Curso básico para fotografar mulheres nuas sem ser um babaca
Ilustração: Juliana Lucato/ VICE

FYI.

This story is over 5 years old.

comportamento

Curso básico para fotografar mulheres nuas sem ser um babaca

Com o crescimento de relatos de abusos em sessões de fotos, pedimos para três modelos brasileiras darem alguns toques para os fotógrafos homens não serem uns otários.

Nas últimas semanas, algumas denúncias graves pipocaram nas redes sociais relatando casos de modelos que sofreram assédio de fotógrafos. Um deles, inclusive, era "famoso" no meio de música eletrônica e tinha um apreço especial de pedir fotos das suas futuras modelos mostrando a lingerie para "testar". Outro, chegou a tocar em diversas meninas que sequer seguiam carreira de modelo durante as sessões de fotos. Essas duas denúncias foram as primeiras de, provavelmente, muitas que ainda estão por vir.

Publicidade

Não é de se surpreender que esses fotógrafos usavam a desculpa de fazer "ensaios sensuais" para abusar das modelos que topavam participar do projeto. Com o crescimento de fotógrafos do Instagram e profissionais mais veteranos que gostam de tirar fotos de nu, infelizmente é preciso falar o básico: não aproveite de ninguém em qualquer situação e, pior ainda, se essa relação for de trabalho.

Com isso em mente, pedimos para três experientes modelos da nova cena de peladezas jovens darem dicas para fotógrafos homens que estão começando. Um tutorial rápido e prático sobre o que não fazer com as modelos. Jacqueline Jordão, Karina Wenceslau e Thays Vitangelo também contaram algumas histórias de horror que passaram enquanto estavam trabalhando.

"Já aconteceu de estar no meio de um ensaio e o fotógrafo chegar pra mim e dizer o quão difícil era pra ele se controlar e não sentir tesão em me ver pelada. Isso no meio do ensaio. Me senti super fragilizada", conta Karina.

Já Thays relatou ter sofrido abusos verbais de um fotógrafo e já chegou a perder trabalho porque não aceitou sair com um figurão do meio. Ela também já se posicionou ativamente nas suas redes sociais contra fotógrafos que usam projetos de empoderamento feminista para xavecar as modelos (profissionais e não-profissionais) que passavam por suas lentes.

Thays concorda que essa aparição de denúncias é positiva, mas aponta que ainda é muito pouco. Apesar de modelos e fotógrafos criarem grupos fechados de trocas de experiências ruins e indicações de pessoas confiáveis, a voz da modelo que foi abusada ainda é muito desconsiderada. "Percebemos que não falávamos dos abusos por conta do fotógrafo ser 'famosinho', e o pessoal tinha medo. Você vai falar isso e sair como errada, ou louca ou querendo atenção. Também percebemos que é difícil ter voz, porque muitas pessoas ainda enxergam isso [o nu fotográfico] como errado, porque fomos nós que topamos em posar peladas."

Publicidade

Já a Jacqueline conta que foi menosprezada pelos fotógrafos por ser modelo plus size. "Tem fotógrafo que só me chama para falar que tirou foto de mina gordinha. Depois, ele caga para mim. Quando comecei a fotografar, saí do meu primeiro ensaio e falei que queria fazer aquilo pra sempre. Todo mundo que estava comigo deu risada e duvidou de mim. Depois que vieram outras oportunidades, eles ficaram em choque."

Tenha um portfólio (Organizado? Melhor ainda)

"Eu sempre peço referência de um fotógrafo para outras meninas e, principalmente, vejo o portfólio dele para ver se ele é fotógrafo mesmo. Existem alguns homens por aí que nem fotografam e usam isso para se aproveitar", conta Karina.

