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Histórias Horríveis da Moda: Presa em Uma Favela em Nova Delhi

As condições de trabalho eram horrendas. Os geradores ligavam e desligavam, então os ventiladores paravam de funcionar - o lugar parecia uma sauna. Bizarro, o único CD que tinha comigo era o Hot in Herre, do Nelly, o que fez a situação parecer ainda...

Tinha acabado de me formar na universidade quando pintou um trampo na produção de um amigo de um amigo na Índia. Até me xavecaram, dizendo que pagariam pra mim o aluguel de um lugar legal e que eu poderia fazer meus próprios designs enquanto estivesse por lá. Esse amigo de um amigo, que vou chamar aqui de de Sr. X, tinha ligações com uma grife relativamente famosa, era um cara do rolê e saia com a filha de um rockstar famoso.

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Talvez o alarme devesse ter soado quando ele me tirou o passaporte sem qualquer motivo assim que saímos do avião. Quando finalmente chegamos à fábrica, parecia um bunker abandonado da Guerra Fria no meio de uma favela em Nova Delhi, e, mais estranho ainda, apesar de estarmos no meio da cidade, havia um pequeno campo ao lado com 90 vacas. E as casas e apartamentos nas ruas em volta não tinham a parede da frente, então se podia ver pessoas indo ao banheiro ou lavando roupa, ou fazendo qualquer outra coisa.

Na primeira semana, apesar de trabalhar de 16 a 18 horas por dia, tinha que dormir com outros trabalhadores na própria fábrica enquanto esperava se materializar a tal excelente acomodação prometida em uma área mais nobre da cidade. Eles acabaram achando um apartamento pra mim em outra parte devastada de Delhi. Minha colega de apartamento, uma francesa, era a única pessoa na região que falava inglês, e instantaneamente não gostou de mim assim que peguei um pedaço do seu pão por não ter nem dinheiro nem comida.

Apesar de normalmente trabalhar pro Sr. X, ele simplesmente desaparecia e depois reaparecia com um bolo de camisas pólo, por alguma razão, e muita cocaína que ele tirou de Deus sabe lá onde. Na fábrica ele fazia todo aquele lance de te-abraçar-e-deixa-eu-te-ajudar-aqui, e simplesmente entrava quando bem lhe entendesse no apê. Em uma noite ele tirou toda sua roupa e deitou na minha cama, comigo. Fiquei paralisada, mas nesse momento estava dormindo apenas quatro horas por dia já tinham três semanas e estava muito cansada pra realmente reclamar.

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As condições de trabalho eram horrendas. Os geradores ligavam e desligavam, então os ventiladores paravam de funcionar – o lugar parecia uma sauna. Bizarro, o único CD que tinha comigo era o Hot in Herre, do Nelly, o que fez a situação parecer ainda mais surreal. Ir ao banheiro era muito nojento. Não tinha papel higiênico. Todo mundo faz aquele lance de mão esquerda é suja e mão direita é limpa. O graffiti no banheiro era muito engraçado. Tinha pintos desenhados nas paredes, mas em vez de ser aquela familiar rola ocidental, era sempre um pau meio Kama Sutra que desenhavam, e as paredes estavam cheias de pornografia indiana.

Era difícil trabalhar. As bolsas foram desenhadas em formas estruturais super complexas. Havia 75 bordadeiras na fábrica, todas bordando manualmente embaixo de luzes fluorescentes. Eu deveria estar no comando ali, mas como era uma mulher pequena, isso não rolou. Sobrevivi tomando chai e fumando 40 Marlboros vermelhos por dia. Muito ocasionalmente tínhamos uma folga, o que era horrível. Talvez eu ainda não tenha falado que nunca era paga e não tinha nenhum dinheiro próprio. A comida vinha solta em sacos plásticos, não em uma caixa ou algo assim.

Cinco moleques mais ou menos da minha idade naquela época, que era 21, eram os responsáveis pela fábrica. Se pedisse sequer por uma régua, era sempre ignorada. No final, perdi minha paciência com alguns dos moleques e fiquei puta com eles. Depois de berrar com os caras, todas as mulheres começaram a bater-palmas e acabei coberta de bindi e anéis.

Depois de um mês, eu realmente tinha ficado de saco cheio. Simplesmente peguei a grana que tinha no caixa e saí correndo, corri e corri até achar um telefone e liguei pra todo mundo que conhecia. Ninguém atendia seus telefones fixos. Depois de ligar pra todo mundo, percebi que não sabia onde estava, nem como chegar em casa, nem podia falar com alguém pra descobrir onde estava, e também não tinha nem passaporte nem dinheiro. Eu era loira e as pessoas vinham até mim no meio da rua e coçavam as minhas sardas. Tentei pedir informações para voltar para fábrica fazendo gestos estranhos, mas não consegui nada. Estava ficando de noite e comecei a entrar em pânico. De repente, um menininho da fábrica me reconheceu e me guiou de volta, apesar de não entender uma só palavra de inglês.

No final, depois de três meses, só consegui voltar pra casa depois de inventar uma tragédia na família quando o Sr. X falou que precisava que eu ficasse lá por mais três meses. Quando cheguei no aeroporto e me perguntaram como tinham sido minhas férias, comecei a chorar descontroladamente. Por anos depois disso, sempre quando fechava meus olhos vi vacas, mendigos e pessoas deformadas.

TEXTO POR BERT GILBERT VICE ST
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR