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Dossiê Bem Passado

Combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) planejavam se organizar. Munidos de espetos de pequeno calibre, cevada pressurizada, enxertos suínos e propulsores sonoros, levariam a cabo missão de confraternização e homenagem. Codinome...

A informação era quente, porém sigilosa. Obtida de um informante de confiança -- um já retirado segundo tenente da Segunda Guerra Mundial -- durante manobra de retirada do Desfile Cívico. Procedia que por volta da hora 1300 daquele dia 7 de setembro de 2011, ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) planejavam se organizar em batalhão entrincheirado nas instalações do logradouro Rua Santa Madalena, número 46, bairro Vila Mariana -- zona sul de São Paulo, Brasil. Munidos de espetos de pequeno calibre, cevada pressurizada, enxertos suínos e propulsores sonoros, levariam a cabo missão de confraternização e homenagem. Codinome: "Churrasco".

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Prossegue: o encontro era restrito a militares, ex-militares e agregados, assumiu, em inquérito, a fonte -- encontrada em meio às fileiras já em debandada. O que tornou necessária a precaução de se agir pelos flancos para que aquela ação de infiltração fosse concluída com êxito. Então que à hora 1430 daquela mesma data, sob o disfarce de jornalista civil e cortês, dei início à ação de reconhecimento de lembranças quase centenárias daqueles ditos heróis brasileiros. Não com interrogatório pesado, que tal abordagem poderia corromper o equilíbrio emocional e comprometer em muito o delineamento das personalidades ali presentes. Segue um relatório com fotos e breves perfis de tais elementos e ambiência:

Segundo Tenente Ercílio Santini, 89

Ercílio Santini: Ô, meu amigo, você veio!

VICE: Pois é, resolvi aparecer. O senhor já tá indo?
Já sim. Minha filha veio me buscar.

Que pena. Como podemos conversar depois?
Ih, agora é difícil. Porque eu moro sozinho -- sou viúvo. Mas às vezes eu venho aqui, ou é só você ligar pra cá e perguntar por mim.

Conte só um pouco da sua história, então.
Eu fiquei um ano e meio na Itália. Isso foi em 1944. Foi terrível, né? Nós, do primeiro escalão, desembarcamos em Nápoli, mas combatemos na Linha Gótica -- acima de Firenze.

O que achou da experiência?
Minha maior alegria foi quando terminou a guerra, quando eu voltei pra minha pátria -- nem todos tiveram a mesma sorte, né? E muitos vieram motinados. Mas eu começaria tudo de novo, porque o amor que eu tenho pelo Brasil… Mas assim, mancando, né? A maioria [dos ex-combatentes] tem mais de 90 anos.

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Mas o Brasil precisava mesmo ter ido pra essa guerra?
Teve muito motivo, sim. Antes o pessoal lá de fora achava que no Brasil só tinha índio. Depois disso que o Brasil ficou sendo conhecido. O Brasil é uma potência, só o brasileiro não acredita.

Mas eu tenho que ir, meu filho. Abraço.

Abraço. Obrigado. Se cuide.

Havia música ao vivo: "Ai, ai, ai, ai / Tá chegando a hora…".

Primeiro Sargento Raul Kodama

Quantos anos o senhor tem, desculpe a pergunta.
94.

Sério?!
É. Eu nasci em 1917. Sou do bairro 'da' Bixiga.

Porque entrou para o Exército?
Ah, eu fui convocado.

E o que achou da experiência?
Ah, eu sempre gostei da brincadeira.

Por que? Algum motivo especial?
Não… Eu gostava. Gostava de ser soldado. Por que você sabe que eu era filho de estrangeiros, de japoneses. E naquela época todo mundo falava mal. Depois fui pro Exército e comecei a brigar, quebrar todo mundo. Me chamavam de quinta coluna, japonês… Eu descia o braço. Batia em todo mundo. Não podiam me levar preso, que eu era sargento do Exército. Mas eu não andava procurando, né? Mas se vinha alguém "Ô, japones!", eu PÁU! [soca a palma da mão]

Quanto tempo o senhor ficou na Itália?
Ah, eu fiquei pouco tempo. Fui ferido, né? Fui em setembro de 1944, mais ou menos, e em janeiro de 1945 fui ferido.

