram a escada, abriram a porta e encontraram-no reclinado sobre o assento de porcelana. Brandon se explicou rapidamente, dizendo que o que estava fazendo tinha a ver com os esportes de luta que praticava. Após esse incidente, sua luta contra a comida foi esquecida e ninguém mais falou sobre o assunto, exatamente porque ele parecia estar tão bem.

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"Ele fazia o tipo atlético e extrovertido no colégio", lembra um antigo colega de classe. "Ele só queria saber de malhar. Era óbvio que ele se importava com sua imagem."

No primeiro ano do Ensino Médio, Brandon já havia começado a levantar peso. Logo seus braços incharam e seu abdômen ficou definido. Ele parecia uma versão um pouco menor dos homens de corpos esculpidos e besuntados de óleo das capas de revistas sobre fitness empilhadas perto do banheiro onde vomitava após quase todas as refeições.

"Fazíamos tudo juntos, então, eu até fiz isso com ele algumas vezes," admite Quarles. "Mas essa era uma coisa que eu não conseguia fazer constantemente, porque me dava dor de cabeça e minha garganta doía. Durante todo o tempo em que fomos amigos, eu continuei acima do peso e ele continuou perdendo peso."

De acordo com Quarles, Brandon ficou tão adepto da indução de vômito que ele só precisava se inclinar para que comida e bile saíssem por sua boca. Em algumas das tardes em que seus pais achavam que ele estava apenas indo à academia, Brandon e Quarles, na verdade, iam a uma loja de donuts do outro lado da rua, pediam duas dúzias da rosquinha, comiam tudo de uma vez, iam à parte de trás da loja para vomitar e, então, iam levantar peso.

Mas o peso extra que ele carregava estava se tornando pesado demais - especialmente logo depois de se refestelar com uma pizza inteira.

Poucas pessoas além de Quarles sabiam do segredo de Brandon –ou, pelo menos, não queriam saber. Alguns amigos que ele teve na escola e na cidade ainda não fazem ideia de que ele tinha um distúrbio alimentar –um problema que a maioria das pessoas normalmente associa a garotas bonitas, não a garotos de aparência durona como Brandon. Enquanto apenas 10% das pessoas com anorexia ou bulimia são homens, de acordo com um estudo conduzido pelo International Journal of Eating Disorders, 7,5% de todos os homens nos EUA já apresentaram algum nível de compulsão alimentar –um aspecto central dos distúrbios comportamentais de Brandon.

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O ciclo de compulsão alimentar e vômitos dele nunca se tornou aparente - em vez disso, trabalhava na surdina. No entanto, alguns de seus amigos mais próximos explicaram à orientadora da Kearney High o que estava acontecendo. Quando a orientadora falou com Brandon, ele não tinha nada a dizer. Ela, então, deixou a questão nas mãos de seus pais na esperança de que eles pudessem encontrar alguma forma de lidar com o problema.

Mas, na família Jacques, tudo era tratado na surdina. Familiares de Brandon conversaram com Quarles, que contou o que o amigo estava fazendo nos banheiros e em estacionamentos de redes de fast food. Mas, como Heather conta, "Acho que tinha algo em mim que não queria acreditar. Eu não queria deixar minha mente vagar por esse caminho".

O que fez as patologias de Brandon virem à tona foi a bebida. A bulimia já estava presente durante anos e talvez continuasse irrestritamente se não fosse pelo álcool. Como em muitas comunidades rurais nos Estados Unidos, a cultura da bebida é muito forte em Kearney.

"Somos todos de uma cidade muito pequena,"lembra um dos colegas de classe de Brandon. "Festas ao ar livre - é isso que fazemos."

Entretanto, Brandon se tornou alcoólatra depois de sua festa de formatura da escola, em 2010. Ele vivia na casa de seus pais e frequentava a Park University, uma pequena universidade em Parkville, no Missouri, onde estudava Administração para que pudesse, como informa seu pai, um dia estar à frente da empresa da família.