Além disso, você já deve saber que é pelo seu portfólio atualizado e organizadinho que as modelos e outras pessoas que estão considerando trabalhar com você vão bater o martelo. Inclusive, não é nada incomum as modelos toparem (ou não) fotografar com base nos trabalhos que você fez. "Sempre vejo os trabalhos de alguém antes de topar alguma coisa. Se não me interessa o trabalho, não faço", explica Thays.

"Tem muito doido por aí que fala que trabalha com isso, mas na hora de você ver o portfólio só tem fotos antigas", conta Karina.

Tenha um projeto (de verdade) e deixe o feminismo para as mulheres

É fácil de captar se o fotógrafo quer só comer mulher ou quer fazer um trabalho bacana de verdade. Não adianta só querer fotografar mulher pelada pra arranjar uma foda e vender como se fosse um grande trabalho feminista inovador. "Quando tem uns papos de feminismo e o fotógrafo é homem, sempre fico com o pé atrás", diz Thays.

Publicidade

De fato, dá pra catar de baciada esses tipo de trabalho em que o fotógrafo em questão quer celebrar a beleza feminina e faz isso fotografando apenas garotas consideradas lindas por unanimidade. "Se você faz tanta questão de usar isso pro seu trabalho, não chame só as meninas que você acha lindas. Caso não achar legal, também não use palavras como 'empoderamento', 'feminismo' e afins. Não faz nenhum sentido", completa.

Karina acredita que essa questão é problemática. "Eu sempre acho estranho homem fotografando a mulher desse jeito, focando no empoderamento. Entendo que o cara quer dizer que todas as mulheres são bonitas e tudo mais, mas hoje em dia existem muitas mulheres fotógrafas que poderiam ter espaço para fazer isso e abordar essa tema com mais sensibilidade."

"O fotógrafo precisa explicar tudo que ele quer fazer e quais são as intenções dele. Desde como ele teve a ideia e como ele quer concretizar isso com você. A pessoa precisa se sentir segura com seu trabalho. Já deixei de fazer por não sentir a segurança necessária porque não gostei do jeito que ele colocava as modelos na internet", aconselha Jacqueline.

Tenha coerência, pense no que você quer fazer, o que você quer passar e saiba escrever decentemente sobre ele para explicar para a modelo. É importante também entender que, sim, a modelo é livre para não topar seu convite. O que nos leva para o próximo item:

Ilustração: Juliana Lucato/ VICE

Saiba abordar respeitosamente e também receber um "não" eventual

Publicidade

"Já recebi direct [no Instagram] de homens falando que queriam me fotografar porque eu sou linda. Não quero saber disso, quero saber quem é você e o seu trabalho. Quer chamar? Chama, mas de forma profissional. Muitos levam isso na brincadeira. Não sou sua íntima", reclama Thays.

Karina também pede para os caras jamais, em hipótese nenhuma, pedirem fotos antes. Aliás, se você pede isso é porque provavelmente está na maldade.

"Se começa falando que eu sou linda, já descarto. Beleza, eu sou bonita, eu sei disso, mas por isso exijo que eles tenham um contato mais profissional comigo do que fazer comentários sexuais ou sobre a minha aparência. Não gosto que peçam coisas também, tipo foto de bunda, peito. Não funciona assim."

Vale dizer que essa frase deve ser aplicada não só no campo profissional, como pra sua vida civil também. A modelo tem diversos motivos para aceitar ou não seu convite para trabalhar. Acredite, reclamar só piora a situação.

"Normalmente, os fotógrafos lidam de um jeito tranquilo com isso, mas já rolou de um cara me chamar para tirar foto minha nua no meio da natureza. Era um trabalho que exigia que eu me deslocasse para um lugar afastado e ele não podia pagar cachê. Eu recusei e ele ficou puto", conta Karina.

Não tem problema não ter grana pra pagar cachê, mas é importante entender que as modelos também pagam contas e comem. Então, sim, muitas delas vão perguntar sobre o valor oferecido. Respire fundo, inspire, explique a situação e não seja aquele reclamão que acha que a modelo tem um problema pessoal com você.

