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Sou uma policial branca e apoio o Black Lives Matter

Diane Goldstein, policial aposentada nos EUA e militante pela reforma da justiça criminal no país, explica por que é possível ser pró-polícia e pró-negros.

Manifestantes enfrentam a polícia de Baton Rouge, Louisiana, em 8 de julho de 2016. Foto por Mark Wallheiser/Getty Images.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US e em parceria com The Influence.

No início de julho deste ano, acordei e desativei minha conta no Facebook, frustrada com a retórica carregada de amigos e ativistas do Black Lives Matter versus Blue Lives Matter. No final daquela semana, na esteira do tiroteio em Dallas, assisti com o resto dos EUA enquanto os protestos continuavam e centenas de pessoas eram presas. A exposição dos nossos fracassos nacionais é angustiante, e mesmo que ainda haja esperança, você precisa pesquisar muito para encontrá-la.

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Sou uma policial aposentada, uma veterana de 20 anos do Departamento de Polícia da Califórnia. Também sou uma ativista pela reforma na justiça criminal, membro do conselho Law Enforcement Against Prohibition (LEAP). Então a diversidade nas minhas redes sociais reflete meus valores — valores que não deveriam estar em conflito.

Tenho medo de que a violência registrada nos EUA aumente as divisões na nossa sociedade. A perda de cinco policiais protegendo os manifestantes do Black Lives Matter em Dallas, agora pode ser acrescentada a perda de inúmeras vidas de pessoas não-brancas, incluindo Alton Sterling em Baton Rouge e Philando Castile em Minnesota, que recentemente foram vítimas das relações problemáticas entre a polícia e a comunidade nos EUA — e sim, em muitos casos, das estratégias das autoridades baseadas em racismo institucional. Cada uma dessas mortes não é apenas trágica em si, mas envenenam ainda mais as relações e opiniões das pessoas.

Nesse ponto, já estou emocionalmente exausta de tentar explicar para amigos, aliados, oponentes e entrevistadores como posso defender a polícia e o Black Lives Matter ao mesmo tempo.

A formação do Black Lives Matter é um resultado direto da justiça criminal e políticas econômicas norte-americanas mal concebidas.

Estou cansada de ter que explicar por que não é culpa do presidente Obama que esses oficiais tenham perdido suas vidas; que não há base estatística para a chamada guerra à polícia; que o Black Lives Matter não significa que a vida dos policiais não importa; que a maioria dos policiais não é racista.

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Não quero simpatia. Escolhi essa luta por meio do meu trabalho no LEAP. As profundas divisões do nosso país que tornam essas explicações necessárias resultam de muitos problemas, incluindo racismo ostensivo e estrutural. Depois de 2014 em Ferguson, escrevi sobre como a guerra às drogas tem envenenado o policiamento das comunidades. Eu culpo principalmente nossa incapacidade de admitir que esse tipo de policiamento fracassou, de aceitar que querendo ou não prejudicar e marginalizar as comunidades não-brancas, foi isso que aconteceu.

A formação do Black Lives Matter é um resultado direto da justiça criminal e políticas econômicas norte-americanas mal concebidas. Um dos meus professores da faculdade, Elliot Currie, escreveu em seu livroCrime and Punishment in America que nossa ênfase em punição, acima de qualquer coisa, é só "uma tentativa de varrer o problema das comunidades mais pobres dos EUA para baixo do tapete".

Além do fracasso inegável da nossa aplicação da lei em si, está claro que a polícia recebeu um desafio impossível, uma tarefa que, como Sísifo e a pedra, nunca conseguiremos completar. Isso porque a aplicação da lei não pode mudar as muitas questões socioeconômicas que contribuem para o crime.

Pressionamos as autoridades para produzir taxas de crimes mais baixas, algo que consideramos um indicador de uma comunidade saudável. Ainda assim, ignoramos o fato de que os orçamentos das forças da lei competem com o financiamento de outros programas necessários, como educação, serviços de saúde mental, programas comunitários fora da escola e a criação de empregos e infraestrutura. Juntos, esses programas mostraram que prevenir crimes e tornar a comunidade mais segura é muito mais efetivo que contar apenas com as agências da lei.