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As coisas explodiram muito rapidamente. Brandon foi pego dirigindo alcoolizado após uma noitada com amigos e foi preso pela polícia local de Kearney. Foi a primeira das duas vezes em que foi acusado de dirigir sob efeito de álcool e uma das primeiras em que ele se envolveu em um problema sério.

Depois disso, Brandon começou a beber sozinho em casa: antes de comer, para disfarçar a fome, e depois de uma crise de compulsão alimentar, para disfarçar a vergonha e a frustração, afirma Kim. Quando estava bêbado, não era ele mesmo. "Ele não era nem o mesmo Brandon,"diz Quarles. "Ele não era mais o cara que eu conheci, que sempre foi uma pessoa feliz e divertida."Em vez disso, segundo Heather, quando ele bebia, era "revoltado e fechado".

Quarles se lembra da noite em que percebeu que Brandon havia ido longe demais. Em agosto de 2009, quando foi visitar Kearney em sua faculdade, em Louisville, Kentucky, Quarles ligou para Brandon para que se encontrassem –eles normalmente iam a um drive-through em suas picapes e esperavam até outros amigos aparecerem para, então, pensar em, de repente, fazer alguma coisa.

"Eu estava me preparando para buscá-lo em casa," afirma Quarles. "Eu liguei para ele e Brandon disse que iria tomar um banho rápido. Eu disse: 'Ok, chego aí em dez minutos'. Quando liguei de volta para avisá-lo de que estava saindo de casa, Kim atendeu o telefone, agitada, dizendo: "Ridge, não sei o que acabou de acontecer, mas encontrei Brandon no chão do banheiro, vomitando sangue e com os olhos virados para trás".

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Os paramédicos o levaram ao Liberty Hospital. "Lembro-me de estar sentado na sala de espera, de mãos dadas com Kim, me balançando para frente e para trás,"frisa Quarles. "Então, a médica veio, olhou para Kim e disse: 'Preciso falar com você'."

Na sala de emergência, Brandon foi submetido a um eletrocardiograma que revelou as anormalidades em seu funcionamento cardíaco, provavelmente relacionados à falta de potássio resultante da bulimia. Na época, seu nível de potássio era de 2,8 –níveis normais variam entre 3,7 e 5,2 mili equivalentes por litro. A médica recomendou que Brandon fosse internado em algum hospital, pois temia que ele pudesse desenvolver uma arritmia grave, o que poderia causar parada cardíaca.

Depois disso, não demorou muito para que Brandon saísse da faculdade, tendo completado apenas um semestre. Seus pais fizeram de tudo para que ele desse uma guinada em sua vida. Contrataram um psicólogo. Brandon passou por uma desintoxicação e foi submetido a um tratamento residencial em um pequeno centro sem fins lucrativos para dependentes de substâncias em Kansas, chamado Valley Hope, em novembro de 2010.

Organizações sem fins lucrativos como a Valley Hope são responsáveis por 71% de todos os centros de tratamento para dependentes nos Estados Unidos. Organizações privadas, como aquelas às quais Brandon iria posteriormente, são responsáveis por apenas 21%. O governo cuida do restante. As organizações sem fins lucrativos costumam ser bem diferentes das com fins lucrativos e estão mais suscetíveis a serem operadas por hospitais (embora a Valley Hope não seja).

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Nas primeiras 36 horas na Valley Hope, Brandon sofreu uma convulsão causada pela abstinência de álcool e teve de ser encaminhado para uma emergência hospitalar e internado. Esse episódio, junto com o choque dobrado de diagnóstico de alcoolismo/bulimia, fez com que a instituição concluísse que não tinha condições de cuidar dele. Ele não havia nem completado o mês programado de sua estada quando recomendaram que buscasse ajuda em outro lugar.

Brandon deixou a Valley Hope e voltou à casa de seus pais, onde passou o inverno. Em fevereiro de 2011, teve uma epifania. Ele estava sentado à mesa da cozinha,uma longa mesa de madeira, no meio da noite, assistindo a um episódio de Intervention, da A&E, em seu MacBook.

Os pais de Brandon se juntaram a ele para assistir a alguns episódios do programa. Estavam todos sentados em silêncio, assistindo ao ciclo de vício e redenção passar várias vezes, episódio após episódio.

