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Entretenimento

Maurício Ianês fala sobre moda, arte e política

Um dos stylists mais respeitados do país, que apresentou a nova coleção da À La Garçonne na SPFW, fala sobre a moda, hoje, no país.

*Da Fort Magazine; Todas as fotos por Bruno Mendonça/Fort Magazine/VICE.

Maurício Ianês é um dos stylists mais respeitados da moda brasileira. Trabalhando ao lado de nomes como Alexandre Herchcovitch desde os anos 1990, hoje, Ianês está à frente do projeto À La Garçonne que desfilou, na última quinta (16), na 43ª edição do SPFW. Na passarela, a marca mostrou peças da terceira edição de sua parceria com a Hering e que serão vendidas na loja dos estilistas Fábio Souza e Alexandre Herchcovitch.

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Na entrevista a seguir, Ianês fala sobre as relações entre arte, moda e política — e como vê o jovem no Brasil hoje, após ter acompanhado duas décadas de transformações.

VICE: Para você, Maurício, o que representa a ideia do ser jovem? Sabendo que a sua pesquisa vinculada à questão do corpo e sua relação política e pensando que você acompanhou nestas últimas duas décadas uma grande mudança geracional, como você vê esse jovem hoje, seu corpo, sua estética, indumentária?
Maurício Ianês: Eu acho que a moda e os estilistas em geral perdem muita oportunidade de perceber e criar uma reflexão sobre isso. Quando a Comme des Garçons fala sobre o futuro da silhueta, eles estão falando sobre o futuro do corpo! E perde-se muito essa oportunidade! Eu acho interessante quando eu comecei nos anos 90, pois o primeiro desfile que eu fiz com o Alexandre foi em 1994, nós falávamos muito sobre gênero, queer, corpo trans e o começo era muito performático! Até mais ou menos meados dos anos 2000 foi assim, depois demos uma parada nessa pesquisa porque achamos que essas questões para nós já estavam resolvidas e agora vemos uma onda de jovens dando um tapa na nossa cara dizendo "não, não está nada resolvido!". Sublimamos algumas coisas e de repente agora temos essa explosão tanto de conservadorismos, mas também de movimentos jovens numa outra via pensando de uma forma muito diferente do que a minha geração pensava sobre política, corpo, gênero e sexualidade e tudo isso ligado a uma questão de classe. É um novo corpo social e eu acho que no Brasil tudo isso é ainda mais específico.

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Quando você diz que essa pesquisa para vocês já estava resolvida, penso que a sua geração — assim como a minha — sublimou determinadas questões sem perceber, engolidas pouco a pouco pela engrenagem do business . Começamos como "contracultura" e terminamos como produto. Essa geração atual não é mais tão dicotômica, ela parece saber mais trabalhar com formas de hackeamento.
Eu acho super! Na verdade se formos ver, a gente até celebrou ser produto quase sem perceber! Quase como uma segunda onda yuppie… Isso é bem 90 mesmo! E isso aconteceu com a moda inclusive, por isso faço esse comentário critico sobre a própria produção com o Alexandre até meados dos anos 2000.

A nova geração tem um distanciamento de dois fatores da nossa época: um período ditatorial no Brasil bastante longo — o maior da América Latina — e a AIDS logo após o processo de redemocratização do país.
Total! Eles vivem já o pós-AIDS de fato, pós-questões políticas X, Y ou Z. Eu não quero fazer uma apologia ao PT e ao Lulismo e tal, mas estes últimos anos também serviram para olharmos para as minorias e as camadas periféricas, é um corpo hoje que vem de outro lugar e que não é mais o corpo burguês. E como eu falei, tem essa mistura muito legal de sexualidade com consciência de classe. Além disso, podemos ver uma redescoberta de uma cultura, de uma tradição local, uma coisa de descolonização mesmo! Isso tudo reflete em novas frentes que a gente já está enxergando na moda, esses coletivos, roupas ligadas a movimentos, e a moda se encontra nessa equação! Mas se você pega o que está mais no mainstream dá um dó sabe? É uma moda que está meio morta. Mercantilizou demais! Pensar gasta dinheiro e queima o filme às vezes, as marcas estão nessa situação e é um super desafio! Enfim, nos vejo voltando novamente para a cultura da noite e para rua que são de fato os lugares de acontecimento da moda e o lugar mais interessante da rua são os lugares periféricos! E talvez até por isso a gente sinta essa sensação de que os lugares institucionalizados da moda, o establishment esteja morto. Isso acontecia nos anos 90 quando começamos, mas era diferente porque era aquele momento do pós-modernismo, um remix do século desesperançado e é engraçado que essa melancolia volta como um sintoma disso tudo, quando vemos projetos como a Vetements ou o Gosha Rubchinskiy, isso reflete também numa coisa mais de styling e lifestyle. É uma performatividade no fundo, são marcas que estão ligadas a um efeito recente de descentralização. Por exemplo, se você pega essa "moda soviética" é uma coisa meio assim: "ah! a economia "abriu", mas e ai? Não temos dinheiro para porra nenhuma, então agente faz da nossa forma!".