Tiro mesmo?
Não. Bombardeio. Pegou na perna, no braço… Aí fui pros Estados Unidos pra tratamento, porque o Brasil não estava preparado pra guerra.

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E quando o senhor voltou…
Saí reformado. Em 1946 saí reformado Primeiro Sargento… E agora sou vagabundo.

Vagabundo?
É. Vivoàs custas da Nação.

Mas o senhor lutou, ué.
Mas quem não faz nada é vagabundo.

Também se fizeram presentes dois ex-combatentes estado-unidenses, que serviram na Coreia e Vietnã. Essa boina é do senhor se acomodando no quadro.

Medalha em homenagem aos ex-combatentes.

Segundo tenente (ex-combatente) Prazeres, 89

VICE: O que achou do desfile hoje?
Prazeres: Ótimo. Eu desfilei.

O senhor desfila todo ano?
Ah… Enquanto eu estiver vivo, meu filho. Talvez até depois de morto a minha alma desça pra desfilar. Desfile militar não tem igual. Não tem escola de samba, não tem nada igual. Pra mim é militar. Quando toca música militar -- pode ser do Exército, da Aeronáutica ou da Marinha --, eu adoro.

Por que adora tanto?
Ah! Eu adoro, velho! Eu entrei praça em 1942, em Olinda [ele é de lá]. Depois passei nove meses em Fernando de Noronha. De lá fui pra Natal. Aí de Natal eu fui pra Macau no Rio Grande do Norte. Eu sempre gostei de Exército. Salvador, Maceió. Depois fui pra FEB, pra Itália. Ficamos mais ou menos 15 dias só lá.

E chegou a lutar?
Ah, eu tava com o fuzil metralhadora na mão, né, escorreguei, me machuquei… E me mandaram embora. "Ah, você não serve mais nada." Só que eu fiquei quase 50 anos pra vir as coisas da Itália pra mim, os papéis, né? Dizendo que eu estava lá e tal, porque fiquei pouco tempo. Aí pronto.

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Mas gostou da experiência?
Olha, se tivesse a Terceira Guerra Mundial eu ia pra lá. Eu sou brasileiro, rapaz. Graças a Deus sou pernambucano, brasileiro, adoro a minha terra, minha bendita bandeira brasileira, nosso hino nacional. Podem falar o que quiser, mas do Brasil eu não saio. Acho que nasci pra ser militar.

Agora me diz, com a experiência que teve: mulher gosta de homem fardado mesmo?
[Risos]Que pergunta! Mas-que-per-gun-ta-boba, rapaaaz! [Risos] Eu vou te contar… Você tá gravando, não tá? Mas não põe isso aí não. Eu sempre gostei de […].

[Risos].
Ô, rapaz! Eu tô com 89 anos, mas enquanto tiver […] e […]! [Risos]. E graças a Deus sou casado. Vou fazer agora, no dia 26 maio de dois mil e… 12, né?

É.
50 anos de casado.

Orra!
Pois é. Agora eu vou dizer uma coisa pra você. Você é solteiro?

Sim.
Vou te dar um conselho. Conselho para o bem. Se você sentir aquele cheirinho de […], […] ali e, rapaaaz.Você fica doido!

[Risos] Acho que não tem coisa melhor mesmo.
Não tem. Você é paulista? Que time torce?

Sou. Torço pro Corinthians.
Iiiihhhh! Desliga, desliga isso aí. Chega. [Risos] [Nota: ele é palmeirense (risos)]

Correio elegante (CONFIDENCIAL).

João Gonzalez, 90

VICE: O que o senhor achou do desfile hoje?
João Gonzalez: Hein?! [a música estava alta]

O QUE O SENHOR ACHOU DO DESFILE DE HOJE?
Achei bom…

VAI AOS DESFILES TODO ANO?
Não. Não tenho por hábito de ir não. Da última vez, em Caçapava, eu não me saí bem.