"Assistimos a uns três ou quatro episódios,"destaca Ted, "e, então, minha esposa se virou para Brandon e perguntou: 'Você gostaria de ir a um lugar desses?'. Brandon disse: 'Sim'".

A Sober Way Home não era como a Valley Hope. Era um centro com fins lucrativos. Já havia aparecido no programa da Oprah e em vários dos episódios de Intervention que os Jacques viram naquela manhã. No momento em que Brandon demonstrou que estava disposto a dar uma chance a esse lugar, sua mãe se levantou e fez a ligação. Após descobrir que havia uma vaga disponível para Brandon, a família foi de Missouri a Prescott, no Arizona, no dia seguinte.

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Normalmente, quando um centro de tratamento como o A Sober Way Home admite um paciente novo, realiza o processo conhecido como admissão. Esse processo, supostamente, consiste em avaliações detalhadas do histórico médico do possível cliente para se ter uma ideia do tipo de tratamento que ele precisa e se o centro pode, de fato, tratá-lo. Infelizmente, em centros com fins lucrativos, a admissão é frequentemente realizada por conselheiros em vez de profissionais médicos. Nessas organizações, há uma grande ênfase no mantra "manter os leitos ocupados"–frase realmente utilizada por empresários do ramo –e não é costume negar pacientes particulares mesmo quando esses precisam de um tratamento de nível mais alto do que aquele que o local pode oferecer.

Após um rápido café da manhã, um tour pelas instalações e uma reunião com os orientadores, Brandon se inscreveu em uma estada de 30 dias na casa de tratamento fundada em 1999 por Sandra Tillman, ex-viciada e sóbria há 26 anos, que cobra US$ 14.500 por mês.

O modelo de tratamento praticado por centros de reabilitação como A Sober Way Home tem suas raízes nos Alcóolicos Anônimos, o programa de terapia em grupo de 12 passos para alcoólatras desenvolvido nos anos 1930. Hoje, estima-se que 98% de todos os centros de reabilitação nos Estados Unidos são orientados pelo padrão dos 12 passos; 78%, de fato, se utilizam do modelo. Isso acontece porque o modelo obteve resultados muito melhores que outros métodos de sua época, como lobotomia e drogas alucinógenas. Então, nos anos 1950, no Hazelden Hospital, em Minnesota, o psicólogo Daniel J. Anderson combinou os 12 passos do AA e sessões em grupo com orientação psicológica, estabelecendo a base do tratamento de reabilitação moderno. Apesar de muita preocupação com as aparências, pouco mudou desde então.

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A Sober Way Home é composto de 16 casas diferentes, cuidando de cerca de 85 pacientes e empregando 75 funcionários, incluindo um médico e um psiquiatra. Oferece um tratamento de desintoxicação e um regime de internação que, segundo Tillman, envolve encontros do AA, uma prática de efeitos não comprovados chamada neurofeedback (que tem por objetivo mapear a atividade elétrica no cérebro para ajudar o paciente a controlar seus impulsos) e "terapia equina"(em que pacientes brincam com cavalos).

Apesar de Brandon ter chegado ao local com problemas em relação ao consumo de álcool e um distúrbio alimentar, sua família alega que o centro A Sober Way insistiu desde o princípio que estava preparado para fornecer todos os tratamentos necessários para combater ambos os problemas. Em seu website, vangloriam-se de que podem acomodar pacientes com distúrbios desde a depressão ao transtorno bipolar.

"Eles disseram que o foco principal era controlar o alcoolismo primeiro e, depois, trabalhar no distúrbio alimentar,"diz Ted. "Naquele ponto, deixar meu filho tão longe de casa em um centro de reabilitação foi a coisa mais difícil que havia feito na minha vida. Mas eles nos fizeram nos sentir bem. Quando estávamos saindo, disseram: 'Vocês podem ir tomar um pouco de ar fresco –ele está seguro'."

No princípio, Brandon estava indo bem no local. "No telefone," Ted confirma, "ele fez comentários como 'Preciso sair daqui e voltar à faculdade, senão vou ter 35 anos sem ter me formado.'"

