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Viver como 'Nômade Digital' É como Tirar Férias Muito Longas

Na era do emprego remoto, freelancers de tempo integral e indústrias inteiras que existem principalmente na internet, os nômades digitais conseguiram um jeito de ver o mundo sem sacrificar uma renda regular.

Todas as fotos cortesia de Amy Truong.

Se você é um ser humano, em algum momento da história, seus ancestrais eram nômades, constantemente desenraizando suas casas e viajando em busca de comida. Em muitos casos, isso acontecia mais por necessidade que por escolha, seguindo as rotas de migração da vida selvagem e as mudanças climáticas para não morrer de frio ou de fome.

Uma vida complicada, certo? Ou uma oportunidade de viajar pelo mundo, sem amarras? Essa é a filosofia de um certo tipo de viajante que gosta de se chamar "nômade digital". Esses caras desistiram de ter uma casa permanente pela chance de ver o mundo, constantemente em movimento, como nômades mesmo. Na era do emprego remoto, freelancers de tempo integral e indústrias inteiras que existem principalmente na internet, eles conseguiram um jeito de fazer isso sem sacrificar uma renda regular.

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Amy Truong é uma dessas pessoas. Ela testa softwares para o Github (cerca de 60% da empresa trabalha remotamente) e não tem uma casa formal – ela arruma as malas e se muda para uma nova cidade, um novo país, depois de alguns meses. Ela também é moderadora do Hashtag Nomads, uma comunidade online para nômades digitais se conectarem e se encontrarem na vida real. Quando Truong estava em San Francisco, nos encontramos para discutir como ela faz esse estilo de vida funcionar, os truques que ela usa para facilitar as mudanças e a solidão resultante de se estar sempre de passagem.

VICE: Vamos voltar para cinco anos atrás: o que estava acontecendo na sua vida? Como você decidiu se tornar uma nômade digital?
Amy Truong: OK, deixa eu ver. Eu estava numa consultoria de TI na Costa Leste dos EUA. Depois de trabalhar muito, me formar e ter três ou quatro semanas de férias para viajar, comecei minha carreira como as pessoas costumam fazer. O problema é que, assim que cheguei em casa das férias, eu só pensava em viajar mais. Eu sabia que precisava arranjar um jeito de fazer isso a sério. Na verdade, há muitas opções: você pode trabalhar para uma agência de viagens; você pode ser comissária de bordo ou piloto; você pode ser um consultor, viajando por aí toda semana; e, claro, você pode ser um vagabundo ou o eterno barman que muda de área sempre que tem vontade.

Pensei nas minhas opções e sabia que queria viajar, mas também sabia que não queria ser eternamente uma garçonete pulando de um lado para o outro. Tinha de ter um jeito de fazer isso com uma renda estável. Um jeito é como freelancer: desenvolvedores, designers gráficos, escritores, jornalistas, blogueiros e coisas assim. Entretanto, isso não é realista para a maioria das pessoas. É muito difícil fazer isso dar certo a longo prazo.

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Ainda assim, você decidiu tentar.
Para mim, tive um momento de clareza. Eu estava em Washington, DC pegando o metrô: era um dia quente de verão, eu estava com meu laptop e meu sapato de salto na mochila, porque não dá para pegar o metrô de salto. Eu estava sentada naquele vagão quente, sem ar-condicionado, e pensei: "Que saco! Saco mesmo. Vou acabar passando minha vida inteira assim se não fizer alguma coisa". Eu tinha de decidir se era isso que eu queria fazer. Entrar para esse ciclo. Eu estava no subsolo, num labirinto, numa escada rolante, tentando descobrir o que me fazia feliz – e definitivamente não era aquilo. Percebi que estava com 20 e poucos anos, não era casada, não tinha filhos e não tinha nenhuma grande responsabilidade me prendendo em determinado lugar; então, por que não fazer isso acontecer?

Truong nas Hamama Falls, Havaí.

Como seus amigos reagiram quando você decidiu fazer essa mudança?
Basicamente, todo mundo achou que eu estava louca. Alguns amigos perguntaram se eu precisava de ajuda psicológica e disseram que estariam ali depois que "essa fase" da minha vida passasse. Acho que eles viam viajar como uma coisa, mas transformar isso na minha vida era ir longe demais para alguns. Um amigo até me perguntou: "Do que você está fugindo?".