Publicidade

"Não faz sentido você aceitar todos os trabalhos e óbvio que tem cara que fica indignado e gera toda essa revolta. As pessoas precisam entender que, assim como outros fotógrafos não me chamam para fotografar pelo motivo que seja, eu também posso escolher não trabalhar com alguém. Pelo motivo que seja", explica Karina.

Ilustração: Juliana Lucato/ VICE

Seja um ser humano minimamente decente na internet

Não adianta vender projeto feminista bonitinho ou pagar de homem renascentista pra descolar facilidades, sendo que no Instagram, Facebook e afins você adora meter o doidão e falar coisas ridículas.

Devo lembrar que você é constantemente observado na rede mundial de computadores, inclusive por gente que trabalha ou futuramente irá trabalhar com você. Provavelmente você deve fazer a mesma coisa com os outros, não?

Acredite, ser um bostão no seu perfil pessoal queima muito o filme. Quer falar merda? Fale no privado pros seus amigos.

"Se o cara posta alguma coisa sobre o trabalho que ele está fazendo no dia, falando que a modelo é linda, maravilhosa, etc, já não gosto. Tudo bem, posta falando sobre o trabalho, mas dispense os xavecos. Outra questão é se eu vejo que ele compartilhou algo muito machista", diz Thays.

"Conta muito o jeito dele na internet. Com certeza, tudo bem que a profissão é diferente, mas é a mesma pessoa que tá lá. Se o cara se diz fotógrafo de mulher e posta coisa machista jamais faria algo com ele", engrossa Jacqueline.

Publicidade

Na hora de fotografar

1. Não reclame se a modelo levar alguém de confiança para acompanhar a sessão.

A solução de muitas modelos é sempre levar alguém de confiança — seja uma amiga ou o namorado — para acompanhar as sessões e criar um clima mais seguro. Isso é uma coisa comum e pode ajudar bastante a modelo se sentir confortável nas fotos e seu trabalho ficar bacana.

Seja compreensível com isso. Não reclame que ela irá levar o namorado para acompanhar sua sessão de fotos. Não é pessoal, é só uma maneira de se proteger. Acredite, se não houvessem abusos diariamente por parte dos homens, isso não seria nem um tópico para ser discutido (e esse guia nem precisaria ser escrito também).

Ah, não vale pedir pra modelo levar uma amiga mulher, seu lixão humano.

A Thays gosta de levar seu namorado para as sessões. Especialmente quando o trabalho envolve tirar a roupa e ela não conhece o fotógrafo. "É aquela velha história: um homem só respeita outro homem. Não gosto quando eles falam que não querem meu namorado lá, eles precisam entender que quando falam isso estão perdendo uma credibilidade enorme e um ensaio bom. Quando estou com ele, me sinto muito mais confortável para me soltar. Ele me dá dicas e me deixa tranquila."

2. Em hipótese nenhuma faça comentários grosseiros, engraçadinhos ou derivados durante a sessão de fotos.

Parece até meio ridículo precisar falar esse tipo de coisa, mas isso foi tópico de várias denúncias de modelos na internet e, inclusive, a Thays e a Karina já passaram por situações cabeludas do gênero.

Publicidade

Se o seu projeto exige que a modelo tire a roupa e ela mal te conhece, é óbvio que ela está mais vulnerável à situação. Não significa, em hipótese alguma, que ela pode ser xavecada por você só porque topou fazer fotos de nu.

"Não gosto de ouvir nenhum tipo de elogio durante as fotos. Quer elogiar? Elogia a foto. Não me chama de linda. Acho isso desnecessário. Claro que é diferente quando eu conheço a pessoa muito bem ou estou fotografando com mulher", explica Thays.