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Tem muito discurso sobre moda e política que são bem superficiais, mas que se aproveitam do up to date. Como você vê isso?
O chato é que talvez não tenha de fato muita "moda política" sendo feita. Mas a meu ver, tudo é político, não tem como não ser! Acredito nisso 100%, só que a moda muitas vezes não se percebe dessa forma. E se olharmos para o próprio ensino de moda, [o ensino] não se exercita muito observar os signos e o discurso político, o que está em jogo, então sempre cai por terra porque não tem reflexão.

"Eu acho engraçado a arte achar que a moda é mais "produto" do que a própria arte. No final o que é uma Galeria de Arte? Como se dá o processo de venda de uma obra? "

Voltando ao Gosha, e pensando nas questões que você levantou, essa relação sobre moda e política para mim é muito forte no trabalho pois tem muito menos a ver com uma noção de moda como conhecemos e mais a ver com uma ideia de projeto ou movimento. Isso tem muito a ver com a arte, sendo assim eu gostaria que você comentasse sobre a relação entre arte e moda e se existe de fato a possibilidade de uma prática transdisciplinar?
(risos) Eu acho que não! O que se perde com isso é que empobrece os processos. Mas voltando a essa geração, eu acho que eles sabem lidar com isso de uma forma muito melhor. Obviamente existem as especificidades de cada área, mas é importante pensar as linguagens. A contaminação é necessária e eu vejo um preconceito muito maior do campo institucional da arte com a moda, do que o contrário. Enfim, a Bienal com curadoria da Lisette Lagnado trouxe um pouco essa questão, com a Daspu . Eu acho engraçado a arte achar que a moda é mais "produto" do que a própria arte. No final o que é uma Galeria de Arte? Como se dá o processo de venda de uma obra? No fundo é tudo a mesma coisa!

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A Lisette, numa entrevista, diz: "A moda pode ser arte. A arte não pode ser moda […] A arte recebe influencias da moda. Já a moda instrumentaliza artistas para seus fins." Ainda assim, a curadora mexicana Julieta Gonzalez tem uma colocação que acho ainda mais interessante: "Hoje, é no território da moda que proeminentemente se verifica a dupla inscrição do trabalho e do consumo, e também onde se materializa o mistério do desejo do consumidor na modernidade."

Isso tem muito a ver com a zona de tensão, por exemplo, quando eu vendo uma camiseta como um múltiplo em uma Galeria de Arte. Aliás, o meu trabalho sempre causou este tipo de problema, de ruído.

Mas tem a ver também com uma questão de discurso, não? Se você pega, por exemplo, o posicionamento de uma Rei Kawakubo da Comme des Garçons, como você mesmo citou, ou de um JW Anderson que consegue relacionar a moda feminina que está criando atualmente ao contexto do Brexit, da Theresa May e toda a complexidade do momento, o produto até ganha outro tônus! E não é a coisa de tentar deixar ele mais interessante do que ele realmente é.

Mas é statement. Tudo é discurso. É como você fala das coisas. É como você diz o que elas são. E aí voltamos para a ideia de corpo social e disso voltamos para a ideia política. São criadores que têm uma percepção real e profunda.

A moda ligada à política e ao corpo social aparece muito no seu trabalho — pelo menos percebo bastante isso na forma como você utiliza os materiais têxteis, nos estandartes, camisetas, bandeiras, nos adereços, como as franjas, os capilares, e mesmo os figurinos para as performances. Queria que você comentasse essa relação com o tecido.

É eu acho um trabalho bem forte também e sim isso começa lá trás mesmo com o Alexandre, experimentando materiais, e tal. Desde o primeiro desfile essa coisa da performance esteve presente e já fizemos várias vezes ações assim ao longo dos anos. Acho que tem muito a ver com o significado dos tecidos ou como você pode dar a eles um novo significado, isso era uma coisa que eu e o Alexandre tentávamos fazer muito! Por exemplo, tem um trabalho meu que inclusive está na casa do Alexandre e que é um grande pedaço de paetê preto esticado, emoldurado, ou seja, preso, fechado e o nome deste trabalho é "Paisagem Romântica", acho forte também hoje em dia…

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