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Por exemplo, segundo um relatório de 2008 da organização Fight Crime: Invest in Kids*, pesquisadores estimavam que três a cada dez estudantes do colegial largavam a escola ou não conseguiam se formar no tempo padrão. Aumentando a taxa de formação no ensino médio em 10% nacionalmente, os pesquisadores previam que conseguiríamos evitar mais de três mil assassinatos e quase 175 mil crimes violentos nos EUA anualmente.

Reconhecer que segurança pública é um desafio multifacetado — e portanto responsabilidade não apenas da polícia, mas de toda a gama de agências e serviços — exige uma mudança significativa na cultura e no gerenciamento da polícia. Se as autoridades realmente entendessem que nosso papel é simplesmente limitar intervenções negativas na comunidade, aumentar as interações positivas e responder aos nossos eleitores, poderíamos reduzir a violência que afeta tanto as comunidades não-brancas como a polícia.

A guerra de palavras sobre que vidas importam mais é despropositada. Mas isso não quer dizer que a responsabilidade inicial por fazer a coisa certa deveria cair igualmente sobre todos. Acredito que é nosso dever, como membros das agências da lei, começar o processo de reconciliação — porque estamos em posição de poder.

LEIA: "Caros brancos, parem de fingir que racismo reverso existe"

No clima atual, pode parecer surpreendente ouvir que muitos de nós já tomamos passos para fazer isso, abraçando a reforma em vez de rejeitá-la. Numa ironia cruel, o chefe de polícia de Dallas, David Brown, tem trabalhado pesado e efetivamente em direitos civis, relações com a comunidade, redução da violência e transparência, e é um exemplo do que as políticas de policiamento deviam aspirar. Sua liderança resultou numa redução dramática nas queixas de uso excessivo de força, graças à publicação de informação sobre (os cada vez mais raros) oficiais envolvidos em tiroteios em Dallas — o tipo de abertura que pode ajudar a reestabelecer a confiança.

"Os policiais são guardiães dessa grande democracia", ele disse durante uma entrevista coletiva. "Liberdade de protestar, liberdade de expressão — todas essas liberdades pelas quais lutamos, com nossas vidas. Isso é o que faz de nós norte-americanos. Arriscamos nossas vidas por esses direitos. Então não militarizamos nossos padrões de policiamento, mas policiamos de uma maneira mais segura a cada vez, como escolhemos fazer agora."

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Pablo Casals uma vez escreveu: "Não podemos viver sem os outros, sem a árvore".

Refletindo sobre essas palavras depois dos eventos trágicos em Dallas, tentei focar em soluções possíveis, não na linguagem divisiva e no ódio, por mais compreensível que fosse.

Mas encontro esperança em vozes sãs de união. Por exemplo, neste texto de Seth Stoughton, um professor de direito da Universidade da Carolina do Sul, no qual ele argumenta que "apesar das perspectivas muito diferentes, os participantes dos dois movimentos [Black Lives Matter e Blue Lives Matter] têm essencialmente as mesmas preocupações".

E Van Jones, o ativista, advogado e escritor, explicou neste vídeo da CNN que tanto as agências da lei como o Black Lives Matter compartilham muitos dos mesmos sentimentos, incluindo de que está aberta a temporada de caça de pessoas como eles.

O comediante Trevor Noah apontou a mesma coisa quando disse: "Se você é a favor do Black Lives Matter, as pessoas acham que você é contra a polícia. Se você é pró-polícia, as pessoas têm certeza de que você odeia negros. Quando na verdade, você pode ser pró-polícia e pró-negros, que é o que todo mundo deveria ser".

Essas vozes de moderação e compreensão deveriam ser celebradas. Nós, como agentes da lei, temos uma oportunidade — assim como a responsabilidade — de encontrar um campo neutro necessário para nos reconciliar, para ouvir, para mudar o policiamento para melhor. Não será fácil, mas temos que fazer isso para curar as feridas do nosso país e salvar vidas.

A tenente comandante Diane Goldstein (aposentada) é membro do conselho Law Enforcement Against Prohibition, um grupo de agentes da lei que se opõe à guerra às drogas. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor

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