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Mas o progresso começou a decair na segunda metade de sua estadia de um mês. Brandon foi pego comendo a comida de outros clientes. Depois, no 29º dia –um dia antes da data programada para ir para casa –, os orientadores ligaram para os Jacques, informando que ele teria de continuar o tratamento em regime interno para melhorar. Eles recomendaram com veemência um centro de reabilitação em Newport, Califórnia, chamado Morningside Recovery.

Segundo um ex-funcionário do Morningside que conversou comigo sob a condição de anonimato, transferências como a de Brandon eram frequentemente feitas por ganância, não por necessidade.

"Eles faziam encaminhamentos entre eles [A Sober Way e Morningside]," conta o ex-funcionário. "Você encaminha um cliente para a Morningside e eles pagam uma taxa de 10% do que eles ganham… Na maioria das vezes, o dinheiro vai para o dono [do local]… ou para o diretor das admissões."

Nos Estados Unidos, comissões na medicina são vistas, há muito tempo, como uma prática antiética. Uma carta ao editor do The New York Times, escrita por A. S. Draper, de Albany, em 1912, discutia o assunto, declarando que "o paciente é defraudado pelo clínico em que confia e roubado pela ajuda de um especialista, e ambos, clínico e especialista, são corruptos."

Na esfera federal, há leis que tornam ilegal esse tipo de "comissão" caso seus recursos provenham de seguros de saúde custeados pelo governo federal. Na Califórnia, esse tipo de prática é ilegal segundo o Código Profissional e de Negócios do Estado. A legislação estadual proíbe qualquer tipo de indicação mediante pagamento, em quaisquer condições. O mesmo vale para o Estado do Arizona, cujas leis têm como alvo específico casas de tratamento como A Sober Way Home.

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Confrontei Sandra Tillman, fundadora da A Sober Way Home, sobre as alegações do antigo funcionário da Morningside. O funcionário frisa a existência de um pagamento, acertado para transferir Brandon de A Sober Way Home para Morningside. Esse pagamento foi acertado entre funcionários de ambas as instituições. Tillman pareceu ser pega de surpresa. Ela alegou não estar ciente de tal acordo na época, mas confirmou que a existência de uma comissão foi descoberta e provavelmente foi um fator que influenciou na transferência de Brandon. Ela também confirmou que o funcionário supostamente responsável ainda trabalhava para ela no momento em que a entrevistei.

Naturalmente, A Sober Way Home e Morningside não revelaram a suposta comissão para Brandon ou seus pais. Em vez disso, funcionários da A Sober Way Home, Pete Stewart e Lori Kidd, comunicaram à família dele que queriam transferi-lo, porque, segundo eles, A Sober Way Home não poderia tratar com eficácia seu distúrbio alimentar. O que fomenta a pergunta: por que aceitaram tratá-lo se sabiam que ele era bulímico desde o começo? Agora que as coisas tinham se tornado sérias, queriam transferi-lo para outro local. Mas, em vez de recomendarem que Brandon fosse levado a um hospital, encaminharam-no a um lugar com quem tinham uma relação financeira.

O tratamento em Morningside custa US$ 25 mil por mês, US$ 10.500 a mais do que em A Sober Way. Baseado em informações dadas a mim pelo informante, essa transação teria rendido a A Sober Way um valor referente a US$ 2.500, uma quantia que poderia macular qualquer recomendação.

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Independentemente do aumento no preço, Ted, como pai preocupado, estava feliz em pagar mais se isso ajudasse Brandon a colocar sua vida de volta nos trilhos.

"Queriam que ele fosse transferido naquele dia; então, tivemos de acertar o vôo," relata Ted. Eles levaram Brandon ao aeroporto, e ele foi embora. Ele chegou ao Aeroporto John Wayne, em Santa Ana, Califórnia, em 14 de março, e funcionários da Morningside o buscaram. Tudo aconteceu muito rapidamente, mas a família foi assegurada de que a instituição seria o lugar certo para ele não apenas pelo encaminhamento da A Sober Way, mas também pelos próprios depoimentos de Morningside.

