Amanda Sparks: a Drag Queen que Faz Games Fofinhos Cheios de Protesto

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Amanda Sparks: a Drag Queen que Faz Games Fofinhos Cheios de Protesto

Conversamos com a personagem principal dos jogos de temática drag queen que levam muita purpurina, irreverência e discussões extremamente necessárias às telas dos gamers.

Já era a época em que os games estavam inseridos em uma espécie de "Clube do Bolinha" e excluíam os que não faziam parte do estereótipo "homem/nerd/gordinho/óculos fundo de garrafa". Hoje, qualquer pessoa pode apreciar e, principalmente, criar esse tipo de entretenimento.

As drag queens estão fazendo nascer games fodas, divertidos, com temas que vão da religião ao preconceito. Estão prontas pra se consolidarem de uma vez por todas na indústria gamer. Quem é o cérebro desse movimento em São Paulo é o designer de games José Henrique Oliveira, que trabalha durante o dia como motion designer em uma agência da capital paulistana e, à noite, se transforma na baphônica Amanda Sparks.

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Henrique é carioca, filho de militar e mora em SP desde 2010. Começou a desenvolver games pra PC em 2001 com o famoso programa Klikand Play, queridinho dos nerds em uma época na qual ainda escutávamos o chiado da internet discada. Amanda nasceu dez anos depois em uma 'brincadeira' que ele tinha com os amigos de se montar para as festas gays.

Hoje, Amanda é famosa na cena drag e integra o Trio Milano ao lado de Penelopy Jean e Tiffany Bradshaw, animando festas como Priscilla e se apresentando em lugares badalados como a balada gay Blue Space.

Shade Forest ("shade", expressão popularizada pelo programa de TV RuPaul's Drag Race, significa "insultar" e/ou "venenoso") é o último jogo mobile lançado por Henrique, e ele vem repleto de polêmicas e protestos. No game, que segue um estilo clássico como o de Megaman, cuja trilha sonora traz como inspiração tanto o universo de 8-bits quanto a drag music, a personagem principal, a própria Amanda, precisa entrar em uma floresta para salvar criaturas que estão sob influência dos vilões. Ela faz isso mandando beijinhos ou distribuindo tapas, no estilo "Snap out of it, girl!".

Enquanto entra na floresta, placas como "Deus criou Adão e Eva, não Adão e Ivo" aparecem para dar clima à temática do jogo. Esses vilões basicamente são representações caricatas dos opressores da causa LGBT, como Bigot Pig, o porco intolerante que lança contra Amanda páginas da Bíblia, ou Dictactor Bird, um galo ditador criado para representar o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

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Conversamos com a Amanda sobre tudo isso.

VICE: Como a Amanda nasceu?
Amanda Sparks: Eu e um amigo fomos montados em uma festa no extinto clube Glória (SP). Nossa, éramos tão cagadas! Como, na época, a cena drag era quase inexistente nas baladas pops de SP, a gente chamou atenção e fomos convidadas para sermos DJs em algumas festas. De repente, estávamos todo fim de semana tocando ou fazendo presença em uma festa diferente. Já o nome "Amanda" é por causa de uma personagem da novela Ugly Betty que eu amava, a Amanda Tanen, uma recepcionista totalmente louca e meio burrinha. O Sparks é porque, toda vez que eu peido, sai faísca.

Você contou que seu pai é militar. É de boa?
Teoricamente, meus pais não sabem que eu me monto. Mas eu sei que minha mãe sabe, mas ela não sabe que eu sei que ela sabe. Sofri muito preconceito deles, já que eles achavam que, por ser gay, eu não teria futuro e não conseguiria emprego. Até me forçavam a fazer concurso público e me alistar na Aeronáutica. Ainda bem que me dispensaram. Teria sido uma pessoa mais feliz se tivesse tido apoio deles para minhas aptidões artísticas.

Bem, e do público, rola algum tipo de preconceito?
As pessoas ficam surpresas, porque o Henrique e a Amanda são muito diferentes. Não rola preconceito direto [em relação] a mim, mas, uma vez, por exemplo, me mudei com minha irmã e meu amigo, que também é drag, para um apartamento na Consolação. A síndica era um diabo de chata e foi reclamar pra minha irmã que tinham duas "travestis" entrando sem autorização no prédio. Imagina a cara dela quando minha irmã disse que as "travestis" éramos eu e meu amigo.