Ilustração: Juliana Lucato/ VICE

3. Evite tocar no corpo da modelo.

Comunicação é a chave. Explique para ela o que você quer fazer, mostre você mesmo como você pensa na pose. Gesticule, sei lá. Só não toca. Isso cria um desconforto tão grande para a pessoa que está sendo fotografada não tem nem como explicar. Se imagine pelado e um homem que você mal conhece começa a tocar seu corpo para te fotografar. Ruim, né?

"Se eu tô tirando a roupa e vejo que ele tá me olhando, me observando demais já acho estranho. Ele precisa dar um tempo para a menina. E não encostar. Tem que ter um cuidado no tato, principalmente porque, às vezes, ele nem conhece a menina e já tá pegando no corpo. E ela já tá fragilizada porque está nua, sabe?", reclama Karina.

"Tocar é um problema muito grande e já parei um ensaio por causa isso", relembra Thays. "Não sou uma boneca." Uma boa saída apontada pela modelo é (se possível) ter uma assistente mulher para ajudar a explicar as poses. "Na maioria das vezes quando meu namorado fotografa eu tô junto para dar assistência. Quando precisa tocar na modelo, quem faz isso sou eu e sempre peço antes. É muito ruim ter um homem te tocando que você não conhece. Nem quando pede licença, não gosto."

Publicidade

4. Jamais insista em algo que a modelo não se sinta confortável em fazer

Eu sei que você tá animadão e já tinha tudo pronto na sua cabeça antes da sessão de fotos. Acontece que nem todo mundo está na mesma vibe que você. Tem pessoas que conseguem se soltar mais e ousar mais nas fotos, outras que vão até um limite.

"Eu não vou citar os projetos, mas eu já me senti muito desconfortável na questão de pegar e me colocar como se eu fosse uma peça. A pessoa que está ali posand, tanto faz, sabe? É muito chato. E é bem triste porque quando você lida com corpo, modelo ou fotógrafo, é uma coisa delicada. Não é só o corpo, você passa uma parada, então não dá para lidar com tanta frieza em algo que é tão profundo e interno", explica Jacqueline.

Deixe a modelo se soltar e fazer as coisas por conta própria. Óbvio que você pode dirigir o que você quer, mas não adianta forçar a pessoa fazer algo que não topou previamente. Certamente, suas fotos vão ficar uma porcaria se você usar essa tática de pressão.

Karina, por exemplo, não curte fazer fotos mais explícitas da sua virilha. "Se o cara insistir em fazer isso, ficar pressionando, eu não aceito e acho muito desagradável. Tem meninas que topam, mas quando a iniciativa vem do cara e não da menina eu já acho estranho."

"Eu já recebi coisas do tipo 'você não pode ter vergonha', mas tem meninas que têm vergonha. Nem todo mundo é fácil assim na hora de tirar a roupa na frente de um cara e um assistente. Você acabou de conhecer essas pessoas", contesta.

Ilustração: Juliana Lucato/ VICE

Se o seu trabalho não oferecer cachê, sempre veja com a modelo se é ok postar alguma foto na internet

Pense que não é só seu trabalho que está sendo divulgado, é a imagem da modelo também. Que legal que ela topou trabalhar com você, mas é uma coisa bacana você mostrar as fotos editadas do ensaio e ver com ela se tá tudo bem postar no Instagram. Ela também tem o direito de controlar sua imagem.

"Eu deixo os fotógrafos bem à vontade na hora de escolher as fotos, porque, afinal, é o trabalho deles. Mas eu veto sim quando não gosto de alguma coisa", conta Karina.

O caso de Thays é mais delicado porque ela costuma ser modelo de workshops pagos de fotos nu. Ela sempre solicita para que peçam autorização antes de publicar qualquer coisa. "Às vezes, você não vê quem tirou a foto e acaba saindo num ângulo estranho."

Não seja uma pessoa birrenta. Uma coisa é um trabalho em que a modelo está recebendo um cachê e outra é você fazer um convite casual para tirar fotos sem pagar. Questão de respeito.

Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter, Instagram e YouTube.