"Olhamos o site antes de enviarmos Brandon para lá," diz Ted, "e lá falava sobre um médico, Theodore G. Williams, e uma enfermeira, Jill Shelton. O site fazia parecer com que eles estavam naquele lugar."

O que os Jacques não sabiam era que é ilegal que programas de tratamento contra drogas e álcool como Morningside forneçam qualquer cuidado médico no Estado da Califórnia por causa de uma legislação controversa e antiga, vestígio dos primórdios da indústria de reabilitação baseada no AA e seus procedimentos não médicos. Morningside, como muitos centros de reabilitação fazem no Estado da Califórnia, funcionava às margens da lei ao contratar o trabalho de médicos separadamente. Como esses funcionários não podem legalmente fazer parte da equipe, eles são frequentemente contratados por vários centros ao mesmo tempo. No caso de Shelton, ela foi contratada por no mínimo mais um outro centro de tratamento, em Costa Mesa, chamado Pat Moore Foundation, enquanto trabalhava em Morningside.

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Em vez de estar no local no mínimo 40 horas por semana, como poderia se esperar pelos depoimentos e sites, esses médicos têm dia e hora selecionadas para ver os pacientes. Um ex-funcionário da Morningside, que conversou conosco sob condição de manter o anonimato, explicou que um médico contratado como Shelton vai ao local algumas vezes por semana das nove horas da manhã até o meio-dia. Na verdade, uma grande parte do cuidado que se recebe nesses locais é oferecido por viciados em drogas em recuperação com pouco mais do que o Ensino Médio ou diplomas comprados na área de orientação.

Como o Estado da Califórnia fez muito pouco para controlar a proibição de médicos nesse tipo de local, centros de reabilitação como Morningside recebem o melhor de dois mundos –podem se vender como centros médicos para atrair mais clientes sem medo de serem fechados, mas não têm que gastar o dinheiro em cuidado médico ou passar por toda a regulamentação necessária para ser um local que oferece práticas médicas.

Morningside não é a única clínica da Califórnia com violações à lei desse tipo. Um relatório feito pelo California Senate Office of Oversight and Outcomes em 2012 enumerou diversos centros de reabilitação como infratores recorrentes, onde ocorreram várias mortes sob sua vigilância e várias citações relacionadas à prática de medicina, ainda que tivessem permissão para operar. Entre esses centros, estava o Living Center, em Modesto. Em 2010, um ex-funcionário de lá disse a um oficial que um paciente era mantido no local mesmo precisando ser enviado a um hospital, pois assim Living Center ganhava mais dinheiro. Um ano após ser denunciado para o Estado, o centro de tratamento ainda estava operando e admitia novos clientes que visivelmente precisavam de cuidados médicos muito além do que eles podiam oferecer. Na admissão do cliente, conduzida por uma pessoa que não era médica, seus olhos e pele estavam amarelos e ele estava tão tonto que não conseguia andar sozinho. Mais tarde, enviaram-no a um hospital, mas, naquele ponto, jáera tarde demais, e ele faleceu.

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Além de citar esse falecimento, o Estado anulou a licença do Living Center para tratamentos em agosto de 2013 por uma variedade de violações, que incluíam a admissão de clientes bipolares e com tendências suicidas que precisavam de cuidado hospitalar, os cuidados médicos oferecidos ilegalmente, a contratação de pessoas reprovadas na verificação de antecedentes e admissão de clientes abaixo de 14 anos de idade. O Estado notificou o centro de reabilitação em junho de 2013, mas ele continua aberto.

Quando Brandon foi transferido para Morningside, os Jacques não tiveram mais contato com ele. Como muitos programas de reabilitação, Morningside não permitia que ele utilizasse o telefone durante a primeira semana de sua estada. Segundo Ted, eles também não permitem que clientes usem os telefones do centro para manter as linhas livres para a equipe. Desesperado para falar com seu filho sobre a transição e sua saúde, Ted enviou um telefone celular para Brandon. Mas Ted nunca recebeu uma ligação. Morningside alega ter negado o acesso de Brandon ao telefone porque ele foi pego com álcool em seu organismo.