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Quando você começou a criar games?
Comecei na adolescência, já que me mudava bastante. Já morei em Minas Gerais e até em Rondônia. Uma das desvantagens de ser filho de militar: sempre mudando. Então, não conseguia fazer muitos amigos e passava boa parte do tempo criando e desenhando joguinhos de tabuleiro. Que, por sinal, eu não tinha com quem jogar.

E os games pro público jogar?
Os meus primeiros jogos lançados ao público foram o Duel Toys e o Duel Toys 2. São jogos de luta que reuniam personagens de diversos outros jogos.

Basicamente, você é um garoto que coleciona bonecos baseados em diversos personagens e celebridades. O objetivo é colocar esses bonecos para brigar contra os bonecos de amigos e rivais, adquirir pontos e comprar novos para aumentar sua coleção. Vale a pena mencionar que nomes como Snake [Metal Gear], Michael Jackson, Indiana Jones e Goku estão presentes. E podem brigar. "Era um fan game, livre para distribuição, mesmo porque continha personagens de outras empresas e eu nunca poderia vender esse jogo, só queria causar. Nessa época, a Amanda Sparks ainda nem existia. O meu primeiro jogo como Amanda Sparks foi o Flappy Drag Queen (uma piada com o jogo Flappy Bird com selo próprio, o Amandapps), que chegou a ter 100 mil downloads no Google Play. Um jogo sobre drag queens feito por uma drag queen."

Existe algum tipo de preparação que você faz antes de dar vida à Amanda?Eu tiro a barba (que é horrível, porque adoro ter barba), limpo a pele e ponho uma camisa suja pra limpar os dedos enquanto me maquio. Chego a passar 1h30 me montando antes de ir para as boates onde toco, danço, bebo, pego boys (só depois de bem bêbada). A Amanda é mais solta que o Henrique, as características dela são se jogar, dançar, mexer com os boys, algo que, como Henrique, eu não tenho tanta coragem de fazer.

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Você não tem receio desse lance da Bíblia causar com os religiosos?
Todo mal que é feito em nome de algum tipo de deus me faz querer distancia desse tipo de fanatismo. Acho o cúmulo como as pessoas baseiam seus preconceitos em páginas da Bíblia. Fico realmente enfurecido em ver como a bancada evangélica aqui no Brasil usa a religião como manobra política. E, se enfurecer os religiosos de plantão, ótimo: cumpri meu objetivo.

Por que o "Dictactor Cock" é um retrato do Putin?
Esse vilão usa um "uniforme russo" fazendo alusão ao Putin e à sua política anti-LGBT na Rússia. Sua frase pré-batalha é "No drag propaganda in this forest", e ele ataca com um helicóptero. Para derrotá-lo, basta esperá-lo descer para reabastecer.

Quando a "barra de energia" (representada por maquiagem) da Amanda acaba, ela é "desmontada", revelando o homem por trás da personagem. Qual a ideia por trás? É uma tentativa dos inimigos em descaracterizá-la?Cada vez que ela toca em um inimigo, ela perde um pouco da maquiagem. No fim das contas, os inimigos não querem a descaracterizar; é algo que acaba acontecendo, principalmente quando ela cai na água. É um tipo de paralelo de quando alguém toca o rosto de uma drag queen na boate: faça qualquer coisa, mas nunca toque o rosto de uma drag queen!!!! Essa animação dela se desmontando é uma influência direta de Mônica no Castelo do Dragão, que eu ignoro totalmente que foi baseado em Wonder Boy. Pra mim, será sempre o jogo da Mônica em que ela vira um "monstro de sujeira" ao ser derrotada.

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Qual o projeto mais polêmico que a Amanda Sparks já fez?
O mais polêmico, que eu não desenvolvi (mas participei), foi um curta chamado Ouça o Ciclone, da Fratura filmes, em que eu teria de chupar um boy em frente às câmeras. No fim das contas, essa cena acabou não acontecendo (fiquei bem triste, porque eu realmente queria chupar o boy). Até hoje não sei direito qual a era a história do curta.

Você adora usar personagens de jogos famosos e fazer sua própria história. Se pudesse recriar qualquer game, qual seria?
Metal Gear. Eliminaria o Snake e colocaria a Cammy, do Street Fighter, linda e glamourosa, no lugar dele.

Quais os planos para o futuro da Amanda nos games?
Quero expandir o Shade Forest e criar mais versões além da [versão para] mobile - e, principalmente, transformar a Amanda em um ícone, como o Super Mario [Bros.]. Imagino a Amanda em cadernos, lancheiras, bonecas… vamos dominar o mundo, queridinha.

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