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POR QUÊ?
Veio um repórter me entrevistar, daí eu me excedi um pouco – eu não sabia que ele estava gravando. Meti o pau em certas coisas. E ele publicou. No dia seguinte fui chamado pelo comando da região e me disseram: “Ou você retifica ou ratifica”. Falei: Eu ratifico, porque é verdade! E fui punido [risos].

QUANDO FOI ISSO?
Em 50 e pouco.

E QUANDO VOCÊ SAIU, ERA DE QUAL PATENTE?
Eu saí me saí como aspirante a oficial. Depois fui promovido a segundo tenente, a primeiro tenente, até capitão. Depois o presidente Gaspar Dutra modificou a lei, onde constou que nenhum militar podia ter mais do que duas promoções daquela que tinha quando estava na junta. Eu já havia ultrapassado, então…

QUANTOS ANOS O SENHOR TEM?
Em janeiro completarei 91 anos…

MAS TÁ BEM AINDA, HEIN?!
Estou vivo… Vivo e sozinho… Minha esposa morreu faz um ano… [emocionado]

Desculpa… Não sabia.

Choppada armada.

Assa, soldado, linguiça a granel / Quem não assar direito vai ter uma no *créu*! -- era uma civil pilotando a grelha.

Genivaldo Freire, 44

Genivaldo: Olá combatente… do rock. Com esse cabelo só pode ser do rock.

VICE: Tá mais pra isso mesmo, que pras armas…
Mas não tem problema não. É brasileiro, é patriota -- é combatente.

Você é muito novo pra ter sido da FEB. Quem é você?
Sou ex-integrante do exército -- faço parte da Associação dos Reservistas do Exército. E vim aqui prestigiar o pessoal da FEB.

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Tava no desfile hoje?
Eu desfilei.

Ah é? Gostou?
Não fui pro Anhembi. Desfilei em Barueri, como ex-integrante do Exército Brasileiro. Nosso quartel fica lá, reservativo. Tem desfile de reservista.

Eu também sou reservista. Fui dispensado pra reserva.
Então, o que é a reserva? Se precisarem da gente, a gente volta. A gente foi treinado pra quê? Quem tá lá hoje, se tiver uma guerra, vai. Quem tiver na reserva é chamado de volta. Você foi dispensado? Se tiver uma guerra nós que servimos somos chamados imediatamente e você vai ser treinado… Quem nunca serviu, como é o seu caso, vai ser chamado pra ser treinado e ir pro pau, como todo mundo vai. Você não escapa não! Vai ter que cortar o cabelinho… Quantos anos você tem? Faculdade de quê?

26. Estudei Jornalismo.
Você ainda pode entrar. Escola de Administração do Exército. Entra no site, pode entrar até os 30 anos. Ou Marinha ou Exército, onde quiser. Mas entra no site do Exército. É bem-vindo lá. Só que vai ter que cortar o cabelo. Você pode prestar, pô, pra Escola de Administração do Exército. Ou da Marinha ou da Aeronáutica, você escolhe. A do Exército é a mais concorrida. Mas presta pras três! A que entrar, cara. Você tem vontade de ser militar? Você tem vocação?

Não sei…
Não sabe? Porque você vai ser um oficial do Exército, no caso por ter nível superior, entendeu? Mas não basta ter vontade. Tem que ter vo-ca-ção. Se você não tem vocação, cara, vai fazer outra coisa. Primeiro porque você vai perder seu tempo lá. Se você não sente que tem aquela vocação na veia mesmo… Mesmo porque não 'compensa' muito… Você tem que gostar, se não vai perder seu tempo. É bom, é? Mas pra quem gosta.

Meu irmão acho que tem vocação.
Tem? Então beleza. Então acho que você não tem. Então não perca seu tempo, vai fazer outra coisa.

A afluência foi se desmantelando por volta da hora 1630. Ao vasculhar a dependência, também conhecida como Museu da FEB -- ainda que algumas áreas estivessem interditadas naquele dia -- ainda cheguei a me deparar com este antigo tanque, diz-se, desembarcado.

Não mais e disponível para futuras transmissões. Câmbio, desligo.

TEXTO E FOTOS POR BRUNO B. SORAGGI, SENHOR!