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O rolezinho no Parque Ibirapuera ficou feião

Dois casos de estupro, pouca segurança no parque e cerca de 12 mil pessoas reunidas no "Rolezinho do Beijo" no último domingo (17) trouxeram à tona novamente a discussão se os eventos são válidos ou não.

Foto por Guilherme Santana.

Os rolezinhos no Parque Ibirapuera já são velhos conhecidos da molecada adolescente paulistana. Para o evento do último domingo (17), a ideia era pra ser a mesma de sempre: conhecer amigos de outras quebradas do Facebook, dar uns beijos, trocar telefone e voltar pra casa. Só que o negócio acabou saindo do controle. Cerca de 12 mil pessoas apareceram na marquise do parque (lugar coberto tradicionalmente frequentado por gente que vai andar de patins e skate) e o chamado "Rolezinho do Beijo" acabou terminando com a péssima notícia de que duas meninas foram estupradas no "bananal" perto da marquise durante o evento.

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O "youtuber" Evandro Farias foi um dos organizadores do encontro de domingo. Segundo ele, mais 17 eventos pipocaram no Facebook, além do que ele criou, chamando o pessoal para colar na marquise. "Eu gosto de organizar esses eventos, porque a gente acaba encontrando o pessoal do Facebook. E, como eu tenho bastantes seguidores [mais de trinta mil], acabo indo conhecê-los. Já teve até menina de Campinas que veio pro rolezinho me ver", conta.

A premissa no domingo era para ser a mesma, mas após as denúncias dos dois estupros e vários relatos de menores de idade consumindo livremente bebidas alcoólicas no evento, aquele papo do "o rolezinho pode ou não pode acontecer?" acabou novamente voltando à roda da indignação geral pública, indo além dos espaços de comentários dos grandes portais. "Não tinha como ficar tão organizado, tinha muita gente", relata. "Desde que comecei a organizar esses eventos nunca tinha vindo tanta gente assim."

As duas garotas que procuraram as autoridades para denunciar os estupros já foram atendidas. Uma tem 16 anos e a outra 18. Ambas relatam ter sido atacadas no final da tarde nos arredores do lugar onde estava acontecendo o encontro. A jovem de 18 anos conta que foi estuprada por seis homens por volta das 19 horas. Não se sabe quem são os envolvidos no crime, e também não se sabe se eles estavam participando do rolezinho.

Evandro diz que já sabia que o evento iria gerar alguma confusão assim que foi embora do parque às 22 horas. "Provavelmente, alguém foi roubado. Tinha muita gente. Uma hora teve uma correria que falaram que foi arrastão, mas não sei. Acho que foi uma ambulância. Só vi as pessoas correndo."

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O youtuber usou as redes sociais para comentar sobre o evento e saber dos internautas o que eles acharam dos relatos de violência sexual. "A gente comenta bastante sobre todos os assuntos. E ninguém tá acreditando muito [nesses casos de estupro]. Pelo que eu fiquei sabendo as meninas entraram em contato com a polícia depois da meia-noite, quando não tinha mais gente do rolezinho no parque. A maioria já tinha ido embora."

Evandro também se posicionou de maneira duvidosa sobre os estupros. Para ele, as garotas deveriam tomar mais cuidado com quem elas ficam ou aceitam o convite para sair de perto dos amigos. "Elas também não podem ir pro meio do mato, longe dos amigos, onde elas tão em segurança, para ir lá longe com o cara. Isso dá uma impressão que ela tá pedindo", posiciona-se Farias.

A opinião de Evandro sobre os estupros é preocupante, porém infelizmente reflete o pensamento geral da sociedade sobre violência contra à mulher. O rolezinho não é isento de problemas desse tipo, assim como eventos universitários (frequentados por pessoas de alto poder aquisitivo) que vira e mexe são colocados na berlinda por estimular (e esconder) casos parecidos. A conclusão que fica após o saldo do último evento e também para os próximos, é que os organizadores precisam começar a conscientizar a molecada sobre consentimento. Urgente.

Outro presente no "Rolezinho do Beijo" é Darlan Mendes, presidente da Associação Rolezinho A Voz do Brasil. "A molecada só quer se divertir, mas tem sempre aquele 1% estraga prazeres, que vai usar drogas, fazer besteira." A ONG foi uma das primeiras organizações a abrir um diálogo importante com a Prefeitura para legalizar os rolezinhos.

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Segundo Mendes, várias atividades da ONG (mais de trinta) já foram feitas pela cidade e nenhuma delas teve sequer uma ocorrência registrada. "Não dá para pegar uma coisa grande dessa só pelo lado negativo".

Entretanto, o presidente da ONG dá o alerta que vem circulando há muito tempo. "O jovem está bebendo muito na cidade. Você vê gente com 12 anos relatando seu primeiro porre." No dia, vendedores ambulantes circulavam livremente pela região vendendo as diversas misturas, além de muita gente ter trazido bebida alcoólica da rua. Pelo alto número de pessoas presentes, em comparação com o ínfimo efetivo de guardas civis municipais presentes, pouco foi feito para controlar o consumo de bebidas alcoólicas.

"É desenfreada a venda de bebidas no parque. Não tem como controlar. É um dos maiores parques da América Latina. Como lidar com eles? A droga também é. Ela é um problema que vai além do parque Ibirapuera", reclama.

Já no caso dos estupros, Darlan é sucinto. "Nenhuma mulher, independentemente do que for, merece passar por isso. Por isso que é importante a gente alertar a molecada, explicar que é errado, mas não é porque era um rolezinho que aconteceram os estupros."

A solução foi convocar toda a molecada que organiza os rolezinhos extra-oficiais para uma reunião e entrar num acordo para legalizar os encontros. "O posicionamento inicial da prefeitura após o evento foi pedir para que a gente fosse conversar com os jovens e adotar um efetivo maior de guardas e seguranças nos fins de semana no parque", explica.

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O apanhado geral de Darlan é simples: muita gente, vários grupos diferentes e, infelizmente, gente com outras intenções que acabaram colando no parque. Isso é o caso do rolezinho, que vira e mexe é enxotado de shoppings centers.

Outro caso relatado no evento foi dos skatistas que, por causa do grande número de pessoas, foram enxotados da marquise que frequentam há anos. Evandro disse que um grupo de skatistas passou pelos rolezeiros berrando "Swag é o caralho", e que também viu um cara bater com o skate no carro da GCM.

Darlan destaca que já está dialogando com o skatistas e entende a posição do grupo. "É ruim você ser de um grupo que é invadido por outro totalmente diferente. Mas foi um conflito de culturas. Nunca dá pra saber quem vai para um evento público."

"O Ibirapuera é uma terra de ninguém. É diferente de quando faço evento no Parque do Carmo, por exemplo. O Ibirapuera é assim porque vem gente de São Paulo inteira e até de outras cidades. Então o controle é mais complicado e acaba mesmo aparecendo gente aproveitadora, assim como em qualquer estilo de música, seja sertanejo, pagode, funk", termina.

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