Bom, você está fugindo de alguma coisa?
Não sei. Quer dizer, sim. Isso já me fez duvidar de mim mesma. Isso me faz sentir mal sobre o que quero, me sinto culpada algumas vezes, tipo "Por que não quero coisas normais como todo mundo? Tem algo errado comigo?". Só que, no final das contas, olhando lá no fundo, sim – acho que eu estava fugindo da chatice da vida convencional que eu tinha na Costa Leste antes. Eu tinha muito medo de ir lentamente me afundando naquele ritmo e acabar ficando. Mas não estou dizendo que haja algo de inerentemente ruim nesse estilo de vida tradicional. Isso funciona para a maioria das pessoas, porém isso não parece certo para mim.

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Como ser um nômade digital é diferente de estar em férias permanentes?
Viajo mais lentamente. Em vez de ficar duas ou três semanas num lugar, fico um mês ou dois. Frequento os lugares que os locais frequentam, vou aos restaurantes normais, aos supermercados, e vejo os pontos turísticos sozinha quando quero em vez de percorrer todos de uma vez com um bando de turistas. Em vez de comer em todos os restaurantes mais famosos, prefiro ir com calma e aproveitar uma boa refeição em casa como uma pessoa local faria. Isso realmente me ajuda a ter uma ideia melhor da cultura e da área: é diferente de tratar isso como outras férias.

No entanto, você não acha que isso acaba te deixando de fora? Se toda vez que for a um lugar novo você tiver de resetar toda sua vida, isso pode se tornar algo muito frenético.
Tenho uma rotina que sigo toda manhã, o que ajuda. Começo a acordar bem cedo quando meu ciclo do sono se acostuma com o fuso horário, tomo meu chá verde, vejo meus e-mails, saio para uma caminhada ou vou malhar, esse tipo de coisa.

Logo, em vez de ter um lugar consistente para chamar de casa, você confia numa rotina consistente para fazer qualquer lugar parecer sua casa.
Exatamente!

Não é estranho estar sempre de passagem? Quer dizer, você tem amigos?
A comunidade dos nômades digitais cresceu muito hoje. Temos sites, sub-reddits, grupos no Facebook, Twitter – e tem muita gente com quem você pode se conectar. Se estou indo à Suíça, entro num grupo e pergunto se alguém tem algum amigo ou família lá. Nos encontramos, e isso imediatamente me dá um rosto amigável ou familiar numa área nova.

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E a sua família? O que seus pais acham desse estilo de vida volátil?
No começo, meu pai ficou muito preocupado. Entretanto, depois que comecei a viajar sozinha e, mais importante, voltar sã e salva, ele percebeu que eu devia saber o que estava fazendo. Quando contei minha decisão de vender tudo e realmente me comprometer com esse estilo de vida, eles me perguntaram imediatamente se eu estava louca. Mas, depois que conversamos sobre isso, eles aceitaram a ideia. No fundo, eles querem que eu seja feliz. Se encontrei um jeito de fazer o que realmente quero fazer, ir atrás dos meus sonhos e ser feliz, então é isso que eles querem. Parece clichê, só que é verdade. Tenho pais maravilhosos.

Como é namorar quando se é um nômade? Quer dizer, isso é possível?
Aplicativos de encontro como o Tinder tornaram muito mais fácil sair com alguém se você quiser. Como nômade digital, a proporção de homens para mulheres é muito maior. Fazer amigos e sair para se divertir é extremamente fácil para mim, embora conseguir algo de longo prazo seja obviamente difícil. Gosto dessa pessoa o suficiente para me enraizar aqui e ficar por um tempo? Ela gosta de mim o suficiente para que eu fique? Há muita coisa em jogo.

Truong no topo do arranha-céu Sathorn Unique, em Bangkok, Tailândia.