"Seu orientador disse: 'Bem, é evidente que ele deu vinte dólares para alguém para sair, comprar álcool e ficar com o troco'. Eu disse: "Onde ele conseguiu esses vinte dólares? Como isso aconteceu?'."

Os Jacques haviam planejado visitor Brandon na segunda semana de abril. Eles iam fazer uma visita antes, mas um orientador da Morningside disse para eles não irem.

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"Em A Sober Way Home, nós falávamos com ele frequentemente. Mas, quando ele foi transferido para Morningside, eu não consegui falar com ele, e a comunicação era terrível."

Em 18 de março, os testes de laboratório de Morningside revelaram que o nível de potássio de Brandon havia caído para 3,3, abaixo do normal. Naquele ponto, entretanto, ele não estava tomando nada para suprir seu potássio. Foi somente quatro dias depois que outra enfermeira, contratada por Shelton, receitou algo para seus níveis baixos de potássio: multivitaminas.

Em primeiro de abril, Ted recebeu uma rara ligação de uma das orientadoras de Brandon em Morningside, dizendo que eles achavam que Brandon deveria ser transferido novamente. Falaram que seu nível de potássio estava baixo e que eles haviam começado a dar-lhe pílulas de potássio. Achavam que seria uma boa ideia transferi-lo para o Reasons Eating Disorder Center, em Rosemead, Califórnia, para um tratamento mais intenso contra seus distúrbios alimentares.

"Eu disse: 'Espera, eu achava que vocês cuidariam dos distúrbios alimentares'. Eu disse a ela: 'Eu quero que ele vá ao melhor lugar possível. Não importa onde seja'. Ela me disse que Brandon não estava em perigo e que ela estava monitorando seus exames."

Infelizmente, ele estava em grave perigo. Segundo os próprios registros de Morningside, um dia antes de ligarem para Ted, os níveis de potássio de Brandon haviam caído para um nível perigoso de 2,9 –apenas um décimo a mais do que estava no dia em que sua mãe o encontrou inconsciente no chão do banheiro.

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Até o ponto em que Ted e Kim sabiam em primeiro de abril, Brandon estava OK e provavelmente seria transferido na semana seguinte para outro centro de reabilitação, novamente com a promessa de que os distúrbios de seu filho seriam tratados. Mas, na verdade, ele havia sido transferido em segredo um dia antes de seu pai receber a ligação da orientadora. Morningside não o havia transferido para uma emergência hospitalar ou algum centro de tratamento contra distúrbios alimentares em um hospital. Em vez disso, enviaram-no a um centro chamado First House Detox, em Costa Mesa. Enquanto ele esteve em First House, seus pais não conseguiram falar com ele.

De acordo com registros mantidos pelos funcionários do centro de reabilitação, Brandon passou sua estada em First House interagindo com outros clientes, lendo, fumando do lado de fora e colocando o sono em dia. Segundo testemunho do dono do local, Richard Perlin, ele não recebeu absolutamente nenhum aconselhamento ou tratamento enquanto esteve sob os cuidados do First House, o que é intrigante, considerando que seus últimos exames mostraram que ele estava correndo risco de morte por parada cardíaca.

Mas a falta de tratamento que ele recebeu seria menos surpreendente para alguém que conhecesse First House. Quando Brandon foi enviado para lá, o lugar já tinha má reputação. O centro consistia em três casas de desintoxicação diferentes, com um funcionário e seis camas por casa. Seu dono, Richard Perlin, é um ex-viciado em drogas e já foi preso. Em 2008, First House foi indiciada por não acompanhar propriamente um cliente que estava passando por crise de abstinência. Três meses depois, outro cliente morreu sob seus cuidados. Após sua morte, foi descoberto que ele não estava sendo monitorado de acordo com seus regulamentos. Em 2011, alguns dias antes de Morningside transferir Brandon em segredo para o local, outro cliente morreu sob seus cuidados. Os funcionários do First House conferiram o estado do paciente três vezes antes de perceberem que ele estava morto.

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Um dia depois da conversa de Ted com a orientadora de Morningside, Brandon passou uma boa parte de seu tempo relaxando na sala de estar do First House com outro cliente, David Falk, assistindo a um filme na televisão. Entre 3 e 4 horas da manhã, Brandon, com sua obsessão em queimar calorias, foi fazer uma rápida série de 30 flexões. Ele então se virou. Foi ali, no chão, que ele sofreu uma parada cardíaca e seus lábios ficaram azuis.

David Falk gritou, pedindo ajuda. Greg Epilone, um funcionário, veio até o quarto, viu Brandon no chão e ligou para o 911, o número de emergência. Ele tentou fazer uma massagem cardíaca em Brandon, mas tudo que ele conseguiu encontrar foi uma pulsação fraca. Colocaram um oxímetro de pulso (um monitorador de oxigênio não invasivo) na mão de Brandon para conferir seus sinais vitais, mas ele estava cada vez mais fraco. Os médicos chegaram três minutos depois de Greg ter feito a ligação. Eles tentaram reanimação cardiorrespiratória e usaram o desfibrilador várias vezes. Após 10 minutos tentando reanimá-lo, os médicos colocaram-no em uma maca e finalmente o levaram a um hospital, onde foi declarado morto às 5:20 da manhã.

Naquela noite, Ted estava comendo um contrafilé no Landing Eatery & Pub, em Kearney, com Kim. O Missouri Tigers, time de basquete, estava jogando. Os celulares de Ted e sua esposa não paravam de tocar, mas o som do jogo vindo das grandes telas abafaram seus toques. Quando chegaram em casa do jantar, Kim e Ted viram que eles tinham vários recados de voz de um número desconhecido em seu telefone fixo. As mensagens eram todas iguais: "Liguem para o Hoag Hospital, em Newport Beach, Califórnia".

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Ted e Kim pegaram um avião para Los Angeles completamente atordoados. Não parecia real –eles não haviam falado ou visto seu filho em semanas por causa do regulamento de Morningside e não faziam ideia das circunstâncias em que vivia durante o mês anterior.

"David Gates [ex-diretor de Morningside] nos encontrou do lado de fora do hospital," Ted lembra, "e queria conversar conosco sobre nos devolver o dinheiro. Ele ficou insistindo no assunto até que eu disse: 'Olha, cara, eu não quero falar sobre dinheiro'."

(Representantes de Morningside e First House não responderam aos vários pedidos de entrevista pela VICE.)

Já dentro do hospital. Ted conversou com o médico de plantão que declarou Brandon como morto: Dr. William H. Cloud. Segundo Ted, Cloud falou uma coisa que ficou em sua cabeça. Ele disse à família que o Hoag Hospital sempre recebe adolescentes de clínicas de reabilitação que morrem ou sofrem sérias complicações devido à falta de cuidado nesses lugares.

Depois de ver o corpo de Brandon, os Jacques se reuniram com Gates, que insistiu em ter seu advogado presente. Ted não havia visto Brandon em dois meses e não havia escutado sua voz em um mês. Compreensivelmente, queria ver onde seu filho estava vivendo e conversar com as pessoas que o viram em seus últimos dias.

"E, então, finalmente descobri. Ele não estava em Morningside quando ele morreu. Ele estava em um lugar chamado First House."

Ted diz que Gates lhe contou que o motivo de Brandon ter sido transferido para esse outro centro sem notificarem seus pais era algo sobre outros pacientes de Morningside "precisarem de cuidados mais intensivos".

First House perdeu sua licença de funcionamento após a morte de Brandon por motivos que incluem falsificação de registros médicos e prestação ilegal de serviços médicos.

Dez meses após a morte de Brandon, o Estado declarou o cancelamento dos serviços residenciais e de desintoxicação de Morningside devido a uma variedade de violações, incluindo operação além do âmbito de sua licença ao prestarem tratamento médico e administração e prescrição indevidas de drogas. O Estado também indiciou a enfermeira Jill Shelton por comandar uma farmácia e distribuir opiáceos como Subutex e Suboxone a clientes em Morningside sem permissão legal.