Como você escolhe onde ficar?
Uso o Airbnb – esse site é uma dádiva de Deus, sério. As pessoas do site geralmente preferem alugar seus apartamentos por algumas semanas ou meses de cada vez, e eu consigo um preço melhor assim. O site tem até uma seção de subarrendamento. Já usei o Craigslits antes, alugando lugares da maneira tradicional, esse tipo de coisa. Na verdade, uma nova tendência que está ganhando popularidade agora são as chamadas "co-working houses", em que um grande grupo de nômades fica numa mesma casa – com Wi-Fi, claro, isso é muito necessário –, e às vezes as pessoas até organizam retiros para grandes grupos. Wi-Fi é um negócio muito importante para os nômades, e é aí que fontes como o Nomad List são úteis, porque classificam coisas como internet, custo de vida, clima, segurança, cena noturna e muito mais.

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Você já teve alguma experiência ruim viajando?
Bom, vou dizer que, com todas as viagens que já fiz, como mulher, isso realmente abriu meus olhos para como as mulheres são tratadas em outros países. Por exemplo, como uma mulher asiática visitando a Tailândia, eu meio que conseguia me misturar. A maioria das pessoas que conversou comigo ou viu meus maneirismos provavelmente percebeu que eu não era nativa, mas, à primeira vista, eles não tinham como saber. Assim, ocasionalmente, eu acabava sendo maltratada por turistas ou por visitantes dos EUA e da Europa, que assumiam que eu era local – [significava] ser ignorada, pessoas sendo grosseiras, ser desconsiderada, simplesmente não ser tratada como uma pessoa igual. Isso machuca, para simplificar as coisas. Ninguém deveria ser tratado assim, embora isso aconteça todo dia no mundo inteiro.

Um momento ficou na minha cabeça até hoje. Eu estava com um grupo de colegas nômades, claramente numa reunião social. E um cara do grupo simplesmente assumiu que eu era uma garota trabalhando ali, onde eles estavam se encontrando. O que me incomodou não foi ser confundida com uma local, não tenho problema com isso, e sim a maneira como ele me tratou por achar que eu era local. Ninguém deveria ser tratado assim.

Notei que muitos nômades veteranos no subreddit são extremamente céticos e julgam muito os "novos" nômades. É quase como se eles não acreditassem que as pessoas estejam "falando sério" sobre isso. Você imagina por que as pessoas tratam os novatos assim nesse meio?
Sim. Acho que, quando você aspira ser um nômade e pede um monte de conselhos, na maioria dos casos parece que as pessoas realmente nunca seguem esses conselhos. E as pessoas ficam cansadas de dar sempre os mesmos conselhos para quem realmente não vai seguir com a ideia. Tipo, por que se esforçar tanto por pessoas que não ligam para isso de verdade? Essa é a nossa paixão e nosso estilo de vida, não banalize isso tratando a coisa toda como seu novo hobby. Isso não são férias nem um hobby. As pessoas realmente se comprometem com isso.

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Muitos nômades digitais gostam de falar de suas vidas como férias intermináveis. É realmente assim?
Viajar tanto assim me faz feliz e é minha paixão, porém não é como se eu estivesse sempre na praia ou algo assim. Muito trabalho entra nisso, e é preciso dedicação, disciplina e, acima de tudo, a capacidade de se motivar. Trabalho muito algumas vezes, e é assim que as coisas são. Muitas vezes, me sinto solitária. Sinto falta da minha família, dos meus amigos. Quando tenho intoxicação alimentar ou algo assim, e estou sozinha e doente em casa, embora ainda tenha um monte de trabalho para terminar, eu gostaria que minha mãe pudesse tomar conta de mim, mas ela está do outro lado do planeta – então, sim, sinto saudades de casa às vezes.

Esses momentos em que estou deitada na minha cama chorando e pensando "Se eu morrer aqui, agora, ninguém vai saber!"… você tem esses momentos. Não é tudo um mar de rosas. Mas solidão é um sintoma de uma aflição dentro de você. Se você voltar para casa a fim de tratar dessa solidão, isso pode funcionar por um tempo, porém ainda assim vou acabar me sentindo sozinha lá no fundo. A coisa mais importante, acho, é encontrar o que realmente te faz feliz e fazer isso até não poder mais. Esse é meu segredo.

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Tradução: Marina Schnoor

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