Conversei com uma antiga cliente de Morningside, Ilana Kekst, que alega ter estado lá por seis meses entre 2006 e 2007 devido à dependência de opiáceos. Ela me contou que "não há recuperação lá". De sua estadia, ela lembra de coisas como motoristas que deveriam levá-la aos encontros do AA, mas que nunca vinham.

Pelo menos outros nove clientes antigos processaram Morningside por não ter lhes fornecido o tratamento prometido. Mobilizações do conselho da cidade expulsaram as instalações da instituição de Newport Beach, jáque os moradores não queriam um centro de reabilitação em seu quintal. O principal centro de Morningside agora fica em Costa Mesa.

Apesar das violações, Morningside Recovery ainda presta uma grande variedade de serviços de tratamento na região sul da Califórnia, apesar de muitos de seus centros estarem listados no California Department of Health Care Services como "centros sem licença". Segundo explica um ex-funcionário, eles conseguem isso ao oferecer uma "vida sóbria" a todos os seus clientes (alojamentos especiais para viciados com ainda menos regulamentos que centros de reabilitação), transportando-os para um centro separado a fim de realizar tratamentos ambulatoriais.

"Qualquer psicólogo ou médico diria que é necessário tratamento em regime de internamento se você ligar dizendo: 'Eu injeto heroína em mim todos os dias há dez anos'. Mas se você ligasse para Morningside hoje e dissesse isso, você descobria das duas, uma", explica o ex-funcionário de Morningside. "Ou eles vão mentir e fingir que são um centro de tratamento de regime de internamento, apesar de haver atualmente regulamentos legais que dizem que eles não podem fornecer esse nível de tratamento, ou vão convencer você de que você não precisa daquele nível de tratamento [apesar de você precisar]."

Em 15 de outubro de 2014, os Jacques entraram na justiça com um processo contra a Morningside e seus responsáveis pela morte de Brandon. O pedido de indenização é no valor de US$ 3,7 milhões. Como o caso ainda não foi julgado, toda a extensão das práticas da clínica ainda é desconhecida. Não se sabe ao certo quantos outros pacientes podem ter sido, ou continuam a ser, negligenciados pela Morningside.

A First House perdeu sua licença cinco meses após a morte de Brandon, em setembro de 2011, por fornecimento de serviços além das limitações de sua licença, administração de medicação, falsificação de registros médicos, uso de serviços de aconselhamento não reconhecidos pelo Estado, alojamento de clientes em um local em número maior que o permitido por lei e por dar a novos clientes a medicação de clientes antigos.

Apesar de First House estar fechado, Richard Perlin abriu outro centro de reabilitação com o nome de sua namorada, Eddie Johnson, chamado Orange County Recovery. O novo centro conta com vários dos funcionários que trabalhavam em First House quando Brandon ali estava internado.

Agora que First House está fechado, foi revelado que o centro também estava envolvido no esquema de comissões. De acordo com um testemunho dado por Richard Perlin, a empresa pagou a Morningside pelo menos três vezes por encaminhar clientes para a First House. Perlin afirma: "David Gates entrou em contato comigo e disse: 'Olha, para utilizarmos a First House, Morningside gostaria de receber US$ 100 por dia por pessoa que encaminhamos para aí'".

O maior valor que ele pagou por clientes como Brandon foi de US$ 3 mil, em 2010. Os três pagamentos divulgados em seu depoimento foram feitos em cheque. Ninguém sabe quanto foi pago em dinheiro, que é a forma com que esse tipo de transação costuma ser feita, segundo o ex-funcionário de Morningside. A extensão total dessa relação é incerta –assim como a extensão com que abusos similares acontecem em centros de reabilitação com fins lucrativos por todos os EUA–, mas o modo como Perlin e outros do ramo olham para seus pacientes não é nem um pouco incerto. Em seu testemunho, ele comparou pacientes como Brandon a roupas sujas.

"[Morningside] comanda um negócio," ele enfatizou. "Eles queriam participação no lucro. Há diversos precedentes para esse tipo de intermediação entre diferentes empresas nessa área. Em outras palavras…uma lavanderia terceiriza a lavagem de uma roupa suja e cobra um preço de lavagem premium